9.7.14

o exterminador implacável.


O artigo do físico Carlos Fiolhais (O pior do Crato), hoje no Público, tem três aspectos interessantes.

O primeiro é a estatística geral da exterminação:

Na semana passada, Crato, não contente com os cortes drásticos que efectuou nas bolsas de ciência, obrigando numerosos jovens a emigrar, resolveu liquidar de vez a ciência em Portugal. De um universo de 322 unidades de investigação, condenou à morte a curto prazo 154, cerca de metade. Destas, 83 tiveram Bom, num processo de avaliação que, na parte em que não é obscuro, está empestado de erros e omissões, e têm a morte anunciada. Terão um financiamento ridículo e ficarão impossibilitadas de obter recursos humanos ou equipamentos. Bom, numa escala que contempla ainda Muito Bom, Excelente e Excepcional, é péssimo. E 71 tiveram Razoável ou Insuficiente, o que significa a execução imediata. Foi tudo a eito: Matemática, Física, Engenharia, Sociologia, Filosofia, etc. As outras unidades (168) aguardam o seu destino: estão num limbo e poderão também ser condenadas. O número de investigadores já sentenciados à morte é de 5187 num total de 15.444. Entre eles estão alguns dos melhores cientistas portugueses, nomeadamente Nuno Peres, do Centro de Física do Porto e Minho, e Mário Figueiredo, do Instituto de Telecomunicações, que acabam de ser distinguidos internacionalmente como as mentes mais brilhantes.

O segundo é o discurso do método: como é que se procede à grande exterminação? Como é que se arranjou quem, em nome da ciência, aplicasse esta máquina de ceifar?
O ministro diz – quando diz alguma coisa, porque ficou embatucado quando uma jornalista lhe solicitou uma explicação – que não é nada com ele. Lava as mãos como Pilatos. E remete para os seus subalternos, em particular para a Fundação para a Ciência e Tecnologia – FCT. Esta já foi em tempos uma instituição em que os cientistas confiavam. Mas agora resolveu destruir um sistema de avaliação internacional, exigente e cuidadoso, que estava montado e tinha provas dadas, e experimentar outro, que se está a revelar frágil e tosco. Contratou, não se sabe como nem a que preço, a European Science Foundation – ESF, que está a desfazer a sua actividade em favor de uma nova organização, a Science Europe, e pediu-lhe uma avaliação à distância (isto é, sem ver nem falar com ninguém), com base apenas em papéis, entre os quais um estudo da produção científica. Os resultados são calamitosos para a reputação da ESF e, por salpico, para a FCT e para o ministro. Por um lado, há muitos erros grosseiros, que só por si deviam ser suficientes para denunciar o contrato. Mas, por outro, mesmo desculpando o indesculpável, em muitas disciplinas não bate a bota com a perdigota: por muito criticável que seja o método da folha Excel, esperar-se-ia alguma correlação entre a produtividade científica e a nota dada. Não há, porém, quase nenhuma. O ministro podia ter poupado o erário público se, em vez de contratar avaliadores da ESF, tivesse comprado uma roleta. Fui ver quem eram os avaliadores da minha área. Verifiquei com espanto que esta nem sequer existia. A Física estava amalgamada com a Química e com a Matemática, sendo todas elas avaliadas por um painel constituído por um engenheiro, três físicos, quatro químicos e três matemáticos (sem nenhuma mulher, isto é, sem ninguém pragmático). Este painel é muito pior do que os três, um por disciplina, da última avaliação, que envolveu 15 matemáticos, seis físicos e sete químicos. Um dos ramos maiores da Física – a Física da Matéria Condensada – foi agora praticamente encerrado em Portugal por um painel que só tinha um físico desse ramo. A matéria passou de condensada a condenada! Dantes os avaliadores eram conhecidos e respeitados, hoje são desconhecidos.

O terceiro aspecto interessante do artigo de Fiolhais é exterior ao próprio artigo, embora mencionado no texto: o autor confessa que foi um dos que levaram Crato ao colo e que estava motivado pela ideia de implosão do Ministério de Educação. Não vejo por que se queixa agora: Crato prometeu implosão, Crato está a implodir tudo o que tem à mão, por qual razão se queixam os que apoiaram a base ideológica da sua acção? A ideologia da implosão de tudo o que vinha dando frutos, por via da intervenção do Estado, deu nisto que estamos a ver. Criticar os frutos e dizer que a árvore é boa - dizer que a implosão era uma boa ideia - merecia uma explicação. Mas ninguém neste país se sente responsável por ter alimentado a fogueira com as suas ideologias incendiárias.