22.5.11

renegociar a dívida como tema de campanha eleitoral


Renegociação da dívida é a “maior vitória política do Bloco até hoje”.

A quem pensava que a coligação negativa tinha chegado ao fim dos seus dias com o derrube do governo, esta campanha eleitoral demonstra que está longe de se esgotar a imaginação criadora da esquerda da esquerda e da direita para inventarem tenazes com que, tacticamente, se juntam para atacar o PS.
Talvez com mais subtileza do que em outras ocasiões, BE e PSD inventaram um tema comum: a renegociação dos termos das nossas responsabilidades financeiras colocadas no mercado internacional. Louçã já se vangloria, não só de que o tema da renegociação da dívida entrou na campanha, mas de que agora muitos o imitam na sua tese. Nisso, ele tem razão: Passos Coelho, por exemplo, agora já fala em mudar prazos e montantes do empréstimo internacional, para tornar tudo mais suave. Em modo subliminar, tanto Louçã como Coelho, estão a tentar transmitir a seguinte mensagem: o governo do PS assinou um mau acordo com as instâncias internacionais e nós (PSD ou BE) vamos mudar isso se votarem em nós. Esquecem-se, de passagem, de várias coisas "pequenas": por exemplo, de que foram eles que fizeram com que a "ajuda do FMI" fosse negociada com um governo de gestão, em período pré-eleitoral, e por isso mesmo com menos margem de manobra para fazer finca-pé em contrapropostas às ideias da troika. Mas esquecem-se, também de passagem, de um factor gigantesco: o factor Europa. Vejamos.
Uma das razões pelas quais o governo português queria evitar, ou pelo menos atrasar, o pedido de ajuda externa consistia na percepção de que Portugal seria o primeiro beneficiário de uma nova estratégia da UE e da zona euro, que optasse por uma protecção mais eficaz de todos os seus membros face aos ataques especulativos. Essa nova estratégia, quer da UE quer do FMI, permitiria ou evitar a necessidade de ajuda, ou fazer com que as condições da ajuda tivessem menos efeitos recessivos e fossem mais amigas do crescimento. Esse percurso político na cena europeia estava a ser feito - mas devagar, por haver outros governos que, à beira de eleições, não queriam aprofundar esse tema junto dos seus eleitorados. O chumbo do PEC IV, com a consequência do derrube do governo, teve também a intenção de evitar que essa espera táctica desse resultado: se isso salvasse Portugal da ajuda externa, ou tornasse a ajuda externa mais doce, esse facto salvaria também Sócrates - e isso era algo que as oposições de todo não queriam.
Quer dizer: o ponto é que a margem de manobra de Portugal depende das condições da nossa inserção na Europa. Não é Portugal, isolado, que vai impor melhores condições para a ajuda ou uma ajuda em moldes mais amigáveis para o crescimento: isso só pode acontecer num movimento em que o conjunto da UE mude de estratégia. A mesma coisa tem de se dizer de uma eventual renegociação da dívida: se Portugal lançar a ideia de que vai tentar fazer esse movimento sozinho, por sua alta recriação, vai ser tratado como um pária na cena internacional e vai pagar isso muito caro. Isso pode vir a tornar-se possível, em condições aceitáveis, no quadro de uma mudança de estratégia da Europa e do FMI.
É aí que bate o ponto: tanto Louçã como Passos Coelho fazem crer, demagogicamente, que as nossas relações com o mundo da finança e da economia internacional dependem do nosso voluntarismo nacional. Nós abrimos a boca e dizemos o que queremos e o mundo concede-nos. Louçã, que sempre falou como se nós pudéssemos simplesmente dizer "não pagamos", apesar de isso fechar imediatamente a torneira do financiamento sem o qual não vivemos, sofisticou agora um pouco a sua posição: está a dizer coisas parecidas com o que dizem outros responsáveis internacionais, na medida em que está em cima da mesa repensar prazos e taxas das dívidas, de modo a deixar respirar a economia e permitir que o remédio não mate o doente. Falta a Louçã, contudo, reconhecer um ponto fundamental: isso só é viável se o fizermos apoiados nos nossos parceiros, no quadro de uma estratégia europeia, provavelmente incluindo mesmo uma nova orientação do FMI, e nunca será viável numa posição "nós sozinhos contra o mundo". Passos Coelho, esse, depois de o seu partido ter reclamado que o acordo com a troika era bom graças ao PSD, vem agora ter ideias brilhantes que não teve a tempos das negociações, como se há quinze dias atrás ainda não fosse líder do PSD e candidato a PM.
Tanto o PSD como o BE estão a jogar a cartada de esconder que tudo passa pela nossa qualidade de participantes na Europa. Podem chamar-lhe perda de soberania, se assim o entenderem: não façam é de conta que esse factor não conta. Não há mentira mais pesada, hoje em dia, do que fazer crer ao eleitorado que Portugal pode fazer o que bem entender no que toca à sua dívida, seja face aos mercados, seja face às instituições a que pertencemos. E essa grande mentira está em marcha, uma vez mais juntando o BE e o PSD como pinças diferentes de uma mesma tenaz.