22.12.20

Matemática e educação

 

Aqui deixo, para registo, a minha intervenção, na tarde de ontem, na Audição do Secretário de Estado da Educação, João Costa, a propósito da divulgação dos resultados da edição 2019 do TIMSS (Trends in International Mathematics and Science Study), na Comissão Parlamentar de Educação, realizada a requerimento do Grupo Parlamentar do Partido Socialista.

***

Senhor Secretário de Estado,

O Grupo Parlamentar do Partido Socialista requereu a audição do Governo a propósito dos resultados da matemática no TIMSS 2019.

Que fique claro: o que nos importa são as aprendizagens. Que mais alunos aprendam mais e aprendam melhor, não só matemática, mas também matemática.

Cientes de que o ensino da matemática não se destina principalmente a aumentar o número de catedráticos nessa disciplina ou o número de sócios de uma qualquer sociedade científica, mas a fazer com que todos os alunos fiquem de posse de mais conhecimentos e mais competências transversalmente necessárias a muitas áreas do saber, a desempenhos profissionais qualificados e a uma vida cidadã plena.  

Portugal participou pela primeira vez no TIMSS em 1995. Nesse ano, os resultados dos nossos alunos de 4º ano a matemática foram dos piores a nível internacional. Tivemos o pior resultado dos países europeus.

Voltámos a participar em 2011. Nesse ano, os alunos do mesmo nível ficaram claramente acima da linha de água. Passámos para o lado positivo da tabela. Uma subida de 90 pontos.

Isto é: entre o último dos 10 anos de governo de Cavaco Silva e o último ano de governo de José Sócrates, com os governos de António Guterres pelo meio, uma subida de 90 pontos, que é uma subida praticamente sem paralelo entre todos os países participantes em qualquer das edições do estudo.

E isto não aconteceu por acaso, aconteceu porque houve aí um grande investimento, designadamente com o Plano de Ação para a Matemática – Plano que teve avaliação, mas nunca publicada porque o Ministro Nuno Crato a escondeu (há quem, afinal, goste pouco de avaliação).

Se nos focarmos realmente nas aprendizagens, é isto que precisamos: sólidos passos em frente. Comparada com aquele salto de 90 pontos, a variação no TIMMS entre 2011 e 2015, ou entre 2015 e 2019, corresponde, numa escala de 0 a 20, a meras 18 ou 14 centésimas. Precisamos de mais ambição do que isto.

E precisamos de nos focar na equidade. Há aspetos destes estudos que são cruciais: a diferença que faz ter ou não ter educação pré-escolar; a importância do foco na promoção do sucesso; os recursos disponíveis, ou não, em casa. A desigualdade persistente entre rapazes e raparigas. O facto de a escola não conseguir travar a reprodução das desigualdades sociais. Os professores, a formação e as condições de trabalho que eles precisam para levar a carta a Garcia. Disto não falam os ex-governantes que enchem a boca com facilitismo e exames, mas estas são as questões cruciais da escola pública quando trabalhamos por uma sociedade decente.

Face a isto, é difícil saber se a estafada demagogia em torno destas questões se deve mais a ignorância ou a má-fé.

Sim, os alunos que participaram neste estudo foram abrangidos pelo fim dos exames do 4º ano – mas o grande avanço na aprendizagem da matemática, entre 1995 e 2011, não deveu nada a exames, que não existiam.

Além disso, os exames de 4º ano são uma raridade nos países civilizados, e no quadro do TIMMS não há qualquer correlação entre bons resultados e a existência destes exames.

Também há quem diga que os resultados do TIMSS 2019 são efeito da autonomia e flexibilidade curricular. É mentira, porque essa legislação, pelo escalonamento da sua aplicação, não abrangeu estes alunos. E nunca ouvi ninguém queixar-se de que a mesma flexibilidade prejudicasse pedagogicamente as escolas particulares e cooperativas, onde essa liberdade organizativa já existia.

Senhor Secretário de Estado, neste contexto, a nossa questão é relativamente simples de formular. Sabemos que o Governo tem vindo a trabalhar, desde 2016, na renovação do ensino da matemática. Saudamos a  prudência, ponderação, e envolvimento de muitas pessoas  e instituições, com que esse trabalho tem vindo a ser realizado – tudo o contrário do que fez Nuno Crato, que, num ápice, extinguiu disciplinas, modificou programas sem respeitar o prazo legal da sua vigência, mudou metas de aprendizagem definidas apenas 2 anos antes, deitou fora as provas de aferição, mexeu em tudo e mais alguma coisa sem avaliação independente, sem estudos e sem diálogo, como se o Ministro se considerasse o próprio Rei Sol da 5 de outubro.

Saudamos a ponderação deste Ministério, mas, ao mesmo tempo, entendemos que há alguma urgência. É que muitos consideram que as novas ferramentas curriculares que têm vindo a ser introduzidas convivem mal com o esqueleto no armário que são hoje os programas, que a presidente da Associação de Professores de Matemática classificou, no caso desta disciplina, como “desajustado e pernicioso”.

A questão é, pois: a bem do ensino e da aprendizagem da matemática, o que podemos contar em termos de resultados de todo o trabalho que tem vindo a ser desenvolvido com tanta abrangência e profundidade?

 

Porfírio Silva, 22 de Dezembro de 2020