Quem me conhece sabe que a política, esse assunto do viver em comum entre cidadãos, nunca deixou de me interessar. Quem me conhece sabe, também, que, há décadas, não tenho actividade política militante regular. As duas coisas significam uma só: a política é, para mim, actividade cidadã. Isso mesmo e só isso. Não vejo a política como profissão, nem como carreira.
E, mesmo assim, sou militante socialista há décadas, desde que completei 14 anos. Em todo esse tempo, nunca deixei de dizer aquilo que entendi dever ser dito; nunca alienei a minha liberdade. No PS, não corro a apoiar este ou aquele. Para não falar de coisas mais antigas: quando Sócrates se apresentou, não o apoiei (embora me tenha, depois, insurgido vivamente contra a campanha de ódio que lhe foi movida e tenha defendido muitos aspectos das suas políticas). Quando Seguro e Assis se apresentaram como alternativa, não apoiei nenhum deles. Talvez por conhecer ambos desde a juventude. Sou um pouco cínico em relação à política que existe, embora tente ser cuidadoso para nunca criticar os outros da perspectiva de que eu faria melhor (porque abomino essa perspectiva, especulativa e presunçosa, que tantos treinadores de bancada adoptam). Prezo muito a minha liberdade de opinião e pratico essa liberdade (a ponto de, há algum tempo, ter tido de informar um amigo de que não sou independente, por ele me ter assim classificado publicamente) e isso é facilmente incompreendido, porque há sempre gente a julgar que eu devo solidariedade a isto ou àquilo e a julgar que “excessiva” liberdade de opinião é falta de solidariedade.
Sinto, como muitos outros portugueses tão comuns como eu, um pesado desencanto com a política. Porque acho que a política está muito dominada por dinâmicas não democráticas e opacas. Porque acho que há falta de mais gente genuína e faltam mais comportamentos livres na política. Porque sinto que há uma “classe política” que desenvolveu características de grupo virado para si próprio e com muitos dos seus elementos a perder aderência à realidade concreta das pessoas. E, ao mesmo tempo, acho de enorme injustiça que sejam desconsiderados tantos e tão bons políticos, homens e mulheres que trabalham com denodo pelo bem comum, enfrentando demasiadas vezes o desprezo até daqueles que mais beneficiados são pelo seu trabalho. E, confesso com uma certa vergonha, não tenho apetência nenhuma para ter de suportar a incompreensão grave de que são alvo os nossos políticos, alvo de tanto populismo e de tanta demagogia.
A quem, como eu, preza tanto o seu distanciamento pessoal em relação ao poder, e a consequente liberdade, pode perguntar-se, como efectivamente me perguntaram, a propósito do meu determinado apoio a António Costa: por que te meteste tão claramente nesta história das Primárias do PS? Até me perguntaram: voltaste à política? Eis, no que segue e para terminar o meu empenhamento nesta campanha que está a findar, a resposta.
Creio que a democraticidade genuína desta república corre o risco de desagregação, por descrédito do sistema junto do povo. Vejo que, face à terrível situação económica e social que vivemos, precisamos – mais do que nunca – de política a sério. Vejo poucas pessoas que, em diferentes campos, sejam capazes de compreender o mundo e sejam capazes de agir com sabedoria e determinação, com sentido do concreto, com sentido das instituições democráticas, com capacidade para se focarem nos problemas a resolver sem se deixarem atropelar por preconceitos, mas valendo-se de valores claros e firmes para navegar nas águas mais revoltas sem perder o rumo. Temi que, a continuar como estava, o PS fosse um factor acrescido dessa desagregação, por incapacidade para fazer a diferença necessária. Neste quadro, acolhi com esperança a disponibilidade de António Costa para meter mãos à obra de construir outro caminho com o PS a pensar em Portugal. Por isso quis estar presente nestas Primárias. Isto não foi um “regresso à política”: isto é mesmo como eu vivo sempre a política, como um cidadão militante.
Muitos dizem que apoiam este ou aquele por amizade ao candidato. Não sou assim. Não deixo de ser amigo de ninguém por banais divergências políticas, mas também não apoio ninguém em política por amizade. O mesmo, agora, com António Costa: tenho-lhe amizade, mas não é por amizade que o apoio. Aliás, tudo no ciclo longo dos nossos percursos de vida tenderia para o diagnóstico de que eu seria o mais improvável dos seus apoiantes. Aliás, quando, há semanas, o Expresso escreveu que eu era o mais antigo conselheiro de Costa, houve, entre os amigos e camaradas que nos conhecem bem, uma gargalhada que se terá ouvido em Marte, de tal modo essa afirmação era, efectivamente, risível, por demonstrar uma completa incompreensão da nossa arqueologia (dos nosso desencontros passados).
Dito isto, é simples a explicação para eu me ter empenhado como empenhei na campanha de António Costa: senti que o País precisa de uma nova energia, de uma nova atitude política menos conflitual e mais construtiva, senti que António Costa é necessário para fazer do PS o factor de mobilização que Portugal precisa, senti a responsabilidade do momento e, não querendo ficar mal com a minha consciência cívica, alinhei neste “Mobilizar Portugal”. E não o fiz por amiguismo, já que o amiguismo é coisa que não consigo compreender racionalmente na política. Creio que valeu a pena. Creio que, fruto da participação de milhares como eu, no dia 28 de Setembro teremos uma esperança renovada na democracia e na possibilidade de desenvolver Portugal.
Agora, falta votar.