29.1.08

O ódio à ASAE tem explicação

É o ódio a um Estado que funciona.

Na noite passada investi umas horas a ver na televisão a transmissão em diferido da audição do Inspector-Geral da ASAE no Parlamento nacional. E percebi umas poucas coisas (além de ter percebido que os jornais, mesmo os "de referência", esconderam o melhor que puderam grande parte do que o homem disse).

Primeiro: a ASAE, contrariamente a muitos organismos do Estado, resulta de uma racionalização profunda de meios e métodos, dando como resultado um enorme acréscimo de eficácia e eficiência. Isso desagrada a todos aqueles cuja estratégia de fundo, assumida ou não, mas assente numa ideologia identificável, passa pelo enfraquecimento do Estado. (Será daí que vem o facto de o Presidente da República se permitir fazer graçolas sobre um organismo público que se encontra sob escrutínio dos órgãos de soberania e sob ataque dos que defendem que as leis são para cumprir quando calha, mesmo que esse organismo tenha, entre outras, pesadas responsabilidades de polícia criminal, como é o caso da ASAE?)

Segundo: a ASAE, levando a sério a missão pública que lhe foi confiada, faz cumprir a lei que existe e não o espantalho de lei que resulta de aprovar os regulamentos e depois esquecer que eles existem. E aponta, provavelmente, para trabalho de casa por fazer em torno de certos "pormenores" que exigem melhor legislação - em vez de esperar que a inércia do "deixar andar" resolva os nossos problemas.

Terceiro: a ASAE desnuda a habitual hipocrisia nacional, nomeadamente daqueles (por exemplo, associações empresariais) que concertaram com a ASAE os seus instrumentos de operação (por exemplo, catálogo de items a inspeccionar) e depois os vêm criticar - mas também daqueles que aprovaram as leis mas, à primeira borrasca, criticam a sua aplicação.

Quarto: a ASAE é mais uma vítima do mais antigo método de política de sarjeta: o boato sem fundamento - como se viu pela quantidade de "casos" que ali se mostrou serem pura imaginação.

Afinal de contas, a coincidência do PCP e do CDS na mesma causa política tinha de ter uma boa explicação: a "boa alma nacional portuguesa", o nacional-porreirismo e a balda como sistema, continuam a ser a "ideologia espontânea" da maioria das famílias políticas deste jardim à beira-mar plantado. Com a benção do "mais alto magistrado da Nação", medrosamente escondido em graçolas, incapaz de dizer com clareza se sim (está de acordo que os organismos públicos cumpram a respectiva missão) ou sopas (acha que as missões podem sempre esperar para mais tarde, porque um país com uma porrada de séculos bem pode esperar mais alguns até se tornar num território de primado do direito).

Claro, nada disto tem o que quer que seja a ver com aqueles para quem a mera existência do "direito" é um atentado à liberdade. Aqueles para quem liberdade é cada um fazer o que lhe dá na gana.