1.4.20

Democracia de salvação nacional



Um destes dias, Rui Rio foi entrevistado na RTP. Muito haveria a dizer sobre essa entrevista, e sobre a inteligência de um homem que entendeu a gravidade do momento e que, tal como o primeiro-ministro, está a agigantar-se neste momento difícil da nossa vida coletiva. Contudo, gostaria de ser agora mais específico.

É que há algo que começa a notar-se cada vez mais nas intervenções de Rui Rio: o presidente do PSD tem uma forma de falar que, pelos vistos, muitos intervenientes no espaço público não conseguem entender. Vou ser mais preciso: Rui Rio introduz no seu discurso, sem parecer dar-lhes muita importância, certos elementos que fazem toda a diferença em termos de sofisticação da mensagem – mas deixa para quem ouve ou lê o trabalho de ouvir ou ler com cuidado e, portanto, de interpretar. Manifestamente, muitos dos ocupantes do nosso espaço público não têm tempo, nem diligência, para entender essas subtilezas e tratam tudo com o carro vassoura da displicência e da politiquice banal.

A forma como o tema do “governo de salvação nacional” foi tratado por Rui Rio, e a forma como as suas palavras foram transmitidas pela generalidade da comunicação social, exemplifica bem o que acabo de escrever.

Em geral, o que passou foi que Rui Rio ponderava a ideia de um governo de salvação nacional.

Entretanto, o que Rui Rio disse foi, exatamente, isto:

“A sociedade portuguesa vai ter efetivamente de debater a composição de um governo de salvação nacional, porque o governo que vier – pode ser o mesmo, como é lógico – vai sempre ser de salvação nacional. Face aquilo que nós temos, que se está a ver, que isto vai durar, nós vamos ter tempos muito pesados.”

Ou seja: Rui Rio fala de “governo de salvação nacional” na perspetiva da magnitude da tarefa de qualquer governo que governe a seguir a esta tempestade. E diz que esse “governo de salvação nacional” até pode ser o mesmo que temos. Porque, digo eu, não está a falar da fórmula, está a falar do gigantismo da tarefa.

A sofisticação da mensagem não passou para os fazedores de títulos. É sofisticação excessiva para quem raciocina com os olhos postos no artigo de intrigalhada do sábado anterior. Apesar de Rui Rio também ter dado uma valente sova na cobardia desse tipo de intrigalhada, na mesma entrevista – e com todas as letras.

Seria bom se todos pudéssemos entender que o que nos pode “salvar” é a qualidade da nossa democracia, onde não se confunda unidade com unanimismo nem com obliteração das diferenças e das alternativas.


Porfírio Silva, 1 de Abril de 2020
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