30.11.24
O que esperar de António Costa?
15.11.24
Fórum Europeu sobre o Futuro dos Partidos Políticos
Teve lugar, na passada semana (7 e 8 de novembro), em Roma,
mais uma edição do Fórum Europeu sobre o Futuro dos Partidos Políticos, no qual
tive a oportunidade de participar, a convite dos organizadores. Dessa
realização dou nota sumária neste apontamento.
O Fórum tem vindo a decorrer há já sete anos, organizado
pela Fundação Friedrich Ebert, em colaboração com o Instituto Universitário
Europeu, de Florença, e, este ano, reuniu académicos (principalmente de ciência
política) e políticos no ativo desenvolvendo a sua investigação e/ou ação na Áustria,
Bulgária, Chéquia, Croácia, Eslováquia, Eslovénia, Espanha, França, Grécia,
Hungria, Itália, Polónia, Portugal, Roménia, Suécia, Suíça e Estados Unidos da
América.
O tema deste ano foi “Para além da social-democracia: a
transformação da esquerda nas sociedades do conhecimento emergentes” e foi
abordado neste Fórum a partir dos trabalhos que se encontram refletidos no
livro Beyond Social Democracy: the Transformation of the Left in Emerging
Knowledge Societies, publicado este ano pela Cambridge University Press, tendo
como organizadores Silja Häusermann, da Universidade de Zurique, e Herbert
Kitschelt, da Universidade de Duke (na Carolina do Norte, EUA).
Sem prejuízo de, em edições futuras, darmos informação mais
circunstanciada sobre os debates ocorridos neste Fórum, deixamos, desde já,
breve apontamento sobre algumas das questões mais salientes que foram, nesta
ocasião, abordadas.
A grande novidade das discussões deste ano, que, mais uma
vez, se integram numa linhagem de investigação sobre o campo da
social-democracia como corrente de ação política, e que (desde há alguns anos)
nunca deixam de refletir sobre o chamado declínio eleitoral da
social-democracia, foi o enquadramento mais abrangente: em vez de pensarmos
apenas nos partidos da social-democracia tradicional (incluindo os que
escolheram uma das designações historicamente equivalentes, como sejam os
socialistas democráticos ou os trabalhistas), pensamos num campo mais plural da
esquerda democrática. Isto é: há, hoje, em vários países, formações políticas
que, concorrendo eleitoralmente com os tradicionais partidos da
social-democracia, não deixam de ter um ideário também ele social-democrata
(mesmo que não o admitam explicitamente). Ora, no quadro dos desafios
enfrentados hoje pela esquerda democrática, não deixaria de ser pertinente
pensar a ação política sem desatender da importância de contar com esses
partidos para construir blocos políticos e sociais amplos, capazes de fazer
avançar a ação social-democrata para além das fronteiras orgânicas estritas dos
tradicionais partidos desse campo.
Um exemplo das questões suscitadas por esta linha de análise
é o seguinte: um partido da área da social-democracia pode escolher um
posicionamento político, face a outras partidos da esquerda democrática e face
a partidos da direita, que o engrandece eleitoralmente à custa desses outros
partidos quando, afinal, eles poderiam ser futuros parceiros. Isso pode
garantir um certo sucesso eleitoral relativo, no imediato, mas sem retirar um
voto à direita - e, portanto, potencialmente, ficando-se pela redistribuição de
votos dentro da esquerda e deixando à direita a maior margem de manobra.
Entretanto, essa não é a única opção: um partido da social-democracia
tradicional pode, mesmo que com algum risco político, procurar captar
eleitorado que oscila entre a direita democrática e a esquerda democrática, de
modo a conseguir ampliar a força do conjunto da esquerda democrática, mesmo que
isso implique perder algum eleitorado para outros partidos dessa esquerda
democrática. Esta opção poderia ser mais arriscada para um determinado partido,
mas tornar-se mais vantajosa para o conjunto do campo da social-democracia. (Em
termos de teoria dos jogos, o risco seria que a estratégia “egoísta” tenderia a
ser a “estratégia dominante”, quer na ótica da competição entre partidos da
esquerda, quer na ótica da competição entre esquerda e direita.)
Evidentemente, este tipo de raciocínio não é um raciocínio
puramente tático, nem puramente eleitoral. Este tipo de raciocínio torna-se
relevante para responder, quer à realidade da crescente fragmentação política e
partidária que se tem verificado em muitas democracias, quer para responder
politicamente a um desafio de fundo que enfrentam as esquerdas em muitos
países. O desafio de fundo é a existência de várias esquerdas, nem sempre
compatíveis entre si no que toca a definir rumos para as políticas públicas:
desde uma esquerda mais tradicional, com opções políticas marcadamente
desenhadas a partir da economia e do programa de redistribuição como caminho
para menor desigualdade e mais justiça social, passando por uma esquerda mais
focada em valores liberais ou libertários, ligados à promoção dos direitos
individuais como dimensão irrenunciável de uma democracia aprofundada, até
esquerdas mais conservadoras em termos de valores, embora reivindicativas em
termos socioeconómicos (por exemplo, as tensões acerca da imigração ou das
agendas de novos direitos, tensões envolvendo algumas correntes da esquerda). O
ponto é que esta análise não se esgota na consideração de posicionamentos
ideológicos: ela corresponde, na realidade de muitos países, a diferenças
profundas na composição social dos eleitorados de diferentes partidos de
esquerda. Portanto, não é o “mero” campo das ideias, ou do simbólico, que está
em questão; estão em questão diferenças sociais reais que reclamam soluções
políticas diferentes e, por vezes, até, pelo menos à primeira vista,
contraditórias.
Não sendo possível, no espaço de um artigo de jornal, dar nota da riqueza de todos os debates que tiveram lugar neste Fórum, voltaremos, logo que possível, a reportar aspetos do rico conteúdo deste Fórum.
Entretanto, deixamos uma sugestão. O livro que, como mencionado acima, providenciou os trabalhos de partida para este Fórum, encontra-se disponível, para ser descarregado gratuitamente, de forma legal, no sítio da editora, no seguinte endereço: Beyond Social Democracy: the Transformation of the Left in Emerging Knowledge Societies .
5.11.24
Recusemos as agendas míopes
Deixo aqui, para registo, o editorial do Acção Socialista publicado na edição de ontem, 4 de novembro de 2024, da minha responsabilidade como diretor desse órgão de informação do PS.
Recusemos as agendas míopes
Porque é que os partidos socialistas e sociais-democratas não são hoje revolucionários e são partidos gradualistas, que procuram melhorar a condição das pessoas cuja vida depende do seu trabalho, partidos que trabalham para avanços incrementais, que não jogam tudo ou nada numa “futura sociedade socialista”, que procuram melhorias passo a passo? Não é porque tenham perdido o sentido da utopia; é porque aprenderam, historicamente, que o foco exclusivo na agenda do proletariado não permitia progressos sociais significativos. Compreenderam que uma agenda mais vasta – a agenda da democracia, a agenda da construção de instituições democráticas – que não interessa apenas ao proletariado, mas também a outros grupos sociais – dava mais ferramentas de luta, reunia forças mais vastas, abria mais portas para concretizar objetivos de primeira importância para o interesse dos trabalhadores. E essas conquistas podiam enraizar-se mais solidamente em instituições democráticas. É dessa compreensão que nasce o socialismo democrático, ou a social-democracia, e que nascem os avanços sociais que têm sido possíveis por ação desta corrente política há mais de um século. A agenda do mundo do trabalho obteve vitórias mais profundas e duradouras por se ter incrustado na agenda da república democrática.
Hoje, de novo, os combates dos socialistas contra as desigualdades injustas, pelo trabalho como expressão de humanidade que não pode ser encarado como uma mercadoria, pela solidariedade organizada, esses combates só podem ser eficaz e eficientemente travados e vencidos se forem embutidos numa agenda mais vasta – a agenda dos direitos humanos. A nossa Constituição, ao definir Portugal, logo no seu artigo 1º, como uma República baseada na dignidade da pessoa humana, dá o rumo: o exercício de todos os direitos, bem como a assunção de todos os deveres, tem como horizonte a dignidade da pessoa humana. De toda a pessoa humana. Hoje, num mundo empestado de tentativas sistemáticas para dividir os povos em categorias estanques com critérios de oportunismo e de propaganda (como aqueles que falam de “portugueses de bem” para diminuir os que não sejam seus apaniguados), o primeiro inimigo de qualquer luta por direitos sociais é a desconsideração dos direitos humanos na sua universalidade. Num mundo atacado por populismos agressivos, a única estratégia possível para defender as conquistas sociais é não vacilar em matéria de direitos humanos, em matéria de dignidade da pessoa humana. Qualquer cedência ou fraqueza nossa em matéria de direitos humanos e de dignidade da pessoa humana será paga, mais cedo ou mais tarde, em retrocessos sociais.
Essa é uma razão sólida para recusarmos agendas míopes, agenda imediatistas (pensar apenas na próxima eleição faz-nos correr o risco de perder a alma… e perder a próxima eleição).
O Secretário-Geral do PS, intervindo no encerramento do debate na generalidade do OE para 2025, deu ao país um bom exemplo prático de como se recusam agendas míopes. Afirmou, a dado ponto: “Para o atual Governo – como para toda a Direita – o conceito de Segurança limita-se à segurança da integridade física e da propriedade. Uma resposta que acaba sempre por falhar, porque não entendem que as sociedades mais seguras são as mais coesas e estáveis – e que as sociedades com maiores níveis de exclusão e de desigualdades são também as mais inseguras e as mais violentas.” Lá está: uma agenda míope para a segurança é uma agenda meramente securitária; uma agenda de vistas largas, uma agenda responsável para a segurança entra em conta com a coesão social. E, logo de seguida, disse ainda Pedro Nuno Santos: “Sabemos que, quando a insegurança e a instabilidade são endémicas, a esperança pode ser derrotada pelo medo. E todos sabemos que há na Política quem viva do medo, quem se alimente do medo, quem promova o medo.” E logo reafirmou, em nosso nome, em nome dos socialistas, que derrotaremos os que promovem o medo. Lá está: uma agenda de vistas largas para a segurança é uma agenda que recusa o medo, que recusa a promoção do medo.
É disso que precisamos, precisámos sempre e precisamos especialmente nos tempos difíceis que vivem hoje os democratas por todo o mundo: recusar agendas míopes, recusar agendas oportunistas, recusar ceder ao medo (e recusar a promoção do medo), lutar no quadro de uma ampla agenda democrática, de uma agenda de direitos humanos e de dignidade da pessoa humana – a única agenda capaz de reunir as forças suficientes para impedir recuos nas conquistas sociais. E, tendo a ventura de viver num país com uma Constituição democrática, traçar uma linha clara assente na proteção constitucional da dignidade da pessoa humana e na defesa da legalidade democrática.