Este Governo chega hoje à consequência lógica do modo como
começou esta legislatura. É isso que resulta do debate da moção de confiança
que Luís Montenegro apresentou para escapar ao escrutínio, ameaçando levar o
país para mais uma crise política, num contexto nacional e internacional de
enorme incerteza, sobrepondo a tática pessoal ao interesse do país.
A técnica da encenação que a AD escolheu como política para
esta legislatura ficou bem exposta pelo primeiro-ministro logo no início do
debate. Luís Montenegro avança com uma mistificação, dizendo que na Alemanha os
socialistas (SPD) se juntam à direita (CDU) para barrar a extrema-direita e que
em Portugal vão confluir com ela. A verdade é que na Alemanha prepara-se uma
coligação, com a CDU e o SPD parceiros e com responsabilidades partilhadas na
governação: negociaram o programa de governo, vão assumir responsabilidades em
conjunto, vão prescindir de alguns pontos do seu ideário para convergir numa
plataforma possível. E, sim, desse modo impedem o acesso da extrema-direita ao
governo.
Não é nada disso que temos em Portugal. Por cá, este PSD
nunca procurou qualquer entendimento sério com o PS. Por cá, este PSD raramente
foi capaz, sequer, de um respeito democrático básico pelo PS. Luís Montenegro
procurou apenas navegar no nevoeiro da incerteza que a extrema-direita introduz
no sistema. Luís Montenegro levou o PSD a aproveitar para, depois, desprezar,
tudo o que o PS lhe deu, à conta do respeito dos socialistas pelas instituições
democráticas: deixar passar o programa de governo, viabilizar o Orçamento, reprovar
duas moções de censura – e retribuíram com a sistemática procura de menorizar o
PS.
A própria moção de confiança, que Luís Montenegro apresentou
apenas como cortina para a sua falta de esclarecimento, é textualmente um
ataque ao PS e à oposição em geral. E, mesmo assim, não se envergonha de exigir
ao PS que vote a favor do que o Governo escreve contra o PS.
Chegamos aqui com a mesma atitude que o primeiro-ministro teve
durante toda a legislatura. Luís Montenegro começou sem atender ao escasso
apoio de que dispõe no Parlamento, começou substituindo o diálogo necessário
pela arrogância, começou tentando enganar o país dizendo serem suas medidas
tomadas pelo anterior governo, começou desmentindo pela prática as promessas
eleitorais de que problemas importantes e complexos se resolveriam rápida e
facilmente. E acabou pondo a defesa da sua circunstância pessoal acima do país,
acima da estabilidade política, acima do seu próprio partido – tudo varrido
pela submissão à circunstância pessoal.
O governo de Luís Montenegro chegou ao dia de hoje como
começou: repetem, no debate da moção de confiança, que o país cresce mais do
que a média europeia – mas esquecem-se de dizer que foi esse o legado que o PS
lhes deixou; repetem que subiu o rating da República, graças ao bom desempenho
das finanças públicas – mas esquecem-se de dizer que foi esse o legado que
receberam dos socialistas; tentam interromper o debate da moção de confiança
para substituir um debate parlamentar público por uma conversa privada à porta
fechada. O país não merece isto. Os portugueses não merecem isto.
O PS não quis e não quer a crise política. Só que não é da
natureza do PS temer eleições. Nunca o PS trocará os valores e os princípios
por uma conveniência de calendário eleitoral. O PS nunca teme eleições, porque
é o soberano que, em última instância, tem de decidir. E, hoje como sempre, o
PS confia na palavra do soberano.
