(João Abel Manta)
O episódio da baixa da Taxa Social Única (TSU) é muito revelador do que se anda a passar nesta campanha.
Louçã, a esse propósito, acusa Sócrates de ser igual a Coelho por ambos terem subscrito o memorando de entendimento que prevê a baixa dos custos do trabalho. Louçã não parece nada interessado na lembrança de que, no passado, o PS recusou a insistente proposta do PSD para baixar a TSU - e, com a arrogância do costume, diz a Sócrates que este promete "lá fora" uma coisa e diz outra "cá dentro" (um toque de nacionalismo, não menos serôdio por ser subliminar). Louçã prossegue a narrativa de que, entre PS e PSD venha o diabo e escolha.
Sócrates assume (a contragosto, como eu o compreendo) que há aí um problema, por ser essa uma matéria que o governo não queria incluir no acordo, mas a troika impôs. Já se sabe: quem empresta o dinheiro que precisamos consegue, normalmente, impor condições. O governo não podia fazer de conta que Portugal teria o cacau sem ceder de modo nenhum às exigências dos emprestadores. Claro, Louçã está numa posição muito mais fácil: nem sequer reuniu com a troika, basta-lhe dizer que está contra tudo e ir propondo fundos de resgate que, eventualmente, acabariam por resolver o nosso problema daqui a alguns anos - quando a massa, a pasta, o canudo, o pilim é necessário já. Louçã, o valentão, estaria até capaz de exigir à troika que impusesse a co-gestão generalizada nas empresas portuguesas, como aproximação social-democrata a um futuro controlo operário da economia. Falar é fácil para quem não espera vir a ter de governar. O PS não está nessa posição, o que faz uma grande diferença.
Portas, que nas horas vagas gosta de fazer ar de estadista, talvez para irritar Coelho no seu ar juvenil, assinou o acordo com a troika mas diz que emitiu umas reservas - e que uma das reservas era sobre a possibilidade de baixar a TSU, porque isso se calhar não se pode fazer sem aumentar impostos. A troika está-se a marimbar para as reservas de Portas - e isso não muda por causa destes "momentos Louçã" de Portas, que são os momentos em que Portas faz de conta que, se for para o governo, pode fazer render as suas reservas ao memorando de entendimento.
Já Coelho assume em pleno o seu troikismo. Não só reivindica como sua a ideia de baixar a TSU, como quer que o PS mostre grande entusiasmo com a ideia. Coelho não percebe que Sócrates tenha sido obrigado a engolir certos aspectos do memorando por patriotismo, não por ideologia. Claro que Coelho desautoriza Catroga (não são nada 8% que eles querem baixar, são só 4%); claro que Coelho deita sempre água no vinho (serão 4% ao longo de 4 anos, sem dizer qual será o ritmo) - mas, no essencial, Coelho está contente porque a troika impôs uma ideia sua. É natural: Catroga reivindicou, no primeiro minuto, que o acordo com os emprestadores era o que era graças à boa influência do PSD. Embora, agora, Coelho esteja sempre a dizer que "o governo assinou o acordo".
Pois, é que há quem, nos momentos difíceis, se chegue à frente e engula a pílula. Foi o que fez o governo do PS. Nos mesmos momentos difíceis há sempre, também, quem se sente na bancada a dar palpites. Ou até a rir-se das dores dos outros.