Teve lugar, na passada semana (7 e 8 de novembro), em Roma,
mais uma edição do Fórum Europeu sobre o Futuro dos Partidos Políticos, no qual
tive a oportunidade de participar, a convite dos organizadores. Dessa
realização dou nota sumária neste apontamento.
O Fórum tem vindo a decorrer há já sete anos, organizado
pela Fundação Friedrich Ebert, em colaboração com o Instituto Universitário
Europeu, de Florença, e, este ano, reuniu académicos (principalmente de ciência
política) e políticos no ativo desenvolvendo a sua investigação e/ou ação na Áustria,
Bulgária, Chéquia, Croácia, Eslováquia, Eslovénia, Espanha, França, Grécia,
Hungria, Itália, Polónia, Portugal, Roménia, Suécia, Suíça e Estados Unidos da
América.
O tema deste ano foi “Para além da social-democracia: a
transformação da esquerda nas sociedades do conhecimento emergentes” e foi
abordado neste Fórum a partir dos trabalhos que se encontram refletidos no
livro Beyond Social Democracy: the Transformation of the Left in Emerging
Knowledge Societies, publicado este ano pela Cambridge University Press, tendo
como organizadores Silja Häusermann, da Universidade de Zurique, e Herbert
Kitschelt, da Universidade de Duke (na Carolina do Norte, EUA).
Sem prejuízo de, em edições futuras, darmos informação mais
circunstanciada sobre os debates ocorridos neste Fórum, deixamos, desde já,
breve apontamento sobre algumas das questões mais salientes que foram, nesta
ocasião, abordadas.
A grande novidade das discussões deste ano, que, mais uma
vez, se integram numa linhagem de investigação sobre o campo da
social-democracia como corrente de ação política, e que (desde há alguns anos)
nunca deixam de refletir sobre o chamado declínio eleitoral da
social-democracia, foi o enquadramento mais abrangente: em vez de pensarmos
apenas nos partidos da social-democracia tradicional (incluindo os que
escolheram uma das designações historicamente equivalentes, como sejam os
socialistas democráticos ou os trabalhistas), pensamos num campo mais plural da
esquerda democrática. Isto é: há, hoje, em vários países, formações políticas
que, concorrendo eleitoralmente com os tradicionais partidos da
social-democracia, não deixam de ter um ideário também ele social-democrata
(mesmo que não o admitam explicitamente). Ora, no quadro dos desafios
enfrentados hoje pela esquerda democrática, não deixaria de ser pertinente
pensar a ação política sem desatender da importância de contar com esses
partidos para construir blocos políticos e sociais amplos, capazes de fazer
avançar a ação social-democrata para além das fronteiras orgânicas estritas dos
tradicionais partidos desse campo.
Um exemplo das questões suscitadas por esta linha de análise
é o seguinte: um partido da área da social-democracia pode escolher um
posicionamento político, face a outras partidos da esquerda democrática e face
a partidos da direita, que o engrandece eleitoralmente à custa desses outros
partidos quando, afinal, eles poderiam ser futuros parceiros. Isso pode
garantir um certo sucesso eleitoral relativo, no imediato, mas sem retirar um
voto à direita - e, portanto, potencialmente, ficando-se pela redistribuição de
votos dentro da esquerda e deixando à direita a maior margem de manobra.
Entretanto, essa não é a única opção: um partido da social-democracia
tradicional pode, mesmo que com algum risco político, procurar captar
eleitorado que oscila entre a direita democrática e a esquerda democrática, de
modo a conseguir ampliar a força do conjunto da esquerda democrática, mesmo que
isso implique perder algum eleitorado para outros partidos dessa esquerda
democrática. Esta opção poderia ser mais arriscada para um determinado partido,
mas tornar-se mais vantajosa para o conjunto do campo da social-democracia. (Em
termos de teoria dos jogos, o risco seria que a estratégia “egoísta” tenderia a
ser a “estratégia dominante”, quer na ótica da competição entre partidos da
esquerda, quer na ótica da competição entre esquerda e direita.)
Evidentemente, este tipo de raciocínio não é um raciocínio
puramente tático, nem puramente eleitoral. Este tipo de raciocínio torna-se
relevante para responder, quer à realidade da crescente fragmentação política e
partidária que se tem verificado em muitas democracias, quer para responder
politicamente a um desafio de fundo que enfrentam as esquerdas em muitos
países. O desafio de fundo é a existência de várias esquerdas, nem sempre
compatíveis entre si no que toca a definir rumos para as políticas públicas:
desde uma esquerda mais tradicional, com opções políticas marcadamente
desenhadas a partir da economia e do programa de redistribuição como caminho
para menor desigualdade e mais justiça social, passando por uma esquerda mais
focada em valores liberais ou libertários, ligados à promoção dos direitos
individuais como dimensão irrenunciável de uma democracia aprofundada, até
esquerdas mais conservadoras em termos de valores, embora reivindicativas em
termos socioeconómicos (por exemplo, as tensões acerca da imigração ou das
agendas de novos direitos, tensões envolvendo algumas correntes da esquerda). O
ponto é que esta análise não se esgota na consideração de posicionamentos
ideológicos: ela corresponde, na realidade de muitos países, a diferenças
profundas na composição social dos eleitorados de diferentes partidos de
esquerda. Portanto, não é o “mero” campo das ideias, ou do simbólico, que está
em questão; estão em questão diferenças sociais reais que reclamam soluções
políticas diferentes e, por vezes, até, pelo menos à primeira vista,
contraditórias.
Não sendo possível, no espaço de um artigo de jornal, dar nota da riqueza de todos os debates que tiveram lugar neste Fórum, voltaremos, logo que possível, a reportar aspetos do rico conteúdo deste Fórum.
Entretanto, deixamos uma sugestão. O livro que, como mencionado acima, providenciou os trabalhos de partida para este Fórum, encontra-se disponível, para ser descarregado gratuitamente, de forma legal, no sítio da editora, no seguinte endereço: Beyond Social Democracy: the Transformation of the Left in Emerging Knowledge Societies .