28.5.20

A resposta do Estado Social à crise





Para registo, fica aqui a minha intervenção, esta tarde, no Parlamento, a encerrar a interpelação ao Governo (PS) sobre "Respostas do Estado Social à Pandemia causada pelo vírus SARS-CoV-2", 28 de Maio de 2020.

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Senhor Presidente,
Senhores e Senhoras Deputadas,
Senhoras Ministras, Senhor Ministro,

Ao promover esta interpelação ao Governo sobre a resposta do Estado Social à pandemia, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista trouxe a experiência dos nossos deputados em contacto constante com as populações: os que dedicam as suas vidas ao bem comum, os serviços públicos – onde ninguém deixa de ser atendido por não poder pagar – foram a espinha dorsal da capacidade de resposta dos portugueses a este tremendo desafio.

Esta capacidade de resposta não aconteceu por acaso. Foi construída com políticas acertadas que robusteceram o país nos últimos anos. É que os socialistas não inventaram agora um esquema ad hoc para responder à crise. Por exemplo, não esperámos pela pandemia para reforçar o SNS a uma escala sem precedentes, não esperámos pela Covid para começar a trabalhar num programa para o digital na educação.

Os desafios estratégicos de enfrentar as alterações climáticas, de fazer face à questão demográfica com mais qualidade de vida para todos e melhor conciliação entre vida familiar e vida profissional, de promover a igualdade entre pessoas e a coesão entre territórios, da transição digital justa – mostram que o nosso compromisso com o povo português para esta legislatura é hoje mais válido do que nunca. A crise sanitária e os seus impactos socioeconómicos só o tornaram mais urgente.

É que as opções políticas fazem toda a diferença na vida concreta das pessoas.

A anterior grande crise internacional foi aproveitada por alguns para o programa político dos que diziam que tínhamos de empobrecer para sair da crise e que a perda de direitos devia ser permanente. Como diziam, ir além da troika.

Felizmente, temos hoje um Governo que sabe bem que a austeridade não resolve a crise. É que austeridade não é a noção de que os recursos são finitos. Austeridade, como programa político, é a opção por cortar na despesa e aumentar os impostos para equilibrar apenas as contas públicas. Mas a austeridade não serve para recuperar a economia, nem para responder à emergência social. Essa austeridade seria desprezo pelo sofrimento de hoje e uma traição antecipada às gerações futuras.

Felizmente, temos hoje outro governo e outra política, como mostram as linhas já divulgadas do Programa de Estabilização Económica e Social, que assume as prioridades articuladas de proteger as empresas, proteger o emprego, proteger os rendimentos e que inclui o desígnio de uma estratégia nacional de combate à pobreza.

Senhores Deputados,
Senhores membros do Governo,
O filósofo Daniel Innerarity disse recentemente que o populismo despreza três coisas que esta crise revaloriza: o conhecimento científico, os espaços públicos fortes que resistem à tentação das lideranças pessoalizadas e a ideia de comunidade global, onde partilhamos ameaças. São ideias relevantes porque assentam no reconhecimento da complexidade da situação.

As respostas das nossas autoridades à pandemia foram todas, sublinho todas, decisões tomadas em contexto de grande incerteza. Incerteza sobre o vírus, sobre a dinâmica da pandemia, sobre a gestão de comportamentos sociais conducentes a uma resposta coletiva robusta. O país agarrou-se, e bem, a um método de concertação onde responsáveis políticos e sociais procuraram dar o melhor uso possível ao conhecimento científico disponível em cada momento, para nos guiarmos mutuamente nesse oceano de incerteza e tomarmos as melhores decisões políticas possíveis.

Contudo, não tardam a surgir os esquecidos instantâneos, que vão fazer de conta que havia certezas onde havia dúvidas; que vão querer ter toda a razão três meses depois, quando foi preciso agir naquele preciso momento; que vão querer fazer julgamentos a posteriori dos que tiveram de agir com urgência num inédito estado de exceção.

É certo que a democracia nunca esteve suspensa. É desejável, pois, que exista debate e contraditório político. E que ele sirva para continuar o grau de concertação indispensável à gravidade deste tempo. Mas os esquecidos instantâneos estão fora desse espírito.

Senhores Deputados,
Senhores membros do Governo,
Num abalo desta dimensão, “ninguém se salva sozinho”, na expressão do Papa Francisco. Não se trata de optar entre racionalidade e solidariedade. Este é um daqueles momentos onde é mais claro que só a solidariedade é uma resposta racional.

Temos hoje um Governo que sabe defender Portugal na União Europeia, um Primeiro-Ministro com uma voz ativa, reconhecida e respeitada. Portugal mudou. Hoje já ninguém propõe introduzir na Constituição um número para o défice. Mas é verdade que também a Europa, afinal, aprendeu alguma coisa com os erros cometidos na crise anterior. E também aí tivemos um papel, porque Portugal mostrou que havia uma alternativa, que o progresso económico tem de ir a par do progresso social.

Com as recentes propostas da Comissão Europeia, atingimos um patamar sem precedentes de uma cooperação inteligente, que passa pela mutualização das oportunidades, dos riscos e das responsabilidades. O ponto é que precisamos disso para o nosso próprio esforço de recuperação económica e social.

Mas não está tudo feito na frente europeia. Há muito trabalho pela frente, programas a detalhar, negociações a levar a bom porto.

Entretanto, há quem continue a profetizar que a União Europeia não vai fazer nada do que é preciso fazer. Ou mesmo a profetizar que a União Europeia não vai fazer aquilo que até já fez. Talvez seja a altura de deixarem o ofício de profetas da desgraça e investirem as suas forças no muito trabalho que é preciso fazer para que se concretize o que está proposto, porque isso é muito importante para a vida real dos portugueses nos próximos anos.

Todos não seremos demais.



Porfírio Silva, 28 de Maio de 2020
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