30.10.10

as responsabilidades do humor


É politicamente incorrecto questionar o humor. Não devemos, contudo, deixar-nos levar por esse clima.
Alguns humoristas assumem que o bobo nunca foi inocente e que, mesmo na corte mais liberal, arriscava-se a apanhar um pontapé por inconveniência. Mas isso sublinhava que tinha significado. Outros acham-se a coberto de qualquer crítica e vêem a sua actividade como um recurso inquestionável. Basta ver aquela "troupe" de agitação que numa das últimas campanhas eleitorais se achou, escudada no "humor", no direito de interferir directamente com actividades dos partidos. Já a mim parece-me que o humor tem de assumir as suas próprias responsabilidades, reconhecer que faz passar opinião - e aceitar que também estará por isso sujeito a crítica.
Vem isto a propósito do cartoon do famoso Plantu no Le Monde de ontem (imagem). Trata-se de um comentário à condenação à morte de Tarek Aziz, antigo ministro de Saddam Hussein. O homem é posto a dizer: "Oh, como estou comovido! Isto faz-me lembrar imenso a época de Saddam!". Ora, parece-me que isto não passa de uma apresentação "humorística" de um velho argumento dos pró-pena de morte: quem com ferros mata, com ferros morre. O "pequeno" problema deste "argumento" é que ele coloca os defensores da pena de morte no mesmo plano moral dos que eles acham bons objectos de condenação. No caso concreto, Plantu apresenta com "humor" a ideia de que não há nada de espantoso na condenação à morte de um ministro de um regime que condenava à morte. Para mim, não há "humor" que resgate o que há de profundamente errado, do ponto de vista moral, nesta posição. O olho por olho, dente por dente não se torna mais aceitável por ser desenhado nem por tentar passar como uma piada. É uma ideia própria da barbárie. E o "humor" não torna isso menos chocante, visto na primeira página de um jornal com as tradições do Le Monde.



29.10.10

em piloto automático, também hoje

16:50

Há palavras que nos beijam


Há palavras que nos beijam
Como se tivessem boca,
Palavras de amor, de esperança,
De imenso amor, de esperança louca.

Palavras nuas que beijas
Quando a noite perde o rosto,
Palavras que se recusam
Aos muros do teu desgosto.

De repente coloridas
Entre palavras sem cor,
Esperadas, inesperadas
Como a poesia ou o amor.

(O nome de quem se ama
Letra a letra revelado
No mármore distraído,
No papel abandonado)

Palavras que nos transportam
Aonde a noite é mais forte,
Ao silêncio dos amantes
Abraçados contra a morte.

Alexandre O’Neill

28.10.10

em piloto automático, insisto

17:00


Devia morrer-se de outra maneira.
Transformarmo-nos em fumo, por exemplo.
Ou em nuvens.
Quando nos sentíssemos cansados, fartos do mesmo sol
a fingir de novo todas as manhãs, convocaríamos
os amigos mais íntimos com um cartão de convite
para o ritual do Grande Desfazer: "Fulano de tal comunica
a V. Exa. que vai transformar-se em nuvem hoje
às 9 horas. Traje de passeio".
E então, solenemente, com passos de reter tempo, fatos
escuros, olhos de lua de cerimónia, viríamos todos assistir
a despedida.
Apertos de mãos quentes. Ternura de calafrio.
"Adeus! Adeus!"
E, pouco a pouco, devagarinho, sem sofrimento,
numa lassidão de arrancar raízes...
(primeiro, os olhos... em seguida, os lábios... depois os cabelos... )
a carne, em vez de apodrecer, começaria a transfigurar-se
em fumo... tão leve... tão subtil... tão pleno...
como aquela nuvem além (vêem?) — nesta tarde de outono
ainda tocada por um vento de lábios azuis...

José Gomes Ferreira

27.10.10

em piloto automático, ainda

17:00

De Amor nada Mais Resta que um Outubro


De amor nada mais resta que um Outubro
e quanto mais amada mais desisto:
quanto mais tu me despes mais me cubro
e quanto mais me escondo mais me avisto.

E sei que mais te enleio e te deslumbro
porque se mais me ofusco mais existo.
Por dentro me ilumino, sol oculto,
por fora te ajoelho, corpo místico.

Não me acordes. Estou morta na quermesse
dos teus beijos. Etérea, a minha espécie
nem teus zelos amantes a demovem.

Mas quanto mais em nuvem me desfaço
mais de terra e de fogo é o abraço
com que na carne queres reter-me jovem.

Natália Correia


26.10.10

em piloto automático

17:11

Segredo

Não contes do meu
vestido
que tiro pela cabeça

nem que corro os
cortinados
para uma sombra mais espessa

Deixa que feche o
anel
em redor do teu pescoço
com as minhas longas
pernas
e a sombra do meu poço

Não contes do meu
novelo
nem da roca de fiar

nem o que faço
com eles
a fim de te ouvir gritar

Maria Teresa Horta

25.10.10

austeridade


Seguindo uma recomendação de José Luiz Sarmento, no As Minhas Leituras, um vídeo sobre a "austeridade" que vai mais longe do que o dicionário.



Pode demorar um bocadinho a carregar - mas vale a pena!

Agora ficamos em piloto automático...

22.10.10

parábola

10:03

PARÁBOLA


Poemas são como vitrais pintados!
Se olharmos do mercado para a igreja,
Tudo é escuro e sombrio;
E é assim que o Senhor Burguês os vê.
Ficará agastado? - Que lhe preste!
E agastado fique toda a vida!

Mas - vamos! - vinde vós cá para dentro,
Saudai a sagrada capela!
De repente tudo é claro de cores:
Súbito brilham histórias e ornatos;
Sente-se um presságio neste esplendor nobre;
Isto, sim, que é para vós, filhos de Deus!
Edificai-vos, regalai os olhos!

Johann Wolfgang von Goethe


21.10.10

é d'A Barbearia do senhor Luís


Diz o Luís Novaes Tito:
A coisa menos interessante é verificar que alguém faz uma proposta para, em troca, se abster na votação daquilo que propõe.
Para saber qual é a coisa mais interessante: Ainda a estória do coelho e do consultor, na tal Barbearia.

o urgente e o importante

10:00

Pedro Santos Guerreiro fecha o seu editorial de ontem no Jornal de Negócios com a seguinte frase acerca da actual situação económica e financeira: "A finança vence sempre: o urgente vai prevalecer sobre o importante". É uma frase com muito sentido. Importante seria tratar da economia. Tratar das finanças é urgente mas prejudica o que é importante. O editorial é rebuscado de modo a nunca afirmar preto no branco que não se deve acudir ao urgente. Mas deixa a pairar a acusação de que se não está a tratar do importante. Mas trata-se de um conflito muito corrente, que todos podemos perceber se pensarmos um bocadinho.
O tempo vai quente. Estamos a ensinar o nosso filho a ler. O vizinho colhe as primeiras batatas. A vizinha cuida da sua mãe velhinha. O meu irmão repara o telhado da casa para enfrentar as próximas chuvas. A minha mãe coze uma fornada de pão. O meu pai rega o milho. De repente declara-se um incêndio num pequeno bosque vizinho. Todos corremos a abafar o fogo às primeiras labaredas. Essa é a tarefa urgente do momento. Todas as outras coisas eram intrinsecamente mais importantes do que sacudir ramos contra uma chamas rasteiras: educar, cuidar, colher. Mas seria estultícia descurar o urgente em nome do importante. Mesmo que a fornada de pão se queime. Por causa do perigo de que descurar o urgente em nome do importante prejudique mesmo o importante.
Descurar o urgente em nome do importante é o que fazem os que gritam aqui d'el rei pela economia sem ao mesmo tempo contarem com o papel que as finanças têm neste mundo, gostemos ou não. Como se a economia pudesse sobreviver com as finanças no caos.

20.10.10

propostas de orçamento há muitas, seu...



Não consigo encontrar nenhum vídeo realmente decente desta versão de "Money" pelos The Flying Lizards...

aquela metade do copo

saber contar (pelo menos até sete)


Passos põe quatro condições para viabilizar Orçamento. (Público)

As seis condições do PSD para viabilizar o Orçamento
. (Económico)

Abstenção do PSD tem sete condições. (Jornal de Negócios)

João Magalhães, no Câmara Corporativa:
Na Festa do Pontal, em Agosto, Passos Coelho foi claríssimo - o PSD só viabilizaria o Orçamento se fossem preenchidas duas condições: não haver aumento de impostos; haver cortes na despesa.
E foi assim, entrincheirado nessas duas condições, que o PSD recusou qualquer diálogo sem pré-condições com o Governo na elaboração do Orçamento.
Agora, que o Governo apresentou a sua proposta na Assembleia, o PSD mostra a sua verdadeira face: afinal, não tinha uma, nem duas, nem três, nem quatro, nem... mas sim as que a imaginação de Marco António & Miguel Relvas determinarem.
Integral aqui: A imparável máquina de 'spinning' do PSD [em actualização permanente...].

19.10.10

castanhas quentes

19:23

Bruxelas propõe a criação de IVA europeu para financiar orçamento da UE.

Até estou de acordo: responsabilidades europeias com financiamento reforçado por impostos europeus.
Só não consigo imaginar uma altura mais adversa para essa ideia ser levada a bom porto.
A não ser que, com a mencionada redução das contribuições dos Estados-Membros, se queira afinal reduzir ainda mais a capacidade da UE.
Aguardemos, pois.

pessoas a preto e branco


Malick Sidibé, Christmas eve, 1963

Doclisboa 2010 – Fotografias de Malick Sidibé no Palácio das Galveias. Até final de Outubro. Entrada livre.
 

os sacanas fartam-se de fazer publicidade

DN

A demagogia (dizer completas mentiras compostas apenas de verdades-verdadinhas, com intenção e alvo) é muita por estes dias, denunciando pretensos despesismos de vária ordem. Faz isso um grupo de gente que, tendo por profissão escrever ou falar nos órgãos de comunicação social, não tem tempo para estudar os assuntos sérios e, tendo de sobreviver, produz qualquer "peça" que esteja à mão. No género "chutar com o pé que estava mais à mão". A alegação de que (espante-se!) organismos do Estado ou das redondezas fazem publicidade - é uma das flores do ramalhete. A sugestão é simples: "aquela malta" gasta dinheiro a rodos a fazer propaganda. E que tal pensar um bocadinho mais?
Uma boa maneira é ler Luís Paixão Martins no Lugares Comuns:
Suponhamos, como exemplo, que no próximo ano temos o obrigatório Recenseamento da População - o habitual Census que se realiza em cada 10 anos. Não será a Publicidade um instrumento necessário para informar os cidadãos acerca do mesmo e dos seus procedimentos?
Suponhamos, como exemplo, que o Estado fecha um hospital e quer informar os cidadãos que devem optar por outro. Não será a Publicidade um instrumento necessário para informar os cidadãos?
A Publicidade e outras disciplinas da Comunicação são essenciais na Sociedade. Sem elas viveríamos num Caos. É a Comunicação que "organiza" a Sociedade.
Está na íntegra aqui.
Estas coisas são simples: há quem pense que um País em dificuldades deve parar. Talvez para eles parecerem em movimento.

memória curta


França e Alemanha querem suspender direitos políticos de países com défices.

A Alemanha fala grosso. E a França esganiça-se o que pode para dar a ideia de que o eixo franco-alemão ainda tem alguma ideia na cabeça. Mas qualquer desses Estados-Membros, quando entrou em incumprimento, não vão ainda muitos anos, fugiu com o rabo à seringa e manobrou politicamente para não levar o puxão de orelhas com que agora estão sempre a querer brindar os outros. Parece é que já se esqueceram disso.

então mas agora o domingo já não é um dia impossível para se fazerem coisas legais?


A jornalista Manuela Moura Guedes rescindiu ESTE DOMINGO o seu contrato com a TVI, informou a estação de televisão em comunicado.

Eu sei que tu sabes que eu sei que tu sabes a que Domingo eu me estou a referir. Um Domingo que escandalizava muito a tal senhora dona, por nesse Domingo - parece impossível! - se passarem papéis numa universidade privada. É que parece que ao Domingo ninguém trabalha - e quem trabalha é só entre aspas e para fazer asneira. Afinal, a senhora Guedes também "conclui actos" ao Domingo. Safa! - como dizia o outro.

18.10.10

"a" corporação

é Da Literatura


Eduardo Pitta, no Da Literatura:
Em Portugal, o salário médio andará algures entre 700 e 800 euros. Para já, os cortes salariais incidem sobre funcionários públicos e trabalhadores do sector empresarial do Estado: CGD, CP, RTP, TAP, etc. Esses cortes não afectam rendimentos inferiores a 1550 euros mensais. As pensões ficam intocadas, excepto as de valor superior a 5000 euros mensais. Verdade que os funcionários públicos (todos) vão passar a descontar mais 1% para a CGA. Verdade que as pensões da CGA de valor superior a 1600 euros vão descontar para o IRS o mesmo que descontam as da Segurança Social. Num país em que tanta gente, parece que 35% da população activa, aufere o salário mínimo; num país em que professores do ensino básico e outros profissionais qualificados auferem salários inferiores a 700 euros mensais; em que centenas de milhares de pensionistas têm pensões inferiores a 400 euros, o plano de austeridade que aí vem afecta sobretudo as profissões liberais, gestores públicos, pilotos da TAP, magistrados e quadros superiores do Estado, chefias militares, diplomatas, professores universitários, docentes do ensino secundário dos escalões mais altos, apresentadores de televisão e pouco mais. A irritação da direita começa aí.
Na íntegra: Foi V. que pediu social-democracia?.

17.10.10

as crises têm dono


Em parte, os "donos das crises" são os economistas com a cabeça cheia de modelos que nada têm a ver com a realidade deste mundo - mas que, infelizmente, influenciam os que governam precisamente, não Marte, não Júpiter, não a Lua, mas a Terra. Sim, esta Terra onde vivemos e que eles infernizam com as suas teorias irrealistas. Irrealismo que serve para justificar políticas erradas (mirabolantes), de cujos erros eles nunca pagam as consequências.
Exemplo? A última fornada de prémios Nobel da Economia.
Leia-se Nuno Teles, no Ladrões de Bicicletas:
Para uma análise crítica do prémio mais vale dar a palavra a quem, muito melhor do que eu, conhece o trabalho dos três economistas. Dois bons artigos. O primeiro, de Yanis Varoufikis, começa eloquentemente da seguinte forma: “Imaginem um mundo devastado pela peste e suponham que o Prémio Nobel desse ano é atribuído a investigadores cuja carreira foi baseada no pressuposto de que as pestes são impossíveis. O mundo ficaria revoltado. Assim nos deveríamos sentir relativamente ao anúncio do Prémio Nobel de ontem.” O segundo artigo, de William Mitchell, é um brilhante ataque teórico, arrasador do trabalho galardoado. Não resisto a mais uma citação: “A realidade é que as maiores contribuições deste trio são a de que o desemprego de massas não existe e que o desemprego é, sobretudo, voluntário ou resultado de políticas demasiado generosas de governos “mal aconselhados”.
Texto na íntegra aqui.

ainda há administradores com visão política, caramba


Presidente da Metro Mondego anuncia demissão na sequência do Orçamento. «O presidente da sociedade Metro Mondego, Álvaro Maia Seco, anunciou hoje que vai apresentar a demissão do cargo, na sequência da extinção e integração da sociedade na Refer, que consta do Orçamento do Estado para 2011.»

Bem jogado. Como o lugarinho iria ser extinto de qualquer modo, ele vem antecipar a história. Se os dinossauros fossem tão espertos como este administrador, ter-se-iam demitido uns séculos antes da extinção. Que este tenha sido mais expedito a reagir do que os dinossauros - mostra que o mundo continua a evoluir. A história natural é uma grande escola, caramba.

portugal, a europa, a crise, alguns mitos, algumas realidades

19:38

Jean Quatremer publicou no Libération um artigo intitulado "Pourquoi l’Irlande n’a pas déclenché une nouvelle crise de la zone euro" (Por que a Irlanda não desencadeou uma nova crise da zona euro). Damos aqui tradução (livre) de uma parte desse texto.

Dublin, para salvar o seu sector bancário, anunciou a 30 de Setembro que o seu deficit público alcançará 32% do PIB no final de 2010, três vezes mais do que se esperava! No mesmo dia, a Espanha perdeu o seu triplo A e deu um novo aperto fiscal para reduzir o défice público (9,1% em 2010), como o seu vizinho Português (cujo défice é "apenas" 7,3% em 2010). Poucos dias depois, a Fitch Ratings e a Moody's baixaram mais uma vez a notação irlandesa... Uma avalanche de más notícias que, no entanto, não desencadeou uma nova crise da dívida soberana equivalente à que atravessou a zona do euro no primeiro semestre: a Irlanda e da Península Ibérica continuam a ter acesso aos mercados para financiar-se, embora a custos elevados, e o euro continua o seu regresso triunfal à sua valorização do início do ano (cerca de 1,40 dólares...). A zona do euro claramente já não mete medo aos investidores. A acalmia nas taxas de juro dos CDS sobre a Grécia, Portugal e a Irlanda fornece uma prova adicional (…). Por quê?
Existem várias explicações cumulativas. Primeiro, a zona do euro tem agora uma pistola carregada em jogo, o Fundo Europeu de Estabilização Financeira (EFSF em inglês), com a notação triplo A e que pode emprestar até 440 mil milhões de euros, com um adicional de 60 mil milhões de euros que a Comissão está autorizada a mobilizar com a garantia colectiva dos estados. O FMI compromete-se a contribuir com mais 220 mil milhões de euros se necessário. A estes montantes acrescem os 80.000 milhões disponibilizados para a Grécia (mais 30 mil milhões de euros de empréstimo do FMI) e os 50 mil milhões de euros do Fundo europeu de apoio à balança de pagamentos para os estados da União que não são membros da zona euro. Quer dizer, uma potência de fogo de 930 mil milhões de dólares. Por seu turno, o Banco Central Europeu (BCE) abandonou os seus preconceitos ideológicos, comprando desde 10 de Maio dívida pública dos países mais vulneráveis no mercado secundário (mercado de revenda dos títulos, já que o BCE não tem o direito de comprar a dívida directamente aos Estados).
Isto teve o duplo efeito de tranquilizar os mercados, que temiam que um Estado falhasse os seus pagamentos, e desencorajar os especuladores atraídos pelo cheiro a sangue. Se a União tivesse um instrumento desse tipo no final de 2009, a crise da dívida soberana simplesmente não teria acontecido, o que teria permitido aos estados continuar a pedir emprestado a taxas razoáveis nos mercados. Assim, esta crise mostrou aos mercados que o compromisso político dos Estados para com o euro é real, mesmo que tenham duvidado por um momento, especialmente por causa da atitude alemã. Eles entenderam que a solidariedade europeia existe. (...)
Finalmente, a Irlanda, Espanha e Portugal não estão na situação na Grécia. Nenhum destes países mentiu sobre o verdadeiro estado da sua economia, das contas públicas e dos seus bancos, o que é uma diferença importante: a confiança, elemento chave numa economia de mercado, está intacta. Além do mais, nenhum desses países tinha as suas contas públicas degradadas antes da crise, o que lhes dá uma margem de manobra que a Grécia não tinha. (...)
Dublin, como Madrid e Lisboa, não precisam que lhes torçam o braço, como Atenas que esperou até 2 de Maio para ceder face à União e ao FMI, para adoptar um plano de austeridade particularmente ambicioso (e consensual). É certo que a Irlanda tem um problema bancário – 50 mil milhões de euros! – mas, como afirmou Patrick Chauvet, "parece a alguns um custo fora do balanço"... A credibilidade da Irlanda nos mercados é forte: "é um país anglo-saxónico a falar para anglo-saxões”, ironiza Laurence Boone, economista-chefe do Barclays Capital.(...)

Versão integral, em francês, disponibilizada por Quatremer no seu blogue, aqui. A quem a língua francesa não assuste: vale a pena ler integralmente.

16.10.10

a nova actividade do Público


O Público anda sempre à procura de novas actividades, para além da informação. Vende livros. Cria ex-directores que agitam a cena conservadora. Aquece campanhas eleitorais com inventonas. Novidade novidade é agora: prevê o futuro. Mais concretamente: o passamento de certas pessoas com fama. Desta vez prevê a morte - no próximo ano - de Malcolm Allison. Há aqui algo de estranho, não há?!


o orçamento no seu contexto


Carlos Zorrinho, ontem, no Expresso da Meia Noite, SIC Notícias.


governo-sombra


A coligação negativa está a formar um governo-sombra. O núcleo duro está escolhido.


uma confissão ao sábado


Na sua edição de hoje, a revista Única (do Expresso) apresenta um trabalho sobre a elaboração do Orçamento de Estado por vários ministros das finanças em exercícios anteriores. É nesse quadro que apresenta um depoimento de Bagão Félix, ministro da Segurança Social e do Trabalho de Durão Barroso que passou a ministro das Finanças de Santana Lopes. Passo a citar.
«No novo posto, e como é tradicional, Bagão Félix começou a ouvir os colegas de executivo, para a elaboração do OE para 2005. Num desses encontros reuniu com o ministro Fernando Negrão, sem se recordar que tinha sido ele o seu sucessor na pasta da Segurança Social. Logo nos minutos iniciais, Bagão Félix começou a demolir severamente muitas das propostas que Negrão trazia escritas. "Lembro-me de lhe dizer que algumas delas nem sequer faziam grande sentido", recorda hoje Bagão Félix. Fernando Negrão foi ouvindo tudo com paciência e serenidade. Até que, numa das observações mais críticas, não aguentou mais: "Vai-me perdoar, senhor ministro, mas permita-me que lhe recorde que eu não alterei uma única linha ao documento que o senhor mesmo escreveu quando estava neste agora meu Ministério, para elaborar o orçamento." Bagão Félix engoliu em seco: "Foi uma lição de vida para mim. Mostra como as coisas mudam, consoante a perspectiva que temos delas", admite o ex-ministro das Finanças.» Fim de citação.
É extraordinária a lata. Bagão Félix consegue contemplar com "ar filosófico" («foi uma lição de vida»), até com uma certa candura, algo que é um cancro da vida pública: responsáveis que em cada circunstância "acham" o que lhes vai na cabeça como se o mundo "lá fora" fosse apenas cenário, que mudam de "visão" como quem muda de camisa, que fazem o seu papel como se estivessem num grande teatro e não a jogar com a vida de todos nós - e tudo isso "consoante a perspectiva". Assim se percebe como tanta gente anda por aí a dizer certas coisas, como se não tivesse nada a ver com "isto". Nem todos chegam é ao ponto de confessar tão abertamente o que valem as suas opiniões neste momento - já que elas poderiam ser completamente diferentes se estivessem noutra "perspectiva".

15.10.10

a collaborative music and spoken word project

uma forma de estupidez imanente

este governo e a luta de classes


Entre os produtos cujo IVA vai subir de 13 para 23% estarão conservas de vários tipos, como carne, miudezas e moluscos, com excepção das ostras, frutos e produtos hortícolas - dizem fontes geralmente bem informadas. Pelas ostras se mostra o carácter de classe deste governo. Ou não? Joana Lopes esclarece o mistério.

espectador comprometido


Só o Eduardo me faria ler o Vasco.
Pitta e Pulido Valente, respectivamente.

nunca ninguém tem culpa de nada


Pelas dez da manhã, a jovem mão pede ao balcão, para o seu menino de tenra idade que a acompanha, um pacote de batatas fritas de presunto, que logo passa para as mãos do petiz.

alice no país das maravilhas, uma história contada com candura




14.10.10

ainda o Jesus Cristo de Fernando Pessoa e as finanças


Há dias perguntei aqui «se o Estado português tem de pagar juros de mais de 6% nos mercados para se financiar, não poderia pedir emprestado aos portugueses e pagar-lhes, digamos, 5% de juro? Era mais do que os bancos dão aos clientes e menos do que o Estado tem de pagar aos bancos. Bom para (quase) todos, não era?» e responderam-me variadas coisas. Mas a resposta que eu sabia que faltava estava a ser-me dada no twitter, pelo João Pinto e Castro. Não a vi na altura, por ser fraco cliente daquela casa. Mas aqui fica.

ainda bem que há quem leia jornais


Não fora a existência de leitores atentos, nem chegaríamos a saber o calibre do jornalismo que por aí anda.

brasileiros de olho em Portugal


Chico Buarque lidera manifesto por Dilma e Frei Betto defende-a como cristã.

Quando Lula era candidato a presidente, diziam que ele era um radical que ia dar cabo do Brasil. Agora tentam a mesma jogada contra Dilma. Dilma tem vários crimes no cadastro. É apoiada por Lula, coisa que irrita todos aqueles que agora fazem de conta que gostam muito de Lula mas na verdade o detestam (nomeadamente os que se mordem de ele ter aproveitado bem o trabalho de Fernando Henriques Cardoso). Opôs-se à ditadura com os meios que a ditadura deixava. Parece que é indiferente à religião, embora agora seja crente para crente ver.
Tentando contrariar a mobilização das armas sujas na guerra contra Dilma (por exemplo, Serra chamou o assunto Deus na TV para a atingir), um vasto grupo de gente que pensa organiza-se em manifesto para a apoiar. E, para o efeito, não tem papas na língua. Vejam: «O comportamento da oposição lembra "os argumentos que prepararam o golpe de 1964", por exemplo nas "críticas ao "populismo"", diz o manifesto. Inconformada com "a ampla aprovação da sociedade brasileira" ao Governo Lula, "uma minoria com acesso aos meios busca desqualificar esse povo, apresentando-o como "ignorante", "anestesiado" ou "comprado pelas esmolas" dos programas sociais". Essa minoria confunde sociedade de direitos com "sociedade de favores" e, "em nome da liberdade de imprensa, quer suprimir a liberdade de expressão".»
Outros pontos desse manifesto são perfeitamente aplicáveis a Portugal. Leiam: «É profundamente antidemocrático - totalitário mesmo - caracterizar qualquer crítica à imprensa como uma ameaça à liberdade de imprensa.»
Exactamente.

a morte anunciada de um Pacto

15:51

UGT diz que “Pacto para o Emprego morreu”.

Há coisas assim na linguagem dos humanos: se a UGT diz que morreu, morreu mesmo. Quando eu digo "está a chover", isto pode ser verdade ou ser mentira - e o que acontece na realidade não depende em nada do que eu digo. Mas, em certos casos, "dizer é fazer": num casamento, é a palavra do oficiante (se for legítimo e se tiverem sido respeitadas certas condições) que "produz" o casamento. "Declaro-vos marido e mulher" - e lá estão eles marido e mulher. É de género comparável este caso: não há Pacto para o Emprego que se salve quando as partes o declaram morto. Tenho disso muita pena, por razões que já expliquei várias vezes. Aqui, por exemplo, logo em Outubro de 2009.
Isto não quer dizer que eu concorde com tudo o que a UGT dá como razões. Nem quer dizer que a culpa seja da UGT. É mais culpa da generalizada incompreensão de quão necessários são acordos tripartidos sobre matérias estruturantes com alcance temporal alargado, que não estejam sempre a ser revistos em função da conjuntura. E da falta de cuidado para não matar essas plantinhas frágeis que são os poucos resultados da concertação social.
Claro, levantar-se-ão vozes contra o "radicalismo" da UGT. Se a minha voz bradasse aos céus, acontecer-me-ia o mesmo. Mas não brada.

o combate ao desperdício público é uma bandeira da esquerda

11:03

Ricardo Paes Mamede, no Ladrões de Bicicletas:
No momento actual, este tipo de discurso [sobre as Parcerias Público Privadas] parece assentar bem aos economistas da praxe, àqueles que nos impingem que tudo o que o Estado faz é errado. Na verdade, o desastre das PPP deve-se, em larga medida,... precisamente àqueles que nos impingem que tudo o que o Estado faz é errado. A lógica das PPP consiste em acreditar que o Estado deve deixar espaço aos privados para revelarem a sua eficiência supostamente acrescida. Acontece que a maior eficiência que esses privados têm revelado é na argumentação jurídica que lhes permite justificar renegociações dos contratos – só na Lusoponte a derrapagem financeira associada foi de 400 milhões de euros. A lição a retirar não deixa espaço para dúvidas: se o Estado não é suficientemente bom para conduzir directamente os investimentos, não o será seguramente para prevenir ou vencer batalhas jurídicas associadas a contratos complexos.
Na íntegra: O combate ao desperdício público é uma bandeira da esquerda.

demagogia

post aberto aos despeitados com um brinde para os distraídos


Despeitado português à procura da importância de Portugal pertencer ao Conselho de Segurança.
(Na foto: Jamel Debbouze e Rie Rasmussen em "Angel A".)

Há por aí várias categorias de despeitados a achar uma ninharia que Portugal tenha sido eleito para o Conselho de Segurança da ONU. Duas categorias particularmente interessantes desse zoo merecem menção específica.
Temos, desde logo, os manos que pura e simplesmente mentem dizendo que Portugal foi eleito em virtude da desistência do Canadá. Foi precisamente ao contrário: o Canadá retirou-se, em plena sessão, depois de ter percebido que tinha muito menos votos do que Portugal e que não chegaria lá. Basta perceber como funciona aquele tipo de votação para ver como este contorcionismo não é doença da coluna, mas da lisura na relação com o leitor desprevenido.
Outra categoria de despeitados não se sente capaz de desvalorizar a coisa e opta por entregar a taça ao atleta errado, como quem deita a língua de fora ao verdadeiro artífice da vitória. Essa categoria de despeitados é bem representada por quem atribui o mérito da vitória à diplomacia portuguesa, chegando ao ponto de quase cumprimentar os porteiros das embaixadas, ao mesmo tempo que não reconhece que a diplomacia é um instrumento de uma estratégia com fito político, definida não pelo aparelho diplomático mas pelo governo. Se, como é o caso, esta manifestação de despeito vem do primeiro magistrado, a coisa é mais grave do que a própria mentira descarada mencionada anteriormente. Trata-se, simplesmente, de mais um exercício de guerrilha-institucional-com-hipocrisia-indisfarçável a que CS nos tem habituado.
Já agora, para uso dos que dizem que não tem interesse nenhum pertencer ao Conselho de Segurança, cito a revista Visão de hoje: «Segundo revela a última edição da Foreign Policy, os países que integram temporariamente o Conselho de Segurança recebem 59% mais ajuda dos EUA e têm 20% mais possibilidades de receber apoio do FMI. Segundo um dos autores deste estudo, (...) "o voto no Conselho é um bem muito valioso, que pode ser comprado".» Acredito que o voto de Portugal não estará à venda - mas há muitas maneiras de ganhar com o seu valor. Coisas que os despeitados não aparentam perceber.

13.10.10

uma pergunta provavelmente ingénua


Escrever isto é pura ignorância, má-fé ou um cocktail de ambas?
(A coisa explicada tintin-por-tintin aqui.)


há por aí uma esquerda da esquerda que se ouça?

16:55

Vejo algo de bizarro quanto à ideia de que é "inevitável" que o PSD deixe passar o orçamento. Como expliquei anteriormente. Isso não mostra um bloqueio dos mecanismos constitucionais, mas sim um bloqueio da política. A politica não quis ver que não estávamos em tempo de "piloto automático" e que o piloto a sério não podia ficar à espera que limpassem a cabina. E, estranhamente, parece que ninguém se preocupa em perguntar à esquerda da esquerda em que condições poderia viabilizar o orçamento. Parece que o país já assumiu que o PSD pode eventualmente mostrar-se responsável e negociar a sério, mas que o BE e o PCP estão fora desse círculo. Se calhar, estão. Nesse caso não servem para nada, neste momento, como possível solução. O que é pena, já que neste momento não chega contestar.
Agora, a esquerda da esquerda não teria nada a ganhar em mostrar que poderia fazer parte da solução? Se fosse "melhorista" (ou reformista, se quiserem) não poderia, apesar das dificuldades, mostrar que pode fazer a diferença? Isso poderia ser alcançado concentrando-se em obter uma mais justa distribuição do esforço que a crise pede - dentro da estreita margem que a cena internacional nos deixa.
Consideremos as seguintes questões.
Neste texto: Os números oficiais mostram que o Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC) anunciado está mal repartido entre grupos sociais, João Ramos de Almeida lembra algumas coisas. A tributação do património é muito deficiente. Os assalariados e pensionistas já pagam 92 por cento de todo o IRS, deixando uma magra fatia para os independentes, agricultores, industriais, comerciantes, donos de prédios, de capitais e mais-valias. Mais de metade das empresas não paga IRC. O recurso aos sinais exteriores de riqueza para combater a fuga aos impostos continua praticamente inoperacional. Os métodos indiciários para corrigir a fuga estão na lei - mas só na tinta. Continua a haver benefícios fiscais que só são benefícios para grandes grupos. O tabu dos sigilos (bancário e fiscal) continua a servir os que deixam para nós a carga de pagar. E todas estas coisas têm histórias políticas onde muito poucos estão isentos de figuras tristes.
A esquerda da esquerda não poderia, sem fazer exigência megalómanas (que esquecem que não vivemos isolados do mundo), colocar em cima da mesa uma solução para este imbróglio político que não desse esta imagem triste de que o PSD é a única salvação possível para o país? Ou essa esquerda continua a não ser capaz de mais, no plano político, do que ser a voz do descontentamento imediato?

a crise portuguesa


O The Economist publica um relatório especial de 18 páginas sobre Portugal?! Gaita, que isto está mesmo muito mau. A Senhora MFL e o o Senhor PPC é que têm razão: esta coisa da crise é tudo da maluqueira do Sócrates!
Ei, espera lá: os tipos escrevem "the world economy"... Então, isto afinal não é uma coisa doméstica? O suplemento sobre as desgraças do mundo não é dedicado exclusivamente a Portugal?! Estou espantado. Bem me parecia que o tipo da capa não era parecido com o Sócrates.


Roubado ao Domingos Farinho, do jugular.

arejar, que bem preciso

12.10.10

um país pária, como Portugal, tem coisas inexplicáveis


Portugal eleito para o Conselho de Segurança da ONU.

Bom, quem não sabe o que isto representa (o que custa lá chegar, o que vale lá estar) nem vale a pena estar a aborrecer-se com miudezas.

O Público noticia assim: «Portugal conseguiu um lugar como membro não-permanente do Conselho de Segurança, a partir de Janeiro de 2011, depois de obter uma maioria de 150 votos dos outros países-membros das Nações Unidas. Mas só à terceira ronda, e depois de o Canadá retirar a sua candidatura. A Alemanha confirmou que partia como candidato favorito: foi eleita na primeira ronda, com 128 votos, deixando Portugal e o Canadá disputarem o lugar que restava.»

O Público faz tudo para menorizar a coisa. Primeiro, que Portugal só conseguiu depois de o Canadá ter retirado a sua candidatura. E por que terá o Canadá retirado a sua candidatura? Será que Sócrates ameaçou cortar o vencimento do Chefe de estado, que "por acaso" é a Rainha Isabel II? Ou terá o Canadá retirado a sua candidatura por estar a recolher muito menos votos do que Portugal e ser uma questão de tempo até isso produzir a eleição de Portugal? Foi só à terceira ronda! Pois foi: não foi contra Barbados, foi contra o Canadá, a quem nunca tinha passado pela cabeça ser fintado por uma província da Ibéria. Mas foram eles que tiveram de sair, não fomos nós. E estava a Alemanha em liça, Alemanha que muitos entendem que devia ter um lugar permanente, não apenas rotativo. Mas o Público não diz que a Alemanha foi eleita à tangente do número de votos necessários para o efeito, já que, claro, no caso da Alemanha isso não interessa nada.

Claro, muita gente acha que isto não interessa nem em Rabo de Peixe. Vivem cá dentro, ponto final, nada a dizer. Já alguns dos que sabem que isto é importante tentam disfarçar: é que não cola nada com a sua (deles) tese peregrina de que Portugal tem uma péssima imagem internacional. Também se pode fazer como o Presidente Cavaco: «Para o Presidente da República, "esta eleição reflete o reconhecimento por parte da comunidade internacional do firme compromisso do nosso país com os valores e objetivos das Nações Unidas"». Será que ao Canadá faltava esse "firme compromisso"? A alguns parece sempre difícil de engolir que Portugal tenha êxitos. Por isso arranjam sempre explicações que excluem o nosso mérito activo. E depois ainda dizem que a crise é (só) económica.

eu, tal como o Jesus Cristo de Fernando Pessoa, ...


... não percebo nada de finanças.
Por isso me permito perguntar: se o Estado português tem de pagar juros de mais de 6% nos mercados para se financiar, não poderia pedir emprestado aos portugueses e pagar-lhes, digamos, 5% de juro? Era mais do que os bancos dão aos clientes e menos do que o Estado tem de pagar aos bancos. Bom para (quase) todos, não era?
Vá, expliquem-me lá onde está o rabo de fora do gato escondido nesta pequena adivinha - e, do mesmo passo, explicarão aos inocentes o que é o mundo de hoje (lá fora e cá dentro, também.)

10.10.10

ainda a liberdade de expressão no PS

12:50

A dar uma volta pelos jornais em linha constato que, nas eleições para as mais importantes estruturas intermédias do Partido Socialista, as "distritais", houve "surpresas", que resultaram de disputas (mais do que uma candidatura para a mesma distrital), tendo sido "renovadas" sete federações, em alguns carros correspondendo a mudanças de "sensibilidade". Tenho visto, nos últimos tempos, na blogosfera e nas chamadas redes sociais, muitos militantes do PS a discutir as suas preferências na praça pública. Algumas das eleições foram decididas por uma unha negra, não com maiorias tipo Coreia do Norte.
Nada disto é extraordinário, tudo isto é normal. Tudo isto acontece também em outros partidos portugueses - mas não em todos! Mesmo assim, há comentadores que dizem que há falta de liberdade de expressão no Partido Socialista. Pode haver, até pode: se houver quem se cale para melhor gerir a sua carreira. Mas disso não sei nada. E quem se cala pela carreira não me merece nenhuma simpatia - embora, pelos vistos, sejam esses quem merece a simpatia dos que andam muito preocupados com a liberdade de expressão no PS (por vezes os mesmos que, ao mesmo tempo, não vêem nenhuma problema de liberdade de expressão, digamos, no PCP).

8.10.10

estou farto de filósofos tunhas

conta-me como vai ser de qualquer maneira

17:12

Teixeira dos Santos diz que PSD deve clarificar já posição sobre OE.

Parece que tanto Manuela Ferreira Leite como Teixeira dos Santos acham que o PSD deve dizer desde já qual será o seu sentido de voto quanto ao Orçamento de Estado para 2011. Teixeira dos Santos parece querer atalhar caminho aos mercados: como a incerteza política custa dinheiro, desvanecer já essa incerteza faria baixar a pressão. Até compreendo a ideia - mas o que isto tem de perverso percebe-se atendendo ao que parece ser o argumento da ex-líder do PSD. MFL prefere que o PSD apareça como votando por patriotismo, independentemente do conteúdo do documento - precisamente para não ser co-responsabilizado por esse conteúdo. Desculparão, mas isto parece o velho PCP: já sabemos que votará contra, mesmo que não se saiba contra o quê. O voto contra ou a favor disto ou daquilo, antes de se conhecer o conteúdo disto ou daquilo, parece-me uma enorme palhaçada com as instituições.
Se é melhor abster-se do que votar contra, pelo conteúdo e pelas circunstâncias, faça-se e explique-se. Se é preferível votar contra e arcar com as consequências, faça-se e arque-se com as consequências. Se há que negociar, trate-se de negociar. Se há inegociáveis, diga-se o que é inegociável. Se há margem de negociação, avise-se logo que possível. De preferência fora dos telejornais.
Agora isto que se está a passar é o ridículo como regra da política nacional. É, contudo, apenas a consequência inevitável da completa irresponsabilidade com que todas as forças políticas - todas - têm lidado com a situação. Desde o PS, que formou um governo minoritário após propor acordos vagos a todos os partidos, como se lhe fosse indiferente ir para o governo com o CDS ou PCP, lançando os dados deste pântano em que vivemos; até ao PSD, que diz cada dia uma coisa diferente e às vezes duas coisas contrárias na mesma ocasião, alimentando aquela incerteza que Teixeira dos Santos quer evitar por meios pouco próprios de uma democracia normal; passando pela esquerda da esquerda parlamentar que, fiel ao seu ódio de estimação ao PS, não tem um rasgo para fazer ao país uma proposta que obrigue o governo a escolher uma saída possível de esquerda (sem sair da UE e sem rasgar os compromissos) e uma saída possível de direita, em que o PS faz, e paga a fava de fazer, o que o PSD faria mais ou menos da mesma maneira, ou pior, com mais austeridade.
Nada disto é novo. Já aqui o escrevi várias vezes. Mas agora estamos de frente para as consequências desta enorme embrulhada de que todos os partidos com assento parlamentar são responsáveis. Porque se esquecem do que vale verdadeiramente a política, quando ela é levada a sério. Entretanto, Cavaco diz banalidades (generalidades nesta altura do campeonato são banalidades) e continua a fazer campanha eleitoral por esse país fora, pago pelo erário público, sem vergonha nenhuma. Dos outros candidatos presidenciais nem falo.

vejo, sobre Monsanto, relâmpagos


A tempestade não é só política.

(Pena que hoje não trouxe a pequena máquina fotográfica comigo. Daqui vê-se bem.)

Não, não são os deuses. Eficazes assim só os pequenos deuses caseiros.

(Alguém me indica um vídeo do Manuel Freire a cantar "aquilo" do Sidónio Muralha?)

7.10.10

o pobre debate

14:40

Críticas às medidas de austeridade. Assis só não fala de Seguro para não “abrir um conflito”. Francisco Assis garante que "no essencial" o PS está unido.

O estado do debate nacional é conhecido: há uma absoluta incapacidade de "conversar" sem "desconversar". Todas as divergências são sempre tomadas como definitivas. Foge-se ao compromisso como o diabo da cruz - e faz-se gala dessa tara. Rasgar é que é bom, desde os tempos da outra senhora. Para desgraça nossa, isso não se passa apenas entre partidos, mas também dentro dos partidos. Continuam a prevalecer os que pensam que o país deve ser governado por exércitos de silêncios, que não sabem como debater na praça pública sem arremessos nem populismos. Seguro faz umas sugestões que douram o seu brazão a pensar em batalhas futuras, mas não coloca sumo nenhum na conversa, como se as suas responsabilidades institucionais não lhe pedissem mais. Assis não fala de Seguro, parece que por temer dizer ao país cobras e lagartos do seu camarada de bancada. E acha que no essencial o PS está unido. Concordo - mas depende do que é o essencial. Uma coisa eu sei: assim, o que é essencial para o PS pode deixar de ser essencial para o eleitorado. E, em democracia, o eleitorado espera mas nunca falha. Mais cedo ou mais tarde.

com uma saudação aos que olham ao longe e não procuram Sebastião. mesmo que procurem coisas diferentes das que eu anseio

10:19

Pedro Lains, no seu sítio de Economia e História Económica:
«Aquilo que se está a passar não dá razão a MFL e seguidores. Pode ser visto de outra maneira: há pressão nos mercados sobre os países da periferia e não há capacidade europeia - do euro, sobretudo - para responder. Por isso, a resposta tem de ser dos fracos governos nacionais dos países periféricos, como Portugal. Perante a situação do mercado, não havia outra coisa a fazer. Ponto. Mas, perante outras circunstâncias - que espero que venham aí - a política seria outra.»
Ler na íntegra.


quando há órgãos de soberania que se organizam em sindicatos há coisas que não nos deviam espantar (*)


«António Martins, presidente do sindicato dos juízes, é hoje entrevistado pelo Diário Económico. No fundo, para dizer que os juízes recorrerão a todos meios ao seu dispor para procurar impedir a redução dos seus vencimentos. Já o fizeram no passado, quando o fisco quis tributar em IRS o subsídio de habitação atribuído aos juízes (e também aos magistrados do Ministério Público), tendo-lhes sido dada razão… pelos tribunais.»
Continuar a ler aqui, porque vale mesmo a pena.

(*) Modificação posterior para atender a uma crítica justa: quando há titulares de órgãos de soberania que se organizam em sindicatos há coisas que não nos deviam espantar. E se houvesse sindicatos de deputados? sindicatos de membros e ex-membros do governo? ...

Obsceno és tu, pá

6.10.10

aulas de francês (1 de 1000)


O recuo constante que afecta o conhecimento da língua francesa entre nós tem efeitos perniciosos na cultura política nacional, reduzindo as fontes de influência libertária a que se expõe a juventude dos 7 aos 77 (acho que isto era para o Tintin, mas enfim). Para tentar atalhar a brecha dessa perda linguística, começamos aqui uma série de exercícios práticos de língua francesa. Comecem, nesta primeira lição, por explorar toda a amplitude da sinonímia proposta com tanta exuberância.

(O vídeo veio aqui parar graças a uma intervenção da Shyz Nogud no FB. Agradecido.)


contingências


O blogue "O Germe", há algum tempo atrás, sugeriu o vídeo que vai abaixo desta prosa como forma de fazer pensar em realidades que têm a ver com entrevistas de emprego. E com algum folclore supostamente preparatório para as mesmas.
Assustador, mesmo, é que a realidade e a ficção, também neste campo, nem sempre se distinguem facilmente. Já está muito dito, mas continua a ser relevante, que uma das características de certos totalitarismos do século XX que mais desumanizavam as suas vítimas era a contingência, o acaso, o aleatório - da forma como a sorte pessoal podia ser traçada. Uma coisa é conhecer as regras e saber que, quando a consciência nos dita a desobediência, ela acarreta opressão e talvez morte. Outra coisa, muito pior, é não saber de todo como se pode uma pessoa proteger do mal. Mesmo que se queira obedecer, ou mesmo aderir, mesmo rastejar - tudo pode ser inútil. Basta calhar no sítio errado na hora errada. Isso é estar sempre à mercê.
É sempre à mercê que estão muitos potenciais "clientes" de entrevistas de emprego, hoje como ontem. Como quase sempre entre nós. Mais quando o desemprego fornece uma almofada (ainda) suplementar a quem pode, quer e manda. E isso não contribui nada para resolver as crises do país. Embora sirva para as campanhas políticas dos que acarinham a precariedade (dos outros).


um estilo Seguro

17:46

António José Seguro: portugueses “estão fartos de fazerem sacrifícios sem ver resultados". Para o presidente da comissão de assuntos económicos na Assembleia da República é “inaceitável que quando se pedem sacrifícios aos portugueses, não sejam todos, em particular aqueles que mais têm, a darem esse exemplo e a fazerem mais sacrifícios”.

Na verdade, não me parece que estas palavras sejam justas se pretendem traduzir uma apreciação global dos governos de José Sócrates. De qualquer modo, quanto a aspectos importantes dos "pacotes anti-crise", temo que Seguro tenha razão. Só espero (enquanto não desespero) que Seguro faça, dentro do seu partido e do seu grupo parlamentar, o que se exige a quem tem as suas responsabilidades: que apresente as propostas concretas que traduzam adequadamente as suas palavras. Sim, porque isto não vai lá com ideias gerais. Para "ideias gerais" já nos tem bastado Passos Coelho. Vá lá, camarada Seguro, não se abre a boca, numa altura destas, só para mandar umas bocas. Ser concreto, claro, rigoroso - será um contributo inestimável para o debate necessário. Menos do que isso (vagas sugestões), seria pura irresponsabilidade ou oportunismo, coisa que não posso acreditar que seja o estilo Seguro.

o regresso do véu

in Politiques, 66 (setembro-outubo 2010)

5.10.10

está ali hasteada uma bandeira monárquica


Até está hasteada em casa de um amigo, mais abaixo na minha rua.

No tempo da monarquia podiam hastear-se bandeiras republicanas nas casas republicanas, assim tranquilamente?

carta a quantos anseiam por milagres

mensagem aos que detestam (e bem) a confusão entre actividades partidárias e actividades das instituições comuns


Critica-se muito (e é de criticar) o facto de, em algumas circunstâncias, se promover a confusão entre actividades partidárias e actividades das instituições da república. Essa prática nem sempre é assumida pelos respectivos agentes com toda a clareza. É frequente atirarem-nos areia para os olhos: por exemplo, um responsável público quer ir a determinada realização do seu partido, mas sem pagar os custos de ir a determinada localidade e com os convenientes serviços do aparato público a que tem direito quando está em funções - mas a que não tem direito quando está actividade partidária. Então, como faz? "Arranja" um evento enquadrável na sua função oficial, no mesmo sítio, na mesma data, a horas convenientes. E depois é só colocar a máquina em marcha. Claro que isto só engana quem quer ser enganado, razão pela qual já há algum cuidado em não abusar do expediente.

Persistem, contudo, os que se acham dispensados de tais cuidados.

Não apenas na nossa república portuguesa, mas também na "república" europeia.

O Partido Popular Europeu, o partido da direita europeia a que pertencem tanto o PSD como o CDS, vai realizar na Madeira umas "jornadas de estudo" entre 13 e 15 de Outubro próximo. (Não sei se escolheram a Madeira para fiscalizar in loco os atropelos à democracia que pratica a tribo por lá governante... Deve, aliás, ser para interrogar Alberto João que o convidaram para a sessão de abertura. Já à espera do espectáculo que ele proporcionará na ocasião, está já previsto que lhe seja entregue a Medalha Schuman.)
Nessa iniciativa estritamente partidária vão participar vários membros da Comissão Europeia. O seu presidente, Durão Barroso. Kristalina Georgieva, comissária para a ajuda humanitária. Janusz Lewandowski,comissário para o orçamento.
Está tudo em linha, no programa das tais jornadas.

Vou ficar atento. Vou querer saber quais as actividades oficiais que estes comissários (incluindo o Presidente José Manuel) realizarão na Madeira nos mesmos dias desta iniciativa partidária (já que esse é o truque habitual para esconder o gato e o respectivo rabo). E vou querer saber se a instituição Comissão Europeia, que não é - ainda - um departamento do PPE, foi chamada a custear ou de algum modo apoiar estas excursões à terra de Alberto João, um ditador insular muito apreciado por Jaime Gama, por Durão Barroso e Pedro Passos Coelho (que também vai à festa).

aqueles cujo programa é desfazer


O jornal Público encontra a sua maneira de comemorar a República. Faz a pergunta «E se a República acabasse hoje?» - assim como se a pergunta pudesse ser uma esperança. Mas, esperança de quê? Pelas respostas que lhes deram, quer dos que são contra quer dos que são a favor, vê-se bem que esperança é essa. A esperança de voltar atrás. Voltar 100 anos atrás. Voltar à monarquia. A imaginação criadora, a imaginação desejante sobre a coisa pública destes propagandistas, só imagina a restauração. Restaurar o passado. Gente cuja capacidade de projectar o futuro é feita no papel químico das imagens do passado. Anda por aí um sentimento de reacção, o reaccionarismo inorgânico, tintado mesmo de uma certa raiva, quando não ódio, cujo único programam é desfazer.

lamento a minha falta de entusiasmo genuíno (ou: mais um post destinado a irritar tanto estes como aqueles)

10:33

Eu sou republicano, neste sentido estrito: em princípio,e por princípios, prefiro a república à monarquia como regime. Contudo, nenhum tipo de regime é puro. Há monarquias "quase republicanas" e há repúblicas que mais parecem oligarquias. Na medida em que as funções simbólicas importam sempre numa sociedade humana, o peso simbólico de uma "família real" pode ser suportável como modalidade de organizar o simbolismo do Estado, da mesma maneira que uma República pode dar tratos de polé às suas dimensões simbólicas (por exemplo medalhando toda a classe de tontos inúteis). E, além disso, a organização concreta de um regime num dado momento histórico pode ser muito mais importante do que a sua filiação na modalidade republicana ou na modalidade monárquica. Se eu fosse espanhol tenderia a deixar para enésima-primeira oportunidade a minha preferência republicana. Sendo português, tendo a achar falta de sentido das prioridades ser militante monárquico em Portugal. (Mesmo que os pretendentes ao trono não fossem como são...) Mas, enfim, cada um é que sabe das suas prioridades.

100 anos depois, 100 anos antes


Na medida em que as comemorações tendem a ser momentos de exaltação, tendem a ser também fotografias a preto e branco. Também assim tem sido nestas comemorações dos 100 anos da República em Portugal. Claro que há sempre uns escribas de serviço que vão abaixo de qualquer decência na tentativa de se pendurarem em conversa "histórica" apenas para darem milho aos seus ódios de capoeira. Felizmente há quem procure, de qualquer dos lados das múltiplas barricadas, contribuir para equilibrar a visão das coisas, mesmo sem deixar de defender a sua dama: República contribuiu para o desenvolvimento da Igreja, diz bispo do Porto. O que mais falta, ainda, cem anos depois, é um método aceite para tratarmos das nossas dificuldades colectivas sem traulitada. Mas hoje não é dia de perder a esperança.

lá fora ideias esperam o seu tempo

Apenas queremos que não sejam ideias apenas exequíveis em Banda Desenhada (mesmo contado o nosso amor pela BD).


("L'ouragane" e "L'orage", esculturas de Germaine Richier, expostas no exterior do topo do Centro Pompidou. Paris, Fevereiro de 2007. Foto de Porfírio Silva.)

4.10.10

bem prega frei tomás


Convém saber que nem todos os que pregam a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa têm ideias lineares sobre a forma de passar essas pregações à prática. É útil saber que alguns, ao mesmo tempo que reivindicam para si a iluminação dos justos, o gládio dos imperadores e o arbítrio dos deuses na determinação do interesse comum (como se o "A Bem da Nação" fosse carimbo que guardam lá em casa), desprezam toda a palavra que não corrobore a sua cartilha ou mostre à luz do sol o luzidio das suas carecas descobertas. Trata-se, note-se, de gente perigosa, por serem exemplares da raça dos que invocam a democracia para melhor a sabotar - usando-a como álibi dos seus truques de algibeira. Já se sabe o lixo que por aí vai nos jornais, lixo que há muito ultrapassou, descendo, as célebres terceiras páginas daqueles tablóides ingleses que se ilustravam desmesuradamente com exemplares bovinos de ocasião. O que nem todos sabem é que Fausto se requinta sempre e sempre e sempre. Até chegar a isto que aqui se relata e que é um nojo: promiscuidade e perversão, for the record: a resposta de josé augusto rocha a josé antónio cerejo e a josé manuel fernandes, pela pena de Fernanda Câncio, no jugular. Serviço público.

com asas



José Manuel Fernandes publica hoje no seu Público um artigo de página inteira. Basicamente, faz uma série de críticas à I República, muitas delas com elementos de justeza, para... para discutir história, na véspera do Centenário? Não, nem por sombras. Apenas para canalizar o leitor para uma secção final de puro ódio a José Sócrates, com "comparações" simplesmente ridículas. O sr. Fernandes, a cavalo numa tradição política que ele conhece bem desde a juventude, usa a "historiografia" para dar um ar intelectual aos seus ódios políticos. Manipula um arremedo de "historiografia" por pura propaganda.
As "asas" são as páginas do seu Público.

os justiceiros


Post roubado.

Comentário do Câmara Corporativa, acerca da notícia acima publicada no Sol: Para o assistente Cerejo, todos os meios são legítimos, mesmo os que o não são, quando se trata de "julgar" outras pessoas. Ele só não admite que o julguem a ele. Alguém quer constituir-se assistente neste processo?
Acho que o pessoal do Câmara Corporativa ainda não percebeu que os linchadores entendem - e bem - que a prossecução da sua actividade pressupõe que eles (linchadores) nunca sejam objecto dos seus próprios métodos.

orçamentos


O PSD parece que promete um orçamento alternativo. O BE parece que promete um orçamento alternativo. Devo, com toda a sinceridade, saudar. Não quero, nem por um momento, suspeitar de que se tratará de umas folhas A4 com meia dúzia de ideias genéricas. Espero que sejam verdadeiros orçamentos alternativos, que permitam saber, preto no branco, o que fariam dois partidos que ambicionam governar. Isso deve estimular o governo a explicar-se bem, em vez de se acomodar à ideia tola de que bastou exibir o músculo (ou a coragem, como se diz mais simpaticamente) para ganhar o reconhecimento da História (que está sempre muito desfasada do presente). O facto permitirá, além disso, vislumbrar uma saída para a crise política: talvez os "orçamentos" do camarada Louçã e do companheiro Passos mostrem a viabilidade de transformar uma coligação negativa numa coligação de governo.

soluções para a crise


Investimento sustentável. Mesmo sem contar com a poupança nos antidepressivos. E já a pensar nos mamões que querem aumentar o salário mínimo, viver à grande à conta das empresas, que são obviamente grandes clientes destes investimentos... Ou não?
(Não deixem de ler os comentários ao post acima linkado: é teoria política da melhor. Bom, não sei se é teoria política... nem sei se é da melhor... mas, teoria, teoria, pelo menos isso é...)

2.10.10

submarino ao fundo

12:26

O caso dos submarinos é exemplar a vários títulos.
Paulo Portas faz malabarismos retóricos para tentar iludir a sua responsabilidade central na encomenda dos dois exemplares que vieram complicar a vida orçamental do Estado no corrente exercício. Em substância, o que Portas fez foi tentar mentir sobre a sua responsabilidade na compra dos submarinos. Que a imprensa tenha achado graça a isso, em vez de o denunciar, é outro factor a fazer deste caso um exemplo do mal que nos assola.
Por outro lado, a compra dos submarinos é apenas mais um episódio de algo que muitos parecem não querer ver: uma certa atenção ao que o Estado gasta parece ser coisa relativamente recente na cultura política nacional. É isso que faz com que Cavaco Silva, um dos principais, se não mesmo o principal responsável pela engorda da Administração pública, fale hoje como se não tivesse nada a ver com isso. Contudo, foi esse o isco, talvez decisivo, para uma das suas vitórias absolutas. Mas a falta de memória é outro traço da coisa pública que temos.
Outro factor que vem ao de cima com o caso dos submarinos é a salgalhada política que a esquerda da esquerda aproveita para fazer com assuntos de Estado: os cartazes do BE ("nem mais um cêntimo para guerras") simbolizam aproveitar a maré para atacar de forma primária a defesa nacional: uma noção civilizada de defesa nacional, que inclui a cooperação de cada país com acções que interessam à segurança internacional para lá das nossas fronteiras.
Há, como mostra o caso dos submarinos, um clima de vale tudo na política nacional, que corre o risco de nos atirar para o fundo enquanto cantamos e rimos. Exemplo desse clima Titanic é o entendimento perfeito, para efeitos de retórica imediata, entre os que são contra o "pacote de austeridade" por acharem que alguém devia pagar aos portugueses por darmos ao mundo a satisfação de existirmos - e os que são contra por acharem que devia ter vindo mais cedo. Que ambas as "escolas" consigam dar as mãos, politicamente, para fazerem o mesmo discurso nesta situação, retrata bem o estado da nação. É a aplicação viva - e inesperada - da tese de que acabaram as diferenças entre esquerda e direita. Pelo menos entre a direita portuguesa e a esquerda da esquerda à portuguesa.

salário mínimo

12:07

Depois da Ministra Helena André ter vindo dizer que o salário mínimo nacional iria aumentar em 2011 conforme o que está acordado há uns anos entre parceiros sociais, o Ministro Teixeira dos Santos vem dizer que não, que não lhe parece que possa haver aumentos no privado quando há cortes no público. Acho mal. O próprio governo quer passar a ideia de que trata situações diferentes de forma diferente. Exemplo: no sector público só serão cortados os vencimentos acima de 1500 euros. Ora, a situação dos que ganham o salário mínimo é tipicamente diferente: experimentem viver com menos de 500 euros, ou com 500 euros, e experienciarão o que isso quer dizer. A mensagem "quando comem, comem todos" é uma mensagem desajustada do próprio discurso geral do governo. E, a usar-se, deveria ser virada preferencialmente para os lucros dos que ganham muito e pagam pouco, não para os que ganham ainda hoje menos de 500 euros por um mês de trabalho em jornada completa.

o carrão vergonhoso e a notícia que é um tratado. ou, então, miudezas


Governo compra Mercedes de 141 mil euros.

O Público noticia que a presidência do conselho de ministros comprou um Mercedes caro. A mensagem é óbvia: austeridade para o povo, forrobodó para os altos cargos. Se a mensagem não fosse essa, a coisa não seria notícia. A menos que o Público entenda que o Estado português deva mandar as personalidades estrangeiras em visita deslocarem-se de eléctrico, táxi, um "dois cavalos" talvez. (É preciso saber para que servem aqueles carros, claro.) À jornalista Maria Lopes, e à direcção do Público, parece-lhes que a coisa pode passar por notícia graças à concepção de Estado que está ao seu alcance: Portugal só se comportaria bem se se comportasse como uma loja de esquina, uma tribo qualquer perdida entre a Europa e a América. Os chefes de Estado e outros altos responsáveis que nos visitem devem ser levados a almoçar sandes de couratos na Baixa, devem dormir no parque de campismo da Praia Grande - e devem andar só por SCUT que continuem sem portagens. É por querer alimentar concepções destas - basta ver os comentários que essas notícias despertam - que os autores destes textos são sabotadores da vida em comum. São incendiários da polis: e custa a crer que o façam sem se aperceberem de que é isso que fazem. É por isso que Maria Lopes coloca "as obrigações protocolares" entre aspas: se calhar por achar que "as obrigações protocolares" só podem ser uma desculpa esfarrapada para gastar dinheiro mal gasto em grandes carrões. A falta de senso, a falta de noção do que são as realidades deste mundo, a vontade de fazer jornalismo de sarjeta que explora a ignorância das pessoas, o desejo cego de dizer mal - juntam-se para criar estes pequenos montros de letras a insultar a inteligência dos seus leitores. Definitivamente, esta imprensa despreza os seus leitores.

1.10.10

da economia como uma das ciências do artificial


Porfírio Silva, "O elo perdido das ciências do artificial (ou Da economia como uma das ciências do artificial)", in Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto - Filosofia, II Série, Volume XXV/XXVI, pp. 149-162 (2010)

Pode ser lido no Issuu, aqui; ou no Scribd, aqui.