12.3.25

Como Montenegro derrubou o seu Governo (filme da crise).


Creio ser de interesse replicar aqui este texto, que fui buscar ao Acção Socialista, para não perdermos a memória de uma crise política evitável e detestável no momento vivido pelo país e pelo mundo. 

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15 de fevereiro

A imprensa noticia a existência de uma empresa da família de Luís Montenegro que trata da compra e venda de imóveis: a Spinumviva. Sendo o primeiro-ministro casado em comunhão de adquiridos com uma sócia, a empresa continuaria na prática a ser sua e é lançada a suspeita sobre o conflito de interesses resultante da alteração em curso da lei dos solos (causa de demissão recente de um governante). O caso nasce por investigação da comunicação social, sem interferência de qualquer partido da oposição.

 

21 de fevereiro

Debate da moção de censura do censurável CH. Luís Montenegro defende-se das suspeitas que ligavam a empresa à questão da lei dos solos, excedendo-se em informações inúteis que favoreciam essa falsa pista e tentando evitar futuros esclarecimentos: “A partir de hoje, só respondo a quem for tão transparente como eu.” O PS ajuda a chumbar a moção de censura.

 

27 de fevereiro

Um semanário noticia que o primeiro-ministro recebe uma avença mensal de 4.500 euros de uma empresa que tem interesses que dependem de decisão governamental. Luís Montenegro, que tinha já revelado que pediria escusa quando interesses dessa empresa estivessem em jogo, confessa apreensão e anuncia um Conselho de Ministros extraordinário para o dia seguinte. A Spinumviva revela uma lista (parcial?) dos seus clientes.

 

1 de março

Luís Montenegro faz uma declaração ao país, sem direito a perguntas dos jornalistas, onde recusa qualquer conflito de interesses; anuncia decisões de uma empresa que pretendia não ser sua: passará a ser detida apenas pelos filhos e deixará de ter sede na sua residência. Anuncia que não dará mais esclarecimentos. Apresenta a hipótese de vir a apresentar uma moção de confiança. O PCP anuncia uma moção de censura e o PS, pela voz de Pedro Nuno Santos, informa o país de que não contribuirá para a sua viabilização e, volta a avisar com antecipação, votará contra uma moção de confiança. Posteriormente, o Ministro Miranda Sarmento declarará que duas moções de censura rejeitadas dispensam a moção de confiança…

 

3 de março

Tendo Luís Montenegro afirmado indisponibilidade para mais esclarecimentos, o PS não se conforma a essa recusa: anuncia uma Comissão Parlamentar de Inquérito. Sendo potestativa, o PS pode configurar a CPI em termos civilizados (por exemplo, fez logo saber que não chamaria os familiares do primeiro-ministro).

 

5 de março

A moção de censura do PCP é debatida e, com a abstenção do PS, reprovada no Parlamento. O primeiro-ministro aproveita para voltar ao tema da moção de confiança, defendendo que eleições antecipadas são “um mal necessário”. O PS reafirma-se como principal garante da estabilidade nesta legislatura: evitámos a rejeição do programa de governo, viabilizámos o Orçamento, fizemos reprovar duas moções de censura. E lembra que há, hoje, mais razões para repetir o que dissemos desde a noite eleitoral: o PS não aprovará moções de confiança. 

 

6 de março

O Governo aprova a moção de confiança, que inclui uma linguagem fortemente agressiva para o PS, acusando-nos de “uma férrea vontade de aprofundar um clima artificial de desgaste e de suspeição ininterrupta”, de “atitude destrutiva”, de uma série de dúvidas “sem razão, nem sentido” – tornando difícil entender como se pode pedir ao PS que aprove uma verdadeira “moção de censura ao PS”.

 

7 de março

O Ministro Castro Almeida diz que o Governo pode retirar a moção de confiança se o PS desistir da CPI: destapa a intenção de conseguir do PS que desistisse de esclarecer a situação. O Ministro Leitão Amaro trata de voltar a dissimular a estratégia do Governo, desdizendo o seu colega.

 

10 de março

Na véspera do debate da moção de confiança, Luís Montenegro recusa retirá-la e declara que se recandidatará mesmo que seja constituído arguido, excecionando-se dos seus critérios anteriores. Algumas respostas de Luís Montenegro chegam ao Parlamento e confirmam: em todo o processo, nunca foi sua a iniciativa de dar esclarecimentos; respondeu apenas quando pressionado, sempre de forma parcial e incompleta. O PS avança com o requerimento para a constituição da CPI. A Comissão Política Nacional do PS expressa a união do Partido em torno do rumo traçado: não desejamos uma crise política, fomos os principais contribuintes para a estabilidade nesta legislatura, mas não é da natureza do PS temer eleições.

 

11 de março

No debate da moção de confiança, tendo anteriormente rejeitado o apelo reiterado do PS para a retirar, o PSD sugere conversas à porta fechada com o PS para resolver a crise (como se se esclarecesse o país à porta fechada). Depois, o Governo, que não tem legalmente qualquer poder para influenciar uma CPI, tenta negociar em direto um arremedo de mini-CPI e impor condições regimentalmente impossíveis (começou por propor uma CPI de 15 dias!) e, assim, procura que seja o inquirido a condicionar a inquirição. Evidenciam que a moção de confiança foi um estratagema para tentar condicionar o inquérito parlamentar. O Governo nunca responde à pergunta: “se querem mesmo evitar a crise, porque não retiram a moção de confiança, algo que está inteiramente ao alcance do Governo?”.


Luís Montenegro, que tem descurado as suas responsabilidades internacionais num momento de grande incerteza, lança Portugal numa crise extemporânea ao priorizar a sua circunstância pessoal. Parece querer evitar que se saiba qual a extensão e gravidade de uma situação em que, aparentemente, um primeiro-ministro em funções recebe, numa empresa do seu âmbito familiar, meses atrás de meses, pagamentos de empresas privadas com interesses que se cruzam com as suas responsabilidades governativas. O primeiro-ministro não entende que essa sombra tem de ser dissipada para poder continuar no cargo.


Na noite do derrube do Governo, o Financial Times dá a notícia com este título: “Portugal enfrenta novas eleições após a queda do governo devido a um escândalo de ética”.  A isto chegámos. O padrão anteriormente estabelecido era o de um primeiro-ministro que se demitia pela simples razão de ser citado num comunicado da PGR como sendo suspeito de algo que nunca chegou a ser consubstanciado.


Seguem-se, certamente, novas eleições legislativas antecipadas. Onde o PS tem a tarefa de fazer prevalecer a ética republicana e, ao mesmo tempo, contribuir para relançar um Portugal de futuro, mais focado em procurar, de forma sustentável, melhorar a vida dos nossos concidadãos.

  



(Ligação para a publicação original: Como Montenegro derrubou o seu Governo.)

(A ilustração acima foi gerada por Inteligência Artificial, a meu pedido.)

Porfírio Silva, 12 de Março de 2025
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