4.6.21

No PS não há rolhas nem leis da rolha

O PS caracteriza-se, desde sempre, quer pela coexistência no seu seio de uma ampla gama de opiniões e posicionamentos políticos, quer pela democraticidade interna com que essa diversidade é gerida. Até a criação do Partido, por transformação da Acção Socialista Portuguesa, foi uma decisão tomada com votos contra - o que não impediu os que votaram contra de continuar e executar a decisão tomada. Uma constante da nossa história é a existência de correntes internas, ou de camaradas a título individual, que divergem pontual ou sistematicamente da linha política maioritária, ou da direcção, ou de alguns dirigentes. A própria direcção do partido, aos seus diversos níveis, é, frequentemente, plural no tocante a muitas opções de política, sem nunca renunciar ao essencial.
 
E, note-se, nunca no PS se usou o argumento "se queres falar, fala cá dentro" - ou, se se usou, nunca essa teoria vingou como justificação para impedir a liberdade de pensar e falar, mesmo publicamente.
 
Não deixa de ser um facto positivo que todos os militantes podem fazer e muitos fazem uso dessa pluralidade em liberdade. Contudo, foi acontecendo ao longo do tempo que alguns, felizmente poucos, gostam da liberdade para seu uso próprio (por vezes, criticando tudo o que mexe) enquanto, ao mesmo tempo, a censuram quando outros camaradas a exercem no plano da opinião política.
 
Vem isto a propósito de matéria que li hoje na imprensa. E, quanto a isso, tenho de reconhecer que, embora seja raro, a parte triste desta história (o tal duplo padrão, em que "eu posso, mas tu não podes") é sempre susceptível de reaparecer aqui ou ali, quando um camarada diz que outro, dado que tem estas ou aquelas responsabilidades partidárias, não devia emitir esta ou aquela opinião.
 
Ainda chegará o dia da tentação de querer impedir que a própria ideia seja pensada? É que um partido democrático deve ser, como colectivo, o exemplo da liberdade de pensamento e de debate. Pelo menos, só assim eu me sinto à vontade no meu partido.
 
Sobre o caso vertente, ainda acrescento, para que fique claro: eu escrevi sobre a questão da Ryanair, da sua relação com Portugal e da forma como o ministro Pedro Nuno Santos a ela se referiu, aqui há uns dias no Facebook. Pode, aí, constatar-se que a minha opinião nesta matéria não coincide com a opinião de Ana Catarina Mendes. Estou, portanto, especialmente à vontade para achar aberrante o ataque que foi feito à líder parlamentar por causa da opinião que ela emitiu. Eu não tenho nenhum receio da diferença de opiniões, tenho medo é de quem quer só para si a liberdade de ter opinião e de a expressar. No PS vive-se bem com a diferença de opinião, não se vive é nada bem com a ideia de que só alguns têm direito à opinião. Pelo menos, no PS onde eu entrei há uma largas décadas e que continua a ser o PS onde quero estar: um PS onde posso discordar das opiniões de alguns camaradas, e onde posso dizer que discordo, mas onde não me arrogo o direito de pretender que alguém se deva calar.

 
 Porfírio Silva, 4 de Junho de 2021
 
Print Friendly and PDF