Hugo Chávez morreu. Não vou refugiar-me na conversa da treta de que lamentamos a perda de qualquer vida humana. Claro que sim, mas não escrevemos postas sobre cada uma das vidas humanas que se perdem. Falemos, portanto, de Chávez político.
Um ponto até Paulo Portas reconhece: os portugueses na Venezuela agradecem que o chavismo nunca se tenha virado especialmente contra eles. Os que pensam que essas coisas não contam, é porque nunca saíram de casa. Adiante.
Chávez tinha um estilo que, em muitos dos seus aspectos, não aprecio. Não gosto muito do espectáculo como arma política, nem gosto que se estique a legalidade, nem gosto de pressão pesada sobre os adversários políticos, não aprecio messianismos. Só que a política não se faz em laboratórios: naquele lado do mundo, Chávez provavelmente não teria sobrevivido muito tempo se não tivesse jogado assim, porque ali há sempre demasiados poderes, políticos e económicos, a tentar usar todo o arsenal de armas sujas para proteger interesses específicos - contra os dirigentes eleitos. Chávez foi eleito e releito democraticamente, tendo sobrevivido a um golpe de Estado quase vitorioso. As coisas por aquelas bandas passam-se assim; tentar julgar o estilo de Chávez sem julgar os seus adversários, é pura hipocrisia. Em muitos momentos tememos que o chavismo descambasse, mas a verdade é que isso nunca aconteceu escandalosamente.
Talvez Cháves não fosse um rapaz muito delicado e talvez tomasse atalhos que tendemos a não apreciar. Contudo, não tenho dúvidas de que, à sua maneira, pensava no seu povo e pensava em coisas concretas de que as pessoas precisam e de que as pessoas gostam. Deixou muitos problemas, sociais e económicos, além de políticos. Mas, no essencial, sendo de um tipo de revolucionários cuja falta de subtileza por vezes nos assusta, faltavam-lhe claramente alguns dos defeitos de políticos que se julgam mais refinados: a insensibilidade, o contorcionismo e o esquecimento das pessoas que neles votam.
A qualquer juiz apressado a julgar Chávez, como se a vida se jogasse toda à mesa de cafés, pergunto apenas: um país que tolera o jardinismo pode atirar pedras a Chávez?