2. Depois de uma legislatura onde uma esquerda em regime de diversidade orgânica e política garantiu ao país uma solução governativa inequivocamente melhor, em termos sociais e económicos, do que a proposta austeritária, os diferentes parceiros fizeram, no seu conjunto, uma atabalhoada transição de uma legislatura para outra. Sem voltar às contas das queixas mútuas, é evidente que a esquerda no seu conjunto não correspondeu ao seu eleitorado, que votou por mais “geringonça”, mesmo com o PS mais forte, e teve um coro de desafinações. Que deixaram marcas e acabaram por redundar em saídas desordenadas de cena.
3. A pandemia que atingiu o país, a acrescida necessidade de coesão social que a resposta exige, a crescente agressividade da direita mais extrema e a tibieza da direita que esperávamos democrática, tornam mais urgente ultrapassar este cenário, com uma resposta política clara e mobilizadora, pela qual PS, BE, PCP e PEV garantam uma estabilidade política positiva, pelo menos no horizonte da legislatura, servida por um acordo escrito partilhado, que marque o rumo, clarifique as prioridades e defina o método para construir respostas políticas concretas, sem virar a cara mesmo às diferenças mais espinhosas.
4. A regra geral é que temos de responder simultaneamente às urgências imediatas e às exigências do futuro, enfrentando os dogmas inquestionados das várias tradições políticas. Por exemplo, não se espera que o PCP e o BE se tornem agora europeístas, mas esperamos um realismo crítico, embora sem complacência, que proteja Portugal num momento onde a participação na UE é elemento crucial do nosso processo de recuperação.
5. Dou um exemplo de desafios mais concretos que a esquerda plural tem de enfrentar sem conservadorismo. A escola pública tem dado uma excelente resposta em tempo de pandemia, mas não podemos perder a bússola do estrutural. O regime de seleção e recrutamento de docentes para a escola pública é um puzzle de diplomas e normas específicas, com camadas antigas e acertos circunstanciais, que já não responde cabalmente, nem às necessidades do serviço público de educação, nem às legítimas expectativas de educadores e professores. É indispensável que evolua para responder simultaneamente a várias exigências: valorizar a carreira docente, combater sustentadamente a precariedade laboral e preservar a estabilidade do exercício profissional; promover a estabilidade dos projetos educativos e, para isso, das equipas pedagógicas; preservar o caracter nacional da carreira docente e a prevalência do mérito no acesso à profissão, mas aumentando a capacidade de cada comunidade educativa para se dotar dos meios necessários para prosseguir projetos pedagógicos inovadores e focados nos seus alunos concretos; assegurar em todo o território nacional a continuidade do serviço público de educação de qualidade; que todas as opções tomadas sejam, a prazo, sustentáveis.
O programa do governo verifica a necessidade de considerar esta questão, o Conselho Nacional de Educação (por estímulo de uma iniciativa do grupo parlamentar do PS) já produziu um importante contributo para este debate. Este é um bom exemplo dos desafios concretos para a governação do país a que a esquerda plural tem de responder, sabendo que não há soluções simples para problemas complexos, que as soluções inteligentes não se encontram apenas nos arquivos das fórmulas passadas. Sabendo que o caminho da negociação e da invenção de soluções novas é um roteiro incerto e, provavelmente, espinhoso, mas é um caminho necessário. Que talvez não se possa encetar no meio de uma pandemia, assoberbados por urgência, mas que tem de ser colocado na agenda.