Grupo de personalidades defende “limpeza” nos serviços secretos.
Parece que o país está a perceber que há importantes podres na nossa vida comum. Mas, como de costume, muitos de nós continuamos a pensar o país como se se tratasse de uma espécie de família alargada, uma doença paralela àquela outra de julgar que o orçamento de Estado é uma espécie de orçamento familiar da grande casa portuguesa. Exemplo desta forma de pensar é o facto de algumas daquelas personalidades, preocupadas com o que se anda a fazer nos serviços secretos, julgarem que o que é necessário é apostar em espiões com "elevado nível ético". Estamos tramados se o nosso descanso em relação ao que andam a fazer os nossos espiões depende da nossa confiança em relação à ética dos ditos e das ditas.
O que precisamos é de instituições que funcionem. Neste caso, que o conselho de fiscalização tenha os meios necessários para fiscalizar - e que o próprio conselho de fiscalização seja efectivamente fiscalizado pelo Parlamento, para que se saiba se faz o seu trabalho. A vida de uma nação pode ser muito melhorada por uma ética pública adequada, bem como pela acção consequente de pessoas privadas com a ética adequada. Mas isso não chega, temos de insistir em que as instituições funcionem.
A fiscalização dos serviços secretos pelo Parlamento é uma função essencial numa democracia e essa função tem de ser garantida. O descuido permanente em relação a assuntos deste melindre tem muito a ver com o facto de certos partidos (do chamado "arco da governação") terem tomado conta do assunto e terem excluído "as franjas esquerdistas" do acesso à função de fiscalização efectiva. Ficaram, desse modo, livres para um certo relaxamento da vigilância, que nunca devia esmorecer. Trata-se de uma sobrevivência do espírito da guerra fria, que teorizava que os comunistas não podiam aceder a segredos de Estado no Ocidente para não irem bufar aos seus camaradas soviéticos. Esse tempo já lá vai, mas a democratização da fiscalização das partes mais secretistas do Estado continua a deixar muito a desejar.
Se a democracia não souber resolver esta questão de forma cabal, ganharão terreno aqueles que acham que um país pode dispensar serviços secretos: outra versão dos que pensam o Estado como espécie de família alargada que vive da boa vontade dos seus membros.