30.3.07

Como se manipula um referendo

10:52
Portugal já se habituou a que, de quando em vez, um ou outro referendo entre pela política nacional adentro, ameace mudar isto e aquilo... para, afinal, não ser vinculativo. Associada a esses ataques referendários tem vindo outra questão interessante: devem respeitar-se os resultados de um referendo mesmo quando ele não é vinculativo? O facto é que, mesmo que alguns partidos tomem por "vinculativos" referendos com abstenção maioritária, os efeitos jurídicos da não vinculação não se dissolvem. E assim se abre campo a um jogo do gato e do rato na arena da democracia.

Luís Aguiar-Conraria, Professor de Economia na Universidade do Minho, publica hoje, numa coluna de Opinião do suplemento Economia do quotidiano Público, um texto que ajuda a compreender o mecanismo subjacente à questão do caractér vinculativo dos referendos. Felizmente, o artigo - que, além de ser notável, apresenta uma proposta muito inteligente - está também disponível no blogue do seu autor (A destreza das dúvidas). Podem, portanto, com muito proveito, lê-lo em linha clicando já aqui em ... Quanto vale uma abstenção?

As ilusões dos filósofos

Antes eram as ilusões dos filósofos. Hoje, os cientistas arrogantes (que os há) acreditam que as ilusões só acontecem aos outros. Que só os outros vêem no mundo o que só existe na sua mente. E, na verdade, se a história ensina alguma coisa, vêem claramente visto o que amanhã outros verão como claramente não visto. Enfim: sendo as ciências filhas da filosofia, quem sai aos seus não degenera. Ou sim?


"Les tourbillons".
Ilustração de Principia philosophiae, René Descartes, 1644.

29.3.07

Torga, PIDE, memórias e esquecimentos

10:50
No ano do centenário do nascimento de Miguel Torga, a Biblioteca Nacional coloca à disposição do público processos da PIDE que tomavam como alvo esse médico (Adolfo Correia Rocha) que era o homem que dava o corpo ao escritor. A imagem abaixo é uma das muitas disponíveis no sítio da Torre Tombo (ver secção "Documento do Mês"). (Clicar na imagem para aumentar.)

As asas de Gabriel e os excessivos ornamentos

«Durante uma visita a Florença (…) fiquei fascinado pela "anatomia comparada" das asas de Gabriel, como se encontram representadas pelos grandes pintores de Itália. As caras de Maria e Gabriel são muito belas e os seus gestos frequentemente muito expressivos; no entanto, as asas pintadas por Fra Angelico ou Martini parecem rígidas e sem vida, apesar da beleza da sua intrincada plumagem. Mas depois vi a versão de Leonardo. As asas de Gabriel são tão flexíveis e graciosas que dificilmente me preocupei em estudar a sua cara ou notar o impacte que tinha em Maria. Até que reconheci a origem da diferença. Leonardo, que estudou pássaros e compreendeu a aerodinâmicas das asas, pintara uma máquina funcional nas costas de Gabriel. As suas asas são simultaneamente belas e eficientes, possuem não só a orientação e a curvatura correctas, mas também a disposição certa das penas. Tivesse Gabriel sido um pouco mais leve e poderia ter voado sem intervenção divina. Em contraste, o Gabriel de outros pintores transporta ornamentos fracos e estranhos que nunca poderiam funcionar.»
Stephen Jay Gould, in O Polegar do Panda , Gradiva (p.343)


Leonardo Da Vinci, A Anunciação, c. 1474

28.3.07

Com o nu me escondes a verdade


«Na Europa, a verdade reside no que é desvelado, é a aletéia [dos gregos], enquanto que no Japão o que é mais importante é o que está escondido. Tanto assim é que o nu só acederá ao seu próprio valor sob as vestes. De tal sorte é a incomensurável distância que separa estas duas civilizações!»
(Hisayasu Nakagawa, Introduction à la culture japonaise, p. 101)


Utamaro Kitagawa, “Fonte de poema”: quarto no primeiro andar (as reproduções ocidentais costumam assumir o título "Os Amantes").
(Kitagawa é um dos artistas mais populares no Japão da segunda metade do século XVIII, mas tem outras obras que correspondem pouco à idealização que Nakagawa nos propõe...)