Devo dizer que não me escandaliza nada que o PR promulgue o Orçamento de Estado e depois peça a fiscalização da constitucionalidade de algumas normas. Pode parecer estranho, mas é a conciliação possível entre, por um lado, a necessidade de não deixar que o ano comece sem orçamento e, por outro lado, o exercício de escrutinar a constitucionalidade quando haja nessa matéria dúvidas. Talvez a solução não seja perfeita, mas nem sempre há soluções perfeitas à mão.
Já a mensagem de Ano Novo, proferida ontem por Cavaco, é um monstro político. O Presidente tenta ficar de bem com Deus e com o Diabo, pingando ora aqui ora ali, mas proferindo de cátedra afirmações sobre temas de política corrente que não são nem tão claros como quer dar a entender, nem temas nos quais o primeiro magistrado da nação deva precipitar-se como um qualquer comentador político. Exemplo do que quero dizer é a pressa em atirar para canto qualquer possibilidade de sermos parcialmente aliviados da dívida. Se viermos a precisar, o que não é de excluir, com que cara fica o Presidente? Ao mesmo tempo, coisas mais estruturantes, como a necessidade de respeitar (e até reforçar) os mecanismos de concertação política e social, ficaram, parece-me, no tinteiro. E, como se vê pela ligeireza com que o governo desrespeita os parceiros sociais, desta vez na alteração dos valores do subsídio de desemprego, faria falta uma palavra do Presidente nessa matéria.
Assim sendo, ficou bem que Cavaco não olhasse os espectadores de frente e falasse de olhos ligeiramente baixos. Claro que foi por causa do teleponto estar mal posicionado e não por excesso de humildade, coisa que CS desconhece. Mas uma tão grande falta de percepção do que lhe competia fazer, só por si, justificaria que nos falasse nessa postura.