15 de fevereiro
A imprensa noticia a existência de uma empresa
da família de Luís Montenegro que trata da compra e venda de imóveis: a
Spinumviva. Sendo o primeiro-ministro casado em comunhão de adquiridos com uma
sócia, a empresa continuaria na prática a ser sua e é lançada a suspeita sobre
o conflito de interesses resultante da alteração em curso da lei dos solos (causa
de demissão recente de um governante). O caso nasce por investigação da
comunicação social, sem interferência de qualquer partido da oposição.
21 de fevereiro
Debate da moção de censura do censurável CH.
Luís Montenegro defende-se das suspeitas que ligavam a empresa à questão da lei
dos solos, excedendo-se em informações inúteis que favoreciam essa falsa pista
e tentando evitar futuros esclarecimentos: “A partir de hoje, só respondo a
quem for tão transparente como eu.” O PS ajuda a chumbar a moção de censura.
27 de fevereiro
Um semanário noticia que o
primeiro-ministro recebe uma avença mensal de 4.500 euros de uma empresa que
tem interesses que dependem de decisão governamental. Luís Montenegro, que tinha
já revelado que pediria escusa quando interesses dessa empresa estivessem em
jogo, confessa apreensão e anuncia um Conselho de Ministros extraordinário para
o dia seguinte. A Spinumviva revela uma lista (parcial?) dos seus clientes.
1 de março
Luís Montenegro faz uma declaração ao país, sem
direito a perguntas dos jornalistas, onde recusa qualquer conflito de
interesses; anuncia decisões de uma empresa que pretendia não ser sua: passará
a ser detida apenas pelos filhos e deixará de ter sede na sua residência. Anuncia
que não dará mais esclarecimentos. Apresenta a hipótese de vir a apresentar uma
moção de confiança. O PCP anuncia uma moção de censura e o PS, pela voz de
Pedro Nuno Santos, informa o país de que não contribuirá para a sua
viabilização e, volta a avisar com antecipação, votará contra uma moção de
confiança. Posteriormente, o Ministro Miranda Sarmento declarará que duas
moções de censura rejeitadas dispensam a moção de confiança…
3 de março
Tendo Luís Montenegro afirmado
indisponibilidade para mais esclarecimentos, o PS não se conforma a essa recusa:
anuncia uma Comissão Parlamentar de Inquérito. Sendo potestativa, o PS pode configurar
a CPI em termos civilizados (por exemplo, fez logo saber que não chamaria os
familiares do primeiro-ministro).
5 de março
A moção de censura do PCP é debatida e, com a
abstenção do PS, reprovada no Parlamento. O primeiro-ministro aproveita para voltar
ao tema da moção de confiança, defendendo que eleições antecipadas são “um mal
necessário”. O PS reafirma-se como principal garante da estabilidade nesta
legislatura: evitámos a rejeição do programa de governo, viabilizámos o
Orçamento, fizemos reprovar duas moções de censura. E lembra que há, hoje, mais
razões para repetir o que dissemos desde a noite eleitoral: o PS não aprovará
moções de confiança.
6 de março
O Governo aprova a moção de confiança, que
inclui uma linguagem fortemente agressiva para o PS, acusando-nos de “uma
férrea vontade de aprofundar um clima artificial de desgaste e de suspeição
ininterrupta”, de “atitude destrutiva”, de uma série de dúvidas “sem razão, nem
sentido” – tornando difícil entender como se pode pedir ao PS que aprove uma
verdadeira “moção de censura ao PS”.
7 de março
O Ministro Castro Almeida diz que o Governo
pode retirar a moção de confiança se o PS desistir da CPI: destapa a intenção
de conseguir do PS que desistisse de esclarecer a situação. O Ministro Leitão
Amaro trata de voltar a dissimular a estratégia do Governo, desdizendo o seu
colega.
10 de março
Na véspera do debate da moção de confiança,
Luís Montenegro recusa retirá-la e declara que se recandidatará mesmo que seja
constituído arguido, excecionando-se dos seus critérios anteriores. Algumas
respostas de Luís Montenegro chegam ao Parlamento e confirmam: em todo o
processo, nunca foi sua a iniciativa de dar esclarecimentos; respondeu apenas
quando pressionado, sempre de forma parcial e incompleta. O PS avança com o
requerimento para a constituição da CPI. A Comissão Política Nacional do PS
expressa a união do Partido em torno do rumo traçado: não desejamos uma crise
política, fomos os principais contribuintes para a estabilidade nesta
legislatura, mas não é da natureza do PS temer eleições.
11 de março
No debate da moção de confiança, tendo
anteriormente rejeitado o apelo reiterado do PS para a retirar, o PSD sugere conversas
à porta fechada com o PS para resolver a crise (como se se esclarecesse o país
à porta fechada). Depois, o Governo, que não tem legalmente qualquer poder para
influenciar uma CPI, tenta negociar em direto um arremedo de mini-CPI e impor
condições regimentalmente impossíveis (começou por propor uma CPI de 15 dias!) e,
assim, procura que seja o inquirido a condicionar a inquirição. Evidenciam que
a moção de confiança foi um estratagema para tentar condicionar o inquérito
parlamentar. O Governo nunca responde à pergunta: “se querem mesmo evitar a
crise, porque não retiram a moção de confiança, algo que está inteiramente ao
alcance do Governo?”.
Luís Montenegro, que tem descurado as suas responsabilidades
internacionais num momento de grande incerteza, lança Portugal numa crise
extemporânea ao priorizar a sua circunstância pessoal. Parece querer evitar que
se saiba qual a extensão e gravidade de uma situação em que, aparentemente, um
primeiro-ministro em funções recebe, numa empresa do seu âmbito familiar, meses
atrás de meses, pagamentos de empresas privadas com interesses que se cruzam
com as suas responsabilidades governativas. O primeiro-ministro não entende que
essa sombra tem de ser dissipada para poder continuar no cargo.
Na noite do derrube do Governo, o Financial Times dá a
notícia com este título: “Portugal enfrenta novas eleições após a queda do
governo devido a um escândalo de ética”.
A isto chegámos. O padrão anteriormente estabelecido era o de um
primeiro-ministro que se demitia pela simples razão de ser citado num
comunicado da PGR como sendo suspeito de algo que nunca chegou a ser
consubstanciado.
Seguem-se, certamente, novas eleições legislativas
antecipadas. Onde o PS tem a tarefa de fazer prevalecer a ética republicana e,
ao mesmo tempo, contribuir para relançar um Portugal de futuro, mais focado em procurar,
de forma sustentável, melhorar a vida dos nossos concidadãos.
