Deixo aqui, para registo, o meu editorial de ontem (28/02/2025) no
Acção Socialista, que assino na responsabilidade de diretor dessa
publicação.
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A Declaração de Princípios do PS afirma-nos como um partido cosmopolita. Não é linear fixar concretamente o sentido exato desse cosmopolitismo, até porque não creio que ele se confunda com uma adesão acrítica à globalização, que teve benefícios, mas também perdedores.
Acredito que esse cosmopolitismo aponta para a nossa
identificação com um universalismo onde cabem todos os seres humanos, na sua
diversidade, titulares dos mesmos direitos fundamentais. Se do
marxismo-leninismo nasceu uma espécie de “internacionalismo” onde todos os
aderentes à causa, em qualquer parte do mundo, deviam servir os interesses do
“socialismo num só país” (a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas), o
socialismo democrático está vinculado a um outro internacionalismo, onde
sofremos pelas dores de todos, vibramos com as lutas de todos, nos regozijamos
com todas as vitórias da emancipação e da vida boa, em qualquer canto do mundo
– e reconhecemos com reciprocidade os direitos fundamentais de todos os seres
humanos. Essa identificação como partido cosmopolita traduz o nosso interesse
permanente pelo estado do mundo.
Esse cosmopolitismo, que aqui enuncio na coloração (mais
tradicional) de internacionalismo, deve manter-nos alerta na hora grave que
vivemos no mundo. Com todas as suas imperfeições (incluindo as falhas na
concretização de uma prosperidade partilhada), a Europa (e, especificamente, a
União Europeia) é um dos espaços onde os ideais da liberdade protegida nas
instituições democráticas tem resistido mais aos ataques dos seus inimigos, os
autocratas e os inimigos da universalidade dos direitos humanos fundamentais.
Esse nosso espaço de liberdade está a ser ameaçado. Ameaçado pela corrosão
interna de democracias com quem estamos envolvidos no plano da ordem
internacional, reforçando o inimigo interno das nossas democracias. E, agora,
ameaçado pelo adensar das ameaças de uso da força para configurar uma cena
internacional mais favorável aos autocratas. Nenhuma democracia europeia estará
a salvo se não forem decisivamente derrotadas quaisquer tentativas para
expandir a mancha dos Estados vassalos neste canto do mundo.
A guerra é o limite existencial. A guerra é a negação de
tudo o que é genuinamente humano. (Além do mais, para a esquerda, a guerra
sempre foi ocasião de divisões dolorosas.) Contudo, a guerra não se evita com o
falso pacifismo dos que se dispõem a trocar a liberdade pela vida, aceitando a
servidão como escapatória. Ser genuinamente pacifista é trabalhar para que seja
contraproducente, para qualquer potência, iniciar uma guerra. Esse pacifismo
genuíno deve ser prosseguido com negociações, claro, porque é com os
adversários e inimigos que é mais difícil, mas também mais necessário, negociar
para evitar a desgraça mútua. Mas deve, também, esse pacifismo genuíno ser
prosseguido com a determinação de nos opormos aos que usam a força das armas
como alavanca dos seus interesses. Essa capacidade para nos opormos à servidão
requer meios, capazes de travar os que só entendem a linguagem das armas. Nós,
os europeus, esperámos tempo demais para tomar nas nossas próprias mãos a
responsabilidade de proteger a nossa liberdade dos seus inimigos. De todos os
seus inimigos, onde quer que eles estejam. Não estamos perante um jogo. Estamos
perante uma encruzilhada existencial: temos o direito de esperar que a política
democrática não se distraia da gravidade da hora atual. Nem escamoteie o debate
público dos desafios do momento presente.
(Publicação original: Acordai!)
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