15.11.24

Fórum Europeu sobre o Futuro dos Partidos Políticos


Republico aqui, para registo, o texto que publiquei na edição de ontem do Acção Socialista.

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Teve lugar, na passada semana (7 e 8 de novembro), em Roma, mais uma edição do Fórum Europeu sobre o Futuro dos Partidos Políticos, no qual tive a oportunidade de participar, a convite dos organizadores. Dessa realização dou nota sumária neste apontamento.

O Fórum tem vindo a decorrer há já sete anos, organizado pela Fundação Friedrich Ebert, em colaboração com o Instituto Universitário Europeu, de Florença, e, este ano, reuniu académicos (principalmente de ciência política) e políticos no ativo desenvolvendo a sua investigação e/ou ação na Áustria, Bulgária, Chéquia, Croácia, Eslováquia, Eslovénia, Espanha, França, Grécia, Hungria, Itália, Polónia, Portugal, Roménia, Suécia, Suíça e Estados Unidos da América.

O tema deste ano foi “Para além da social-democracia: a transformação da esquerda nas sociedades do conhecimento emergentes” e foi abordado neste Fórum a partir dos trabalhos que se encontram refletidos no livro Beyond Social Democracy: the Transformation of the Left in Emerging Knowledge Societies, publicado este ano pela Cambridge University Press, tendo como organizadores Silja Häusermann, da Universidade de Zurique, e Herbert Kitschelt, da Universidade de Duke (na Carolina do Norte, EUA).

Sem prejuízo de, em edições futuras, darmos informação mais circunstanciada sobre os debates ocorridos neste Fórum, deixamos, desde já, breve apontamento sobre algumas das questões mais salientes que foram, nesta ocasião, abordadas.

A grande novidade das discussões deste ano, que, mais uma vez, se integram numa linhagem de investigação sobre o campo da social-democracia como corrente de ação política, e que (desde há alguns anos) nunca deixam de refletir sobre o chamado declínio eleitoral da social-democracia, foi o enquadramento mais abrangente: em vez de pensarmos apenas nos partidos da social-democracia tradicional (incluindo os que escolheram uma das designações historicamente equivalentes, como sejam os socialistas democráticos ou os trabalhistas), pensamos num campo mais plural da esquerda democrática. Isto é: há, hoje, em vários países, formações políticas que, concorrendo eleitoralmente com os tradicionais partidos da social-democracia, não deixam de ter um ideário também ele social-democrata (mesmo que não o admitam explicitamente). Ora, no quadro dos desafios enfrentados hoje pela esquerda democrática, não deixaria de ser pertinente pensar a ação política sem desatender da importância de contar com esses partidos para construir blocos políticos e sociais amplos, capazes de fazer avançar a ação social-democrata para além das fronteiras orgânicas estritas dos tradicionais partidos desse campo.

Um exemplo das questões suscitadas por esta linha de análise é o seguinte: um partido da área da social-democracia pode escolher um posicionamento político, face a outras partidos da esquerda democrática e face a partidos da direita, que o engrandece eleitoralmente à custa desses outros partidos quando, afinal, eles poderiam ser futuros parceiros. Isso pode garantir um certo sucesso eleitoral relativo, no imediato, mas sem retirar um voto à direita - e, portanto, potencialmente, ficando-se pela redistribuição de votos dentro da esquerda e deixando à direita a maior margem de manobra. Entretanto, essa não é a única opção: um partido da social-democracia tradicional pode, mesmo que com algum risco político, procurar captar eleitorado que oscila entre a direita democrática e a esquerda democrática, de modo a conseguir ampliar a força do conjunto da esquerda democrática, mesmo que isso implique perder algum eleitorado para outros partidos dessa esquerda democrática. Esta opção poderia ser mais arriscada para um determinado partido, mas tornar-se mais vantajosa para o conjunto do campo da social-democracia. (Em termos de teoria dos jogos, o risco seria que a estratégia “egoísta” tenderia a ser a “estratégia dominante”, quer na ótica da competição entre partidos da esquerda, quer na ótica da competição entre esquerda e direita.)

Evidentemente, este tipo de raciocínio não é um raciocínio puramente tático, nem puramente eleitoral. Este tipo de raciocínio torna-se relevante para responder, quer à realidade da crescente fragmentação política e partidária que se tem verificado em muitas democracias, quer para responder politicamente a um desafio de fundo que enfrentam as esquerdas em muitos países. O desafio de fundo é a existência de várias esquerdas, nem sempre compatíveis entre si no que toca a definir rumos para as políticas públicas: desde uma esquerda mais tradicional, com opções políticas marcadamente desenhadas a partir da economia e do programa de redistribuição como caminho para menor desigualdade e mais justiça social, passando por uma esquerda mais focada em valores liberais ou libertários, ligados à promoção dos direitos individuais como dimensão irrenunciável de uma democracia aprofundada, até esquerdas mais conservadoras em termos de valores, embora reivindicativas em termos socioeconómicos (por exemplo, as tensões acerca da imigração ou das agendas de novos direitos, tensões envolvendo algumas correntes da esquerda). O ponto é que esta análise não se esgota na consideração de posicionamentos ideológicos: ela corresponde, na realidade de muitos países, a diferenças profundas na composição social dos eleitorados de diferentes partidos de esquerda. Portanto, não é o “mero” campo das ideias, ou do simbólico, que está em questão; estão em questão diferenças sociais reais que reclamam soluções políticas diferentes e, por vezes, até, pelo menos à primeira vista, contraditórias.

Não sendo possível, no espaço de um artigo de jornal, dar nota da riqueza de todos os debates que tiveram lugar neste Fórum, voltaremos, logo que possível, a reportar aspetos do rico conteúdo deste Fórum.

Entretanto, deixamos uma sugestão. O livro que, como mencionado acima, providenciou os trabalhos de partida para este Fórum, encontra-se disponível, para ser descarregado gratuitamente, de forma legal, no sítio da editora, no seguinte endereço: Beyond Social Democracy: the Transformation of the Left in Emerging Knowledge Societies .



Porfírio Silva, 15 de novembro de 2024
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