O TEMPO
O tempo é um filtro suave e espesso
que nunca te diz francamente “não”:
essa seria uma desajeitada confissão dos episódios por vir.
O tempo é um par de guardanapos embrulhando as tuas mãos,
dobrados em cones de pano que guardam cada ramo de dedos
na forma de terminações inúteis, pontiagudas,
como se servissem uma ameaça de sevícias. Como se vissem,
em serem lanças curtas, a cautela do mundo.
Os teus membros continuam intactos,
promessas actuais de agarrarem o pão e a sopa
que nos trouxeram aqui, à Mittleleuropa:
ainda prometem colher o necessário
para matar a fome, mas o pano do tempo,
como uma máquina agarrada às tuas mãos,
envolvendo as tuas mãos como um protector passivo,
faz de ti um espectador.
Se quiseres ainda comer terás de baixar a boca às terrinas, como gamelas,
como um selvagem.
O tempo é um dispositivo que abre os braços para te mostrar
toda a extensão do momento presente
como se ele fosse por natureza um país sem fronteiras,
aberto, plano, transitável, receptivo,
mas depois coa todos os efeitos dos teus gestos
até o mundo se tornar igual
a um universo paralelo onde tivesses simplesmente renunciado.
O tempo é uma manta delicada e densa
que cobre as pessoas estaladiças
para nos proteger de riscarmos o mundo.
No fim dos tempos, fomos todos espectadores.
(ilustração: Michaël Borremans, Time, 2007, lápis e tinta branca sobre papel)