4.12.20

Resposta à crise

 
Fica aqui, para registo, a declaração política que proferi ontem na Assembleia da República, em nome do Grupo Parlamentar do Partido Socialista.

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Senhor Presidente,

Senhores e Senhoras Deputadas,

Talvez alguns pensem que aqui, na Casa da Democracia, vivemos apenas para aprovar orçamentos e leis. Mas esse é somente o aspeto formal da nossa missão. Verdadeiramente, estamos aqui, cada um com as suas convicções, para responder à vida concreta das pessoas.

Agora, para proteger a saúde. Para proteger as pessoas e as famílias afetadas pela quebra da atividade económica, do emprego, dos rendimentos. Para preservar as empresas afetadas pela crise e das quais precisamos para reerguer a economia. Para responder aos nossos pais e avós, e aos nossos filhos e netos, para vencermos a enorme pressão a que todos estamos sujeitos, dentro das desigualdades agravadas. 

Foi para isto que aprovámos um orçamento de combate. Não de combate à oposição, mas de combate à crise, donde destaco:

- prolongamento para 2021 do apoio à retoma progressiva, sem qualquer corte salarial até três salários mínimos;

- garantias de Estado às linhas de crédito de apoio à tesouraria das empresas;

- reforço e prolongamento dos subsídios de desemprego;

- nova prestação social, que irá proteger 250.000 pessoas com quebra de rendimentos, incluindo sócios-gerentes, trabalhadores independentes e trabalhadores informais e os estágios profissionais;

- proibição de corte nos serviços essenciais aos afetados pela quebra de rendimentos;

- aumento extraordinário das pensões mais baixas;

- subsídio de risco de combate à pandemia;

 - reforço do principal instrumento de apoio à habitação jovem;

- mais 15 milhões de euros para as instituições de ensino superior investirem em alojamento estudantil;

- reforço da ação social escolar;

- recrutamento, calendarizado, de mais 4200 profissionais de saúde para o SNS; criação de cinco equipas comunitárias de saúde mental para a infância e adolescência; mais 350 trabalhadores para a Segurança Social; mais 5.000 trabalhadores para a escola pública.

Às pessoas abrangidas por estas medidas, porque não as podemos abandonar num mar encapelado, o PSD chama clientelas. Aos serviços públicos assim reforçados, o PSD há de estar próximo de voltar a chamar gorduras do Estado. O PSD escolhe o pico do tsunami para voltar à teoria do Estado mínimo.

Já nós, orgulhamo-nos destas medidas necessárias. Muitas aconteceram por proposta dos socialistas, outras por propostas de outros partidos, designadamente o PCP, porque nós quisemos e soubemos dialogar e estabelecer compromissos com quem quis e soube vir ao desafio de melhorar um orçamento que já era muito bom na proposta inicial.

O que nós não podíamos era dar o espetáculo do PSD que, ainda o orçamento não entrou em vigor, e já está embrulhado no exercício de inventar rebuscadas formas futuras de corrigir os disparates em que aqui embarcou à 25ª hora. 

Contudo, Senhor Presidente, Senhores Deputados, não venceremos a pandemia, nem a crise, só com medidas orçamentais. A crise só pode ser vencida com coesão social, com mobilização solidária, com as atitudes individuais e coletivas corretas, sem ceder à demagogia. Muitas pessoas estão a sofrer e com medo, muitos profissionais estão cansados, mesmo esgotados, e, portanto, é compreensível que às vezes se perca a serenidade. O que já não podemos aceitar é a exploração do sofrimento dos outros, que é o que fazem alguns que gritam “fecha” quando está aberto e depois gritam “abre” quando está fechado, que pedem restrições e depois as criticam, que não olham para as comparações internacionais para entender que Portugal tem feito um enorme esforço de equilíbrio e ponderação nas medidas que toma, tentando equilibrar saúde, liberdade e economia.

Há demasiadas pessoas a exibir demasiadas certezas, num quadro em que é fundamental entender a incerteza intrínseca da situação. Há uma frase de Frank M. Snowden, no seu livro “Epidemias e Sociedade – Da Peste Negra ao Presente”, que merece reflexão. Cito: “Diz-se que os generais tendem a combater novamente a guerra anterior, confrontando assim novos inimigos com estratégias desadequadas do passado. O mesmo pode ser dito das autoridades de saúde pública ao longo dos séculos.” (fim de citação) Porque interessa isto agora? Porque há muita coisa sobre esta pandemia que ainda não sabemos, nem os cientistas nem nós. Só para dar um exemplo, a OMS acaba de fazer a quarta atualização da orientação sobre o uso da máscara, porque continuamos a aprender e a corrigir, mas há deputados que, lestos a disparar, criticam a OMS, as autoridades de saúde, tudo e todos porque só eles sabem.

Também há quem queira medidas definitivas para tudo e critique as medidas extraordinárias – mas as medidas temporárias, revisíveis, adaptáveis, moduláveis à evolução da vida, são as medidas de que precisamos, porque não sabemos o que será o mundo daqui a seis meses. Em vez de um glorioso plano rígido, cheio de certezas, precisamos da capacidade de ir adaptando a resposta às mudanças de circunstância. A política precisa de aprender a responder à incerteza e largar os enganadores dogmas de cátedra.

 

Senhor Presidente, Senhores Deputados,

Vencer a crise e recuperar o nosso futuro comum não é uma mera questão técnica. É uma tarefa cívica, exige de todos um empenhamento de cidadania.

Há comportamentos que todos entendemos que são úteis: lavar as mãos, usar máscara, manter a distância, reduzir a mobilidade. Pelo contrário, há comportamentos puramente destrutivos. As polémicas de pura chicana partidária, a demagogia, o acirrar da confrontação parasitando o sofrimento das pessoas, devia ser substituído por um sentido profundo de reciprocidade. Tal como já se diz “a minha máscara protege-te a ti, a tua máscara protege-me a mim”, agora que vem aí a vacina Covid, saibamos compreender que “a tua vacina protege-me a mim, a minha vacina protege-te a ti”. Aí daremos uma aplicação concreta e relevante àquela palavra tão justa do Papa Francisco: “Ninguém se salva sozinho”. Porque, verdadeiramente, ninguém se salva sozinho.

 

Porfírio Silva, 3 de Dezembro de 2020
 
 

 
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