26.3.13

os efeitos da saída do euro sobre a esquerda económica.


Um dos factos interessantes dos últimos anos da política e da cultura portuguesas consiste no surgimento de um grupo, sólido embora plural, interveniente e ouvido, de economistas de uma esquerda alternativa que colocam muitos pauzinhos na engrenagem do discurso oficialista e cordeirinho acerca do que está certo e errado na economia-realidade e na economia-ciência. Outro facto, lateral mas também interessante, é que esse arquipélago de economistas de esquerda, que tem algumas das suas ilhas mais relevantes no blogue Ladrões de Bicicletas, "invade" quer o espaço do Partido Socialista, quer o espaço do Bloco de Esquerda, alargando-se ainda para espaços mais excêntricos ao sistema político-partidário, como seja um grupo importante de intelectuais católicos que são bem simbolizados por Manuela Silva. Nessas condições, este arquipélago poderia (poderá ainda?) ter consequências políticas relevantes, sem requerer nenhuma espécie de jogo partidário, apenas pela força das ideias partilhadas.

Dizer isto não implica concordar sempre com o que dizem esses (ou alguns desses) economistas de esquerda alternativa. Um dos aspectos em que mais discordo deles é na questão do euro. Passam de um ponto relativamente consensual (o euro foi desenhado de modo que favorece os fortes e entala os fracos) para uma conclusão arriscada: o melhor é sair do euro. Assim cometem o erro capital de outros economistas a que se opõem: desligam o argumento económico do argumento político. Que a desagregação do euro possa arrastar a desagregação da própria União Europeia, com consequências incalculáveis, não parece ser coisa que lhes passe pela cabeça - ou, então, que os preocupe. Estão, alguns deles, assim, no caldo de cultura anti-europeu que alimenta desde sempre uma certa esquerda da esquerda.

Isto quer dizer que não se reconhecem erros enormes na orientação política da Europa? Não quer dizer nada disso. Só que a Europa tem a orientação política que os seus cidadãos lhe dão. Votando, pois. O euro foi criado desta maneira e não doutra - por obra e graça do Espírito Santo? Não; o euro foi criado assim porque Delors fez um pacote de propostas e os governos europeus aceitaram parte do pacote e deitaram outras partes para o lixo. Agora, saímos de uma comunidade política quando discordamos das decisões da maioria? Um país sai da UE por estar contra a maioria que a governa? Os Açores devem abandonar Portugal por terem um governo que discorda das políticas da República? O Algarve deve pedir a independência quando se sinta injustiçado pelo governo central? Não me parece que isso seja forma de resolver os problemas. E está por demonstrar que a "jangada de pedra" separada do resto do continente seja mais viável do que integrada na Europa.

Um ponto interessante deste debate é, já há largos meses, a posição de Francisco Louçã contra a saída do euro, pelo menos na forma em que ela seria possível nas actuais circunstâncias. Já o livro A Dívidadura, editado a quatro mãos com Mariana Mortágua, era muito esclarecedor nesse ponto. Agora, Louçã volta ao tema (vejam o ponto 4 neste texto: Os defensores da saída do euro têm uma boa razão para refletir). O ponto, que Louçã explica muito melhor no livro do que no post, é que ficaríamos ainda mais pobres com a saída do euro do que estamos agora. Entretanto, alguns dos membros mais relevantes da tal novíssima esquerda económica, ficaram escaldados com a posição de Louçã e reagem. Isso é bom para o debate - mas também mostra as dificuldades essenciais que existem para um entendimento entre o PS e a esquerda da esquerda para qualquer governação viável do nosso país.

Nesse aspecto, Louçã é, como se sabe, muito mais político e, como bom trotskista, pensa no futuro: pensa no que o futuro pensará da sua acção política. E sabe que, se um dia Portugal tiver de sair do euro, a desgraça social vai ser tanta que a factura a pagar pelos que tenham defendido essa solução será uma factura abrasadora. Nessa altura, o resto da esquerda económica que anda por aí a defender a saída do euro terá de emigrar para as Berlengas, sob pena de lhes cantarem a Grândola à porta do quarto de dormir. E de essa grandolada ser mais violenta do que as dirigidas a Relvas. Louçã, que não deixa a sua ciência económica perder o tino da vida política real, estará a salvo dessa enorme vassourada à esquerda económica. Infelizmente, se sairmos do euro ficaremos com pouco fôlego para apreciarmos devidamente as consequências da imprudência política dessa esquerda novíssima que não será eterna se a realidade seguir os seus conselhos.