7.10.19

Esquerda Plural, Legislatura 2


Os resultados eleitorais, e a sua projecção no futuro, merecem-me, em reacção imediata, as seguintes observações principais:

(1) A esquerda plural reforçou-se significativamente. No seu conjunto, os partidos que deram uma legislatura de progresso ao país foram confirmados pela escolha popular. Contudo, em números, só o PS contribui para esse reforço. O Livre junta-se, com todo o mérito, a uma esquerda plural de que, embora fora do parlamento, esse partido é co-autor político e ideológico. Este reforço da esquerda plural só foi possível porque o PS mantém a sua identidade fundamental de partido da esquerda democrática, europeísta convicto mas crítico, apostado no reforço do Estado Social de Direito. Este reforço não teria sido possível se o PS tivesse querido imitar os seus parceiros.

(2) O PS assume-se como a força motriz da esquerda plural, o seu principal agregador, a casa mais aberta e mais expansiva das forças progressistas em Portugal. Depois de uma campanha onde foi preciso clarificar alguns aspectos da interacção política à esquerda (designadamente, foi preciso clarificar alguns aspectos da relação com o BE), António Costa assumiu, com o discurso da vitória, que o papel do PS é ser o garante e o esteio de uma solução política e governativa que honre a legislatura passada e leve a esquerda plural para novos patamares de exigência e de realização. Para isso, é preciso construir uma solução de estabilidade, construir uma maioria com um programa coerente e uma governação de rumo claro. O país não perdoaria ao PS se os socialistas quisessem dispor dos seus parceiros à la carte, consoante o vento do dia. Do mesmo modo, o país não perdoará às outras esquerdas se se encolherem para um quotidiano de tacticismo e renunciarem a um compromisso com um caminho claro.

(3) O CDS implodiu porque o seu eleitorado não suportou a transformação de um partido estruturalmente conservador num partido extremista, na política e na retórica. É mais um caso da crise europeia dos partidos democratas-cristãos, que se tornaram frequentemente um motivo de escândalo para os antigos seguidores da doutrina social da Igreja. Já o PSD de Rui Rio resistiu (apesar de alguns percalços discursivos) à deriva populista e à radicalização ideológica. Pode ser que Rui Rio consiga resistir ao assalto do passismo, evitando a transformação do PSD numa espécie de Iniciativa Liberal encaixada no sistema, que é o que desejariam muitos dos opositores à actual direcção. O país precisa de uma direita democrática aberta ao progresso social… mas não está fácil conseguir tal desiderato…

(4) A chegada da extrema-direita ao parlamento é um desafio gigantesco. Não será fácil lidar com esse facto. Podem acentuar-se os factores de convergência desse extremismo com os indicadores de disrupção do contrato social que são representados, por exemplo, pelos chamados “novos sindicatos”. Há, pois, vectores das políticas públicas que têm claramente de continuar a ser reforçados, como seja o combate às desigualdades sociais, que são escandalosamente compressoras da igualdade, criando lastro para os extremismos alimentados pela exclusão. Mas, ao mesmo tempo, precisamos de tolerância zero na defesa das liberdades, especialmente quando elas podem agora ser atacadas a partir da própria instituição parlamentar. Ao mesmo tempo, uma solução política para o país, assente numa esquerda plural, tem de ser também capaz de gerar uma resposta no plano das dinâmicas sociais, não apenas uma resposta institucional. Mais política democrática é precisa, mas também mais participação social e mais cidadania activa. Os partidos precisam de se reinventar, para se tornarem mais movimentos sociais e menos máquinas eleitorais.

(5) O reforço do PAN exige aos partidos democráticos um suplemento de debate político. Esse partido – não necessariamente na sua orgânica, mas na sua mensagem cultural subliminar e em algumas propostas – mistura preocupações com o ambiente e o planeta (preocupações justas e urgentes) com tendências antidemocráticas na forma como aborda problemas de sociedade que não nos podem deixar indiferentes. Temos de saber destrinçar as diferentes camadas da mensagem do PAN e forçar um debate clarificador, deixando de recorrer ao silêncio ou à indiferença como forma de tratar as suas propostas. Há no PAN correntes que vêm o partido como uma força social-democrata ambientalista, mas também há pulsões neo-animistas tintadas com um irracionalismo preocupante. O que a política democrática precisa é de clarificação – e, em geral, o seu adiamento não é remédio, mas sim veneno.

No essencial, a estratégia seguida pela direcção do PS, sob a liderança de António Costa, tem sido boa para o país e para os socialistas. Naturalmente, de fase para fase a exigência aumenta. Não podemos falhar a etapa que agora se abre, conseguindo uma nova legislatura de progresso social e económico, suportado numa estabilidade política garantida pela esquerda plural.



Porfírio Silva, 7 de Outubro de 2019
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