18.6.25

Mário Soares, a adesão europeia e os revisionistas



Para registo, fica o artigo que publiquei ontem (17-06-2025) no jornal Público (p.6). (A qualificação do autor está incorrecta: devia ser apenas "deputado do PS", como pedi. A "cara" também está desactualizada... Mas o texto é mesmo meu.)

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Mário Soares, a adesão europeia e os revisionistas


A 12 de junho comemorámos 40 anos da assinatura do Tratado de Adesão de Portugal à (então) CEE. Mas nem tudo foi bonito nesse dia. Com estupefação, vimos afloramentos de uma tentativa para desvalorizar o papel decisivo de Mário Soares nesse passo.


Testemunhei ao vivo, na Conferência “No Centenário de Mário Soares - Orgulhosamente Acompanhados - 40 anos de Portugal na União Europeia”, o MNE, Paulo Rangel, tentar menorizar o papel de Mário Soares no processo de adesão, mostrando-se agastado com o relevo de Soares na memória histórica. Dizer que outros também eram europeístas – é verdade, mas não autoriza deslustrar o motor político dessa adesão.


Há, na nossa integração europeia, factos que todos conhecemos. Apenas entrado em plenitude de funções, o I Governo Constitucional avançou para a Europa e, em poucos meses, preparou e, com apoio do Parlamento, formalizou o pedido de adesão, apesar dos conselhos receosos dos economistas. Soares colheu o que semeou, ao assinar o Tratado de Adesão.


Contudo, compreender o papel singular de Mário Soares implicar saber algo mais.


Em 1976, o programa eleitoral do PS alongava-se sobre a centralidade da adesão de Portugal à CEE no rumo pretendido para o país. O PS tomava essa opção como um novo eixo estruturador do posicionamento de Portugal no mundo.


Por contraste, o programa do PPD, das 5 páginas sobre o posicionamento de Portugal no mundo, reservava menos de 20 palavras à adesão à CEE. A parte internacional do programa do PPD tinha 6 parágrafos, com 6 prioridades. A adesão à CEE não merecia nenhum dos seis parágrafos, não se destacava como uma das prioridades. A brevíssima referência à adesão à CEE aparecia, como questão subordinada, enxertada num subparágrafo.


Nesse ano de 1976, enquanto o programa do PS colocava a integração europeia como estruturante de uma visão de desenvolvimento e de consolidação da democracia, no programa do PPD a questão da adesão à CEE era diluída numa miscelânea de temáticas, encravada na questão das relações ibéricas e misturada com a revisão do Pacto Ibérico.


O percurso político anterior de Mário Soares explica como, chegado o momento de governar, fazia diferença a sua visão clara e a sua determinação europeísta. Durante os muitos anos de oposicionista à ditadura, as lideranças democráticas europeias tornaram-se interlocutores privilegiados de Mário Soares. Escrevendo na imprensa europeia, publicando fora de portas, discursando nos congressos e conferências dos socialistas (e dos federalistas), reunindo com governantes, unia o futuro democrático de Portugal à integração no concerto das democracias europeias. Como fez, também, discursando no Conselho da Europa, em 1970.


O primeiro programa doutrinário do PS, de 1973, ainda na clandestinidade, punha a Europa democrática como horizonte de um Portugal democratizado – embora criticando a falta de uma “Europa Social”, de uma Europa dos trabalhadores.


Logo a 3 de dezembro de 1974, o Le Monde destacava a afirmação de Mário Soares: “O nosso objetivo a longo prazo é a integração na CEE.”


O melhor do nosso europeísmo floresceu por contraste com o fechamento cinzento e pesado da ditadura de Salazar e Caetano – e amadureceu na necessidade de garantir a democracia representativa. Várias personalidades, antes e depois de Abril, de diferentes ideologias, juntaram a sua voz e a sua ação a uma visão europeísta do nosso futuro comum. Honra lhes seja feita por terem enfrentado os isolacionistas, quer os do triste “orgulhosamente sós”, quer os das visões redutoras e simplistas da soberania nacional. O governo que assinou a adesão não era monocolor.


Contudo, ninguém teve o desejo e o ensejo de ser tão decisivo e tão definidor nessa adesão à União Europeia como Mário Soares. A história diz-nos isso. É, pois, inaceitável a tentativa, pequena e sectária, de tentar menorizar, ou sequer relativizar, o papel de Mário Soares no processo de integração europeia.  





Porfírio Silva, 18 de Junho de 2025
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