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6.2.25
Pensamentos de um social-democrata acerca do estado do mundo ao dia de hoje
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20.12.24
Ontem fomos todos encostados à parede no Martim Moniz
Deixo aqui, para registo, o meu editorial de hoje no Acção Socialista, que assino na responsabilidade de diretor dessa publicação.
***
Ontem fomos todos encostados à parede no Martim Moniz
Ontem, numa rua de um bairro de Lisboa, pessoas, muitas
pessoas, foram indiscriminadamente mandadas encostar à parede e sujeitas a
revista policial, no quadro de um aparato mandado montar para mostrar essa
humilhação coletiva a determinados grupos étnicos ou raciais (embora,
cientificamente, não existam raças humanas, mas apenas a raça humana). Uma
operação desta natureza não podia acontecer sem motivos fortes – e desses
motivos, suficientemente concretos, a opinião pública devia ser adequadamente
esclarecida. Ora, segundo se sabe, desse espetáculo lamentável resultou a
apreensão de uma arma branca e de canábis. A desproporção entre os meios e os
resultados, mais as declarações do primeiro-ministro, denunciam o fito
puramente propagandístico da operação. As forças policiais estão a ser usadas
para fins político-partidários, isto é, para tentar obter uma transferência de
votos entre partidos da direita portuguesa, à custa do respeito que devemos a
todas as pessoas que vivem na nossa comunidade.
Não por acaso, a zona escolhida para aquela humilhação
coletiva e seletiva é conhecida pela forte presença de imigrantes. O governo
não se atreveria a produzir este espetáculo numa rua de Cascais ou do Estoril,
porque, aí, as perceções preconceituosas que alimentam estas manobras não
funcionariam no sentido desejado pelos instigadores. Seguindo uma estratégia de
cavar divisões, o governo está, repetidamente, a criar as condições para uma
fratura social que julgávamos impossível na nossa sociedade. Não se trata de
pretender que não havia racismo entre nós, porque havia. Trata-se de que, até
há pouco, não havia nenhuma pessoa decente e com responsabilidades públicas que
enveredasse pelo caminho de explorar o racismo existente, latente, subliminar,
para espicaçar perceções distorcidas, erradas e contrárias aos dados existentes,
apenas como parte de um jogo de pequena política. Hoje, essa espécie, que devia
ser rara, tem um espécime na chefia do governo.
Efetivamente, pelo que diz, o primeiro-ministro parece ter
sido o mandante desta ação. Não deu nenhuma justificação, nenhuma explicação,
nem apresentou nenhum resultado que, pelo menos remotamente, indiciasse
qualquer lógica assente na legalidade democrática que estivesse subjacente ao
teatro público montado para humilhar pessoas que vivem entre nós e que
contribuem para a nossa humanidade comum. A sua explicação é vergonhosa, quando
assume que labora na manipulação de perceções.
O primeiro-ministro foi capturado pela extrema-direita. Não
somos capazes de precisar se o primeiro-ministro sabe de história o suficiente
para compreender que encontramos antecedentes destas práticas de humilhação de
grupo para fins políticos na estratégia do partido nazi na Alemanha da primeira
metade do século passado ou se é levianamente que o primeiro-ministro entra
pelo caminho infernal do acirrar divisões de grupo na sociedade do Portugal
onde vivemos.
O que sabemos é que todos os portugueses de paz,
respeitadores da Constituição e da legalidade, aderentes aos princípios
fundadores dos direitos humanos, foram ontem colhidos por aquela ação numa rua
de Lisboa. O que sabemos é que somos todos ameaçados com ações, como aquela,
que pretendem acirrar a desconfiança, e até o despeito e a raiva, entre pessoas
que são, desta forma, acantonadas em identidades grupais que alguns pretendem
transformar em antagónicas. O que sabemos é que todos perdemos com esta ameaça,
politicamente inspirada, à concórdia entre membros da comunidade dos humanos
que vivem no nosso país. Por isso, ontem fomos todos encostados à parede no
Martim Moniz, e isso foi obra de quem nos governa e trai, por truque político,
os seus deveres e responsabilidades.
(Publicação original aqui: Ontem fomos todos encostados à parede no Martim Moniz .)
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15.12.24
A JS no início dos anos 1980, um testemunho
Por ocasião do XXIV Congresso Nacional da Juventude Socialista, o Jovem Socialista, pela mão do seu Diretor Diogo Vintém, fez publicar um número especial dedicado a esse momento de passagem de testemunho na organização, como é sempre um Congresso onde muda a liderança (saiu, agora, da função de secretário-geral, o Miguel Costa Matos). Para além dos textos "obrigatórios" num número dessa natureza, este número do Jovem Socialista inclui dois textos sobre a história da JS. São dois textos de propostas e de candidatos, a seu tempo, derrotados em congressos da organização. Um desses textos é da minha responsabilidade e reproduzo-o aqui, para registo. No final, darei a ligação para poderem ler na íntegra este número do órgão central da JS.
Aproveito o texto que me pediu o diretor do Jovem
Socialista, camarada Diogo Vintém, por ocasião do XXIV Congresso Nacional da
JS, o primeiro congresso em muitos anos que ultrapassa aquilo que considero a
insuficiência democrática da candidatura única sistemática, para um exercício
de estímulo a mais informação e mais reflexão sobre a história da JS. A
história da JS é uma história política, não é uma mera cronologia de líderes, e
não deve ser caricaturada. Deve, pelo contrário, saradas as feridas dos
confrontos passados, ser assumida, debatida e pensada como parte do processo de
crescimento do coletivo, grande, livre e plural, que é este partido a que
pertencemos. Então…
O momento em que assumi maiores responsabilidades no debate político na JS foi o V Congresso Nacional, em fevereiro de 1984. Fui candidato à liderança, com uma moção intitulada “Com as nossas mãos o futuro, com os militantes a esperança”. Os autores do livro “Juventude Socialista: 30 anos de estórias de Portugal e do Mundo” (2004), escrevem que ocorreu aí a primeira rutura com a continuidade diretiva da JS desde a sua fundação, saindo derrota a lista alinhada com a anterior direção, liderada por Porfírio Silva. Vale a pena contar aqui um pouco do contexto desse Congresso, que são os começos dos já longínquos anos 1980.
O IV Congresso (1981) elegera como secretária-coordenadora a
primeira mulher a liderar, em Portugal, uma organização político-partidária com
autonomia: Margarida Marques. Ainda não tinham passado 7 anos sobre o 25 de
Abril e os socialistas estavam na oposição ao governo da primeira AD. A crise
interna do PS, por ocasião da reeleição de Eanes para a Presidência, estava a
causar muitas feridas.
Foi durante esse mandato que entrei para o Secretariado
Nacional. Pela primeira vez, 5 membros desse órgão eram obrigatoriamente camaradas
residentes fora de Lisboa, os 5 Secretários Nacionais de Coordenação Regional,
cobrindo todo o território. (Eu entrei para o SN com a coordenação de Aveiro,
Coimbra e Viseu). Sistematizou-se, ainda, a prática das reuniões do SN com as
Federações.
Foram anos de atividade política intensa, da qual podemos
destacar alguns aspetos, em vários planos. A JS elaborou, em colaboração com
camaradas do Partido, um projeto de lei de Bases do Sistema Nacional de
Educação (antes de qualquer outra iniciativa para aprovar essa lei). Apresentou
no parlamento dois projetos-lei para legalização das associações de estudantes
(um sobre ensino secundário, outro sobre ensino superior) e um projeto-lei
sobre o estatuto dos objetores de consciência ao serviço militar (em tempos de
serviço militar obrigatório, a objeção de consciência estava na Constituição,
mas não na lei).
Reformulou-se o apoio à participação de socialistas nas
associações de estudantes, tendo passado de 5 para 40 as associações do
secundário onde estávamos presentes. No superior, as vitórias mais importantes
foram na Associação Académica de Coimbra, em Direito (Lisboa) e na Universidade
dos Açores.
Tema candente na altura, a JS entrou na luta contra o
nuclear (campanhas “Não a Sayago” e “Armamento Nuclear Não, Obrigado”). Em
outubro de 1983, a JS realizou uma grande Conferência sobre a Paz e o
Desarmamento, com participação de várias organizações socialistas estrangeiras e
muitos oradores nacionais de referência, marcando a posição da esquerda
democrática, que, querendo travar a corrida aos armamentos, seguia a análise de
François Mitterrand, numa Europa ainda dividida pelo Muro de Berlim: vemos que
os mísseis estão a Leste e que os pacifistas estão a Oeste. Fui um dos
principais responsáveis pela conceção e realização desta conferência, que tinha
como objetivo político contrariar a tentativa dos comunistas para
instrumentalizar a luta pela paz.
De destacar, do trabalho feito neste período, a criação do
Conselho Nacional de Juventude. Por iniciativa da Juventude Socialista, em maio
de 1982, sentaram-se à mesa e chegaram a acordo para criar o CNJ, subscrevendo
as suas Bases Gerais, 20 organizações de juventude, as mais representativas no
espectro partidário e fora dele. Fui um dos subscritores desse documento. Ficou
de fora a JSD, que só aderiu mais tarde. É um sinal (triste) das tentativas de
reescrever a história que, posteriormente, alguns tenham feito tudo para apagar
da história os iniciadores do CNJ, alimentando a ficção de que começou apenas
no momento da sua escritura formal de constituição.
Entretanto, a conflitualidade interna, quer no PS quer na
JS, era muito elevada neste período. No PS, o IV Congresso (maio de 1981)
registara a divisão interna mais virulenta de toda a nossa história. O V
Congresso (do PS) baixara um pouco a tensão, mas, principalmente, à custa de
uma situação política completamente diferente: o PS estava de novo no governo,
formalmente aliado ao PSD. Nas eleições legislativas, a minoria partidária
tinha quase completamente desaparecido das listas de candidatos a deputados e
do grupo parlamentar. Muitos dirigentes da JS eram (ou eram considerados)
próximos da minoria partidária. No governo do Bloco Central, o Ministro da
Educação era do PSD – e, vistas as suas políticas, passado algum tempo a JS pediu
a sua demissão. (O PSD fazia oposição todos os dias ao governo PS-PSD, mas não
era esse o caso do PS…). No cruzamento de todas estas questões, uma parte do
aparelho do PS considera que a JS era “oposição” e que era preciso encontrar
uma direção mais “tranquila” para os jovens. A minoria da JS aproveitou esse
balanço (e o apoio no terreno de muitos funcionários do partido, que foram
incentivados a apoiar uma das candidaturas). Com a revolução e o 25 de Abril a
deixar de ser tema dominante na vida dos jovens, avançava a passos largos o
processo designado como “despolitização” e a direção da JS (e eu próprio, como
candidato) era tido como “demasiado ideológico” para os tempos.
Havia, de facto, na altura, clivagens dentro da JS acerca do
entendimento que devia ser dado à autonomia da organização e à especificidade
da nossa missão junto da juventude portuguesa. Dou um exemplo que está muito
vivo na minha memória. Quando o Secretário-Geral do PS entrou no pavilhão onde
se realizava o V Congresso, em Tróia – Mário Soares era, nessa altura,
Primeiro-Ministro do governo PS-PSD – eu levantei o congresso com uma palavra
de ordem que visava a demissão do ministro da educação, do PSD (creio que seria
“Seabra para a rua”), na sequência do pedido de demissão que já tínhamos feito
publicamente. O meu camarada José Apolinário, o candidato que saiu vencedor
desse congresso, alinhou na onda e juntou-se ao pavilhão, que já estava em
uníssono a seguir aquela reivindicação. Mas, depois de ganhar o congresso,
esqueceu isso e explicava-nos que o partido não gostaria dessa reivindicação…
Hoje, quando alguns se queixam de que a JS não faz “o seu trabalho” junto da
juventude, lá fora das nossas portas, vale a pena refletir sobre se, realmente,
é mais importante que a JS seja a voz do PS junto da juventude ou que a JS seja
a voz da juventude junto do PS…
Retrospetivamente, há quem, mais jovem ou menos jovem, tenha
alguma dificuldade em entender o que era Portugal no princípio da década de 80
do século passado. Li, há algum tempo, numa das publicações da JS sobre os 50
anos da organização (dirigida pelo camarada Diogo Vintém, diretor do Jovem
Socialista), que alguém teria escrito: “1984 marcou a necessária rutura com um
passado necessariamente romântico. Em Congresso Nacional, a JS altera a sua
linha política, agora coerente com as posições económico-sociais que o PS vinha
defendendo. Do socialismo autogestionário à defesa de uma economia de mercado
regulada pelo papel do Estado foi o passo de gigante que a Juventude Socialista
deu nos duros anos 80”. É difícil imaginar um retrato mais distorcido do que se
passava na JS (e no PS) (e no país) naqueles anos. Passado pouco tempo, o PS
registaria o pior resultado eleitoral legislativo da sua história e 10 anos de
Cavaco Silva estavam prestes a começar. A esquerda estava em dificuldade – e os
socialistas, a principal força da esquerda, também. O tempo da despolitização
jogava, principalmente, contra a esquerda moderada. E, mais do que tudo, entre
a juventude. Pensar nisso seria pensar nas condições de ação política naquele
tempo. Isso seria mais útil, para os tempos de hoje, do que qualquer tipo de
mistificação (as mistificações são sempre favorecidas pela falta de
conhecimento histórico: onde é que alguém pode ver, nas moções apresentadas ao
congresso de 1984, o tal socialismo autogestionário?!)
Uma das tarefas mais continuadas que me ocuparam durante o
tempo em que fui dirigente nacional da JS a nível executivo, além de ter sido
responsável pela Formação, foi a publicação do Jovem Socialista. Exerci essa
responsabilidade como chefe de redação, porque a Comissão Nacional sofreu
durante largos meses de falta de quórum (provocado, como parte da querela
interna), impossibilitando a eleição do diretor. Assim, assumindo a
secretária-coordenadora o papel de diretora-interina, foi como chefe de redação
que fiz publicar 11 números do órgão central da organização, entre novembro de
1982 e janeiro de 1984. Desses, os 9 números regulares saíram em formato de
revista e os 2 últimos (o nº 76, com os materiais do V Congresso; o nº 77, com
uma retrospetiva do Jovem do IV ao V Congresso) saíram em formato de jornal. Fazendo
um pouco de arqueologia, deixo-vos uma lista exemplificativa dos textos
publicados no Jovem Socialista entre o IV e o V congressos da JS. Vejam (e
depois da lista faço ao leitor uma pergunta simples):
The Clash, o rock contra o racismo, Não ao armamento
nuclear, Os jovens, o 25 de Abril e a Música, Masculino/Feminino: factos e
imagens, Campismo é cultura, Movimento de escritores novos, Camões e a sua
obra, Defender o meio ambiente, Estatuto do Objetor de Consciência, Dossier
Turismo Juvenil, Natal: um produto para consumo? Os mistérios de Milton
Nascimento, Discocrítica, Planeamento familiar, Entrevista com Mário
Soares, Os Jovens e o serviço militar,
Bob Marley ao Jovem Socialista, Entrevista com Filipovic, Nuclear: dizemos por
que não, JS recebe resistentes salvadorenhos, O jovem consumidor e o desporto
escolar, Objeção de Consciência, Vida Sexual da Juventude (inquérito e
entrevista com Maria Belo), JS em Beirute, durante a invasão israelita, Entrevista
com Rosa Mota, Desporto associativo em Aveiro, Campanha para as autarquias:
entrevista com Eduardo Pereira, Entrevista com um objetor da consciência
francês, O negócio das armas, RTP, para
quê?, Entrevista com Soares Louro sobre Comunicação Social, Comer, perigo de
morte?, Reportagem: «Eu abortei!», Perspetivas do movimento ecológico
internacional, Os comunistas e o nuclear, A revolução na Nicarágua, Livros
proibidos no regime fascista, The Wall (Pink Floyd), O movimento dos
Cineclubes, Lançamento do Prémio
Literário Jovem Socialista, Estudantes Socialistas em Encontro Nacional,
Cultura em debate (depoimentos de António Reis, Margarida Projecto, Fátima
Murta e Fernando Alçada), Entrevista com dois artesãos de Idanha-a-Nova, Sobre
a Lei da Defesa Nacional, Defesa do Consumidor, Defesa do Património Natural e
Cultural, A civilização do «Macho», A Imprensa de juventude no estrangeiro,
Plano de Emprego de Jovens, O Ambiente na Constituição, O Rock dos nossos
tempos, Banda Desenhada, Edição Especial: Política de Juventude da JS,
Movimento Ecológico Internacional, Desarmamento nuclear, Repúblicas coimbrãs,
Dia do Estudante; entrevista com Jorge Sampaio, dirigente associativo em 1962,
O que é a regionalização, A loucura militar, Serviço cívico: inquérito de rua,
Mapa por um mundo solidário, Entrevista com Aquino de Bragança, intelectual
moçambicano, Relatividade estrita: apontamento científico, Beatle John, Que
fomento desportivo em tempo de crise,
Poesia britânica, Grande inquérito «E agora, socialistas?», O erotismo de andar de bicicleta, Marx, quem
és tu?, Objeção de consciência no Parlamento Europeu, Fala-nos um palestino, Entrevista com Soeiro
Pereira Gomes, As dimensões do Universo, Humor e política, História do Xadrez,
Declaração sobre a Paz, Os homens ou as armas?, Entrevista com Manuel Alegre
(sobre o seu livro “Babilónia”), O roteiro dos ecologistas, Alimentação em
férias, Pratique desporto, A mulher em Os Lusíadas, A arte das aranhas,
Mulher... em chinês, Número especial sobre desarmamento, Entrevista com
dirigente da JS espanhola, Oposição filipina ao Jovem Socialista, A Juventude
Socialista e o Governo: inquérito de rua, A educação sexual, Reivindicações
estudantis, Existirão outros sistemas solares?, Cuidado com o Pato Donald, Como
vamos de música.
Lendo esta lista de assuntos tratados no Jovem Socialista,
no início dos anos 1980 (tinha, na altura, uma tiragem de 5000 exemplares e era
distribuído gratuitamente por todas as estruturas, uma das poucas despesas que
o Partido não nos regateava), parece-vos que denota uma organização paleolítica?
(O número do Jovem Socialista onde este texto foi editado pode ser lido na íntegra ou descarregado aqui: Jovem Socialista nº 537, dezembro 2024)
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30.11.24
O que esperar de António Costa?
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15.11.24
Fórum Europeu sobre o Futuro dos Partidos Políticos
Teve lugar, na passada semana (7 e 8 de novembro), em Roma,
mais uma edição do Fórum Europeu sobre o Futuro dos Partidos Políticos, no qual
tive a oportunidade de participar, a convite dos organizadores. Dessa
realização dou nota sumária neste apontamento.
O Fórum tem vindo a decorrer há já sete anos, organizado
pela Fundação Friedrich Ebert, em colaboração com o Instituto Universitário
Europeu, de Florença, e, este ano, reuniu académicos (principalmente de ciência
política) e políticos no ativo desenvolvendo a sua investigação e/ou ação na Áustria,
Bulgária, Chéquia, Croácia, Eslováquia, Eslovénia, Espanha, França, Grécia,
Hungria, Itália, Polónia, Portugal, Roménia, Suécia, Suíça e Estados Unidos da
América.
O tema deste ano foi “Para além da social-democracia: a
transformação da esquerda nas sociedades do conhecimento emergentes” e foi
abordado neste Fórum a partir dos trabalhos que se encontram refletidos no
livro Beyond Social Democracy: the Transformation of the Left in Emerging
Knowledge Societies, publicado este ano pela Cambridge University Press, tendo
como organizadores Silja Häusermann, da Universidade de Zurique, e Herbert
Kitschelt, da Universidade de Duke (na Carolina do Norte, EUA).
Sem prejuízo de, em edições futuras, darmos informação mais
circunstanciada sobre os debates ocorridos neste Fórum, deixamos, desde já,
breve apontamento sobre algumas das questões mais salientes que foram, nesta
ocasião, abordadas.
A grande novidade das discussões deste ano, que, mais uma
vez, se integram numa linhagem de investigação sobre o campo da
social-democracia como corrente de ação política, e que (desde há alguns anos)
nunca deixam de refletir sobre o chamado declínio eleitoral da
social-democracia, foi o enquadramento mais abrangente: em vez de pensarmos
apenas nos partidos da social-democracia tradicional (incluindo os que
escolheram uma das designações historicamente equivalentes, como sejam os
socialistas democráticos ou os trabalhistas), pensamos num campo mais plural da
esquerda democrática. Isto é: há, hoje, em vários países, formações políticas
que, concorrendo eleitoralmente com os tradicionais partidos da
social-democracia, não deixam de ter um ideário também ele social-democrata
(mesmo que não o admitam explicitamente). Ora, no quadro dos desafios
enfrentados hoje pela esquerda democrática, não deixaria de ser pertinente
pensar a ação política sem desatender da importância de contar com esses
partidos para construir blocos políticos e sociais amplos, capazes de fazer
avançar a ação social-democrata para além das fronteiras orgânicas estritas dos
tradicionais partidos desse campo.
Um exemplo das questões suscitadas por esta linha de análise
é o seguinte: um partido da área da social-democracia pode escolher um
posicionamento político, face a outras partidos da esquerda democrática e face
a partidos da direita, que o engrandece eleitoralmente à custa desses outros
partidos quando, afinal, eles poderiam ser futuros parceiros. Isso pode
garantir um certo sucesso eleitoral relativo, no imediato, mas sem retirar um
voto à direita - e, portanto, potencialmente, ficando-se pela redistribuição de
votos dentro da esquerda e deixando à direita a maior margem de manobra.
Entretanto, essa não é a única opção: um partido da social-democracia
tradicional pode, mesmo que com algum risco político, procurar captar
eleitorado que oscila entre a direita democrática e a esquerda democrática, de
modo a conseguir ampliar a força do conjunto da esquerda democrática, mesmo que
isso implique perder algum eleitorado para outros partidos dessa esquerda
democrática. Esta opção poderia ser mais arriscada para um determinado partido,
mas tornar-se mais vantajosa para o conjunto do campo da social-democracia. (Em
termos de teoria dos jogos, o risco seria que a estratégia “egoísta” tenderia a
ser a “estratégia dominante”, quer na ótica da competição entre partidos da
esquerda, quer na ótica da competição entre esquerda e direita.)
Evidentemente, este tipo de raciocínio não é um raciocínio
puramente tático, nem puramente eleitoral. Este tipo de raciocínio torna-se
relevante para responder, quer à realidade da crescente fragmentação política e
partidária que se tem verificado em muitas democracias, quer para responder
politicamente a um desafio de fundo que enfrentam as esquerdas em muitos
países. O desafio de fundo é a existência de várias esquerdas, nem sempre
compatíveis entre si no que toca a definir rumos para as políticas públicas:
desde uma esquerda mais tradicional, com opções políticas marcadamente
desenhadas a partir da economia e do programa de redistribuição como caminho
para menor desigualdade e mais justiça social, passando por uma esquerda mais
focada em valores liberais ou libertários, ligados à promoção dos direitos
individuais como dimensão irrenunciável de uma democracia aprofundada, até
esquerdas mais conservadoras em termos de valores, embora reivindicativas em
termos socioeconómicos (por exemplo, as tensões acerca da imigração ou das
agendas de novos direitos, tensões envolvendo algumas correntes da esquerda). O
ponto é que esta análise não se esgota na consideração de posicionamentos
ideológicos: ela corresponde, na realidade de muitos países, a diferenças
profundas na composição social dos eleitorados de diferentes partidos de
esquerda. Portanto, não é o “mero” campo das ideias, ou do simbólico, que está
em questão; estão em questão diferenças sociais reais que reclamam soluções
políticas diferentes e, por vezes, até, pelo menos à primeira vista,
contraditórias.
Não sendo possível, no espaço de um artigo de jornal, dar nota da riqueza de todos os debates que tiveram lugar neste Fórum, voltaremos, logo que possível, a reportar aspetos do rico conteúdo deste Fórum.
Entretanto, deixamos uma sugestão. O livro que, como mencionado acima, providenciou os trabalhos de partida para este Fórum, encontra-se disponível, para ser descarregado gratuitamente, de forma legal, no sítio da editora, no seguinte endereço: Beyond Social Democracy: the Transformation of the Left in Emerging Knowledge Societies .
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