Um conjunto de personalidades assinam um manifesto que dizem ser pela liberdade de educação, mas que, na realidade, dá voz à pretensão de transformar a educação na escola pública num supermercado em que cada um leva o que quer, deixando assim as nossas crianças e jovens reféns de qualquer seita a que pertençam os encarregados de educação das crianças e jovens que frequentam a escolaridade obrigatória e que, por causa dos preceitos dessa seita, queiram impedir a aprendizagem de certos conteúdos. Não vou aqui entrar no exercício de demonstrar a quantidade de mentiras que têm sido propaladas acerca do caso de Vila Nova de Famalicão, outros tratam disso com mais clareza do que eu. Basta dizer, para perceber o que está em causa, que, se aceitarmos a bitola do caso vertente e aceitarmos a versão que dele faz o dito manifesto, as nossas crianças e jovens deixam de ter direito à educação plural e aberta que lhes oferece a escola pública e passam a estar sob a ameaça de terem que se limitar, por exemplo, a uma geografia onde se ensine que a Terra é plana e uma biologia que negue a teoria da evolução e se limite a explanar uma qualquer teoria criacionista. Sim, porque o manifesto pela "liberdade de educação" é um manifesto a favor de que as famílias possam impedir as suas crianças e jovens de contactarem com o mundo plural de conhecimentos admitidos como relevantes para a formação de cidadãos livres.
Entretanto, reparo que aparece como um dos porta-vozes desse manifesto pela educação de seita uma personalidade com quem tive, há anos, um contacto directo que é muito relevante para apreciarmos o seu tamanho apego à liberdade. Refiro-me a Manuel Braga da Cruz, que, enquanto Reitor da Universidade Católica, que era ao tempo, operacionalizou uma decisão que diz muito do seu apego à liberdade na educação. Tendo eu sido, por concurso, seleccionado para leccionar Filosofia na Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa, e depois de me ter sido comunicada por escrito essa decisão, foi a mesma posteriormente anulada por uma razão puramente ideológica: teria eu subscrito um abaixo-assinado “contra a vinda do Papa a Portugal”. (O que, aliás, era mentira: o que a petição que subscrevi contestava não era a vinda do Papa a Portugal, nem o seu devido acolhimento, mas sim contra o facto de altos magistrados do Estado português confundirem e misturarem a condição de Chefe do Estado do Vaticano com a condição de líder religioso.)
Os factos mencionados são de 2011 e foram denunciados publicamente neste mesmo blogue (com posterior replicação em diversos órgãos de comunicação social, a partir dessa única fonte). Pode ler-se o texto aqui: Uma história pouco católica.
É este o tipo de liberdade que defendem os subscritores do manifesto?
Porfírio Silva, 3 de Setembro de 2020