30.10.10

as responsabilidades do humor


É politicamente incorrecto questionar o humor. Não devemos, contudo, deixar-nos levar por esse clima.
Alguns humoristas assumem que o bobo nunca foi inocente e que, mesmo na corte mais liberal, arriscava-se a apanhar um pontapé por inconveniência. Mas isso sublinhava que tinha significado. Outros acham-se a coberto de qualquer crítica e vêem a sua actividade como um recurso inquestionável. Basta ver aquela "troupe" de agitação que numa das últimas campanhas eleitorais se achou, escudada no "humor", no direito de interferir directamente com actividades dos partidos. Já a mim parece-me que o humor tem de assumir as suas próprias responsabilidades, reconhecer que faz passar opinião - e aceitar que também estará por isso sujeito a crítica.
Vem isto a propósito do cartoon do famoso Plantu no Le Monde de ontem (imagem). Trata-se de um comentário à condenação à morte de Tarek Aziz, antigo ministro de Saddam Hussein. O homem é posto a dizer: "Oh, como estou comovido! Isto faz-me lembrar imenso a época de Saddam!". Ora, parece-me que isto não passa de uma apresentação "humorística" de um velho argumento dos pró-pena de morte: quem com ferros mata, com ferros morre. O "pequeno" problema deste "argumento" é que ele coloca os defensores da pena de morte no mesmo plano moral dos que eles acham bons objectos de condenação. No caso concreto, Plantu apresenta com "humor" a ideia de que não há nada de espantoso na condenação à morte de um ministro de um regime que condenava à morte. Para mim, não há "humor" que resgate o que há de profundamente errado, do ponto de vista moral, nesta posição. O olho por olho, dente por dente não se torna mais aceitável por ser desenhado nem por tentar passar como uma piada. É uma ideia própria da barbárie. E o "humor" não torna isso menos chocante, visto na primeira página de um jornal com as tradições do Le Monde.