6.2.20

Saldo orçamental



Hoje, no encerramento do debate do Orçamento de Estado para 2020, o PCP escolheu sublinhar as suas propostas e confrontar o PSD pelas cambalhotas que deu. Sem deixar, como costuma, de marcar a sua insatisfação com o que, na opinião dos comunistas, ficou aquém do desejável. Pelo seu lado, o BE escolheu atacar o PS e não dizer uma palavra sobre o comportamento do PSD. O BE, como tem sido costume e cada vez mais evidente, tem dois grandes inimigos: o PS e o PCP. Assim agiu neste processo orçamental. Rui Rio pagou na mesma moeda, atacando à direita e à esquerda, mas poupando o BE.
Neste debate orçamental, o que se percebe dos últimos dias é isto: o BE quis ajudar o PSD na questão do IVA da electricidade, para tentar provocar uma estrondosa derrota do PS; o PCP (que tinha a posição mais radical, ou "purista", se quiserem) nunca deixou de encostar o PSD às cordas, insistindo na proposta comunista inteira, nada fazendo para que o PCP se tornasse muleta da estratégia de Rui Rio. Em consequência, o verniz estalou e o PCP, desta vez, deixou escapar algumas observações que, na linguagem popular muito apreciada por aqueles lados, "chamam os bois pelos nomes" no que toca ao comportamento bloquista.

Há um traço recorrente do discurso do BE neste processo orçamental que merece a nossa atenção. Figuras de topo do BE têm insistido que o PS não tem maioria absoluta e que não quis fazer um acordo de legislatura com o BE, fazendo essas afirmações em contextos que traduzem a seguinte mensagem: "assim sendo, o BE está livre para fazer parcerias com quem nos apetecer". Já não traduzindo apenas, mas fazendo uma hermenêutica dessas palavras, elas querem dizer: "não fizeram um acordo escrito connosco, verão quão pesada será a factura". Que o PS não tem maioria absoluta, é verdade e já sabíamos. Que não nos pareceu bem fazer um acordo escrito só com um dos parceiros parlamentares da anterior legislatura, depois de outros terem recusado "papéis passados", é verdade: assumimos assim a responsabilidade de preservar uma base mínima de conversa entre todas as esquerdas, mantendo todos os partidos no mesmo plano e recusando a situação pantanosa de uns serem parceiros "de primeira" e outros "de segunda", pântano que só podia ser o princípio de uma "guerra civil" à esquerda. Contudo, não perdemos de vista com quem percorremos quatro anos de caminho comum, que queremos continuar e aprofundar - e não percebemos que o BE, como uma espécie de vingança por não termos aceitado um casamento exclusivo com eles, ache normal emparceirar com o PSD para tentar dinamitar o governo do PS.

A esquerda, incluindo o PS, tem obrigação de mostrar que também é capaz de dar estabilidade política e social ao país. Temos de fazer isso no clima de diversidade e pluralidade que é a única via para respeitar as nossas diferenças e a liberdade de cada uma das forças. Mas a esquerda plural não será, nunca, capaz de dar uma resposta progressista ao país se estiver continuamente à mercê do "vale tudo" de um partido tão à esquerda tão à esquerda que se dispõe a dar a mão a qualquer oportunismo de direita só para se vingar do governo e do PS.


Porfírio Silva, 6 de Fevereiro de 2020


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