13.1.19

O deputado António Barreto



António Barreto publica hoje um artigo no Público, intitulado "Em defesa do Parlamento".

Nesse artigo, atribui aos deputados um conjunto de vilanias. Algumas acontecem, outras parece que aconteciam no tempo em que António Barreto era deputado, embora não seja claro se o próprio António Barreto confunde ou é capaz de distinguir o que se fazia no seu tempo e o que se faz agora.

Manifestamente, no que toca ao funcionamento político do parlamento, António Barreto não quer, ou não sabe, fazer as distinções que devem ser feitas. Por exemplo, no grupo parlamentar do PS há liberdade de voto. Os deputados socialistas só têm de seguir a orientação de voto decidida (pelo próprio grupo ou pelo partido) num pequeníssimo número de votações decisivas, tais como orçamento de Estado, programa de governo, moções de confiança ou de censura. Tirando essas situações, que me parecem plenamente justificáveis, somos sempre responsáveis pessoalmente pelo nosso voto, a cada sexta-feira (e, claro, mesmo nas votações fora das sextas-feiras).

Também no que toca a desonestidades (efectiva falta de respeito pela ética republicana, aproveitamento de mecanismos parlamentares para ganhar alguma vantagem indevida), António Barreto parece ignorar que, ao longo do tempo, a Assembleia da República se tornou muito mais exigente consigo própria, muito mais controlada, muito mais dotada de meios para desincentivar comportamentos incorrectos ou desleais para com a instituição e a cidadania.

Tudo isso podia ser analisado à lupa, para mostrar que António Barreto tem, neste artigo, o mesmo rigor daqueles que criticam os deputados por terem reformas especiais, coisa que não existe (enquanto, por exemplo, se ficarem desempregados deixando de ser deputados não têm qualquer apoio nessa situação). Não vou fazer esse exercício. Na verdade, só me decidi a escrever esta nota quando li a seguinte frase de António Barreto: “Com inusitada frequência surgem no espaço público notícias sobre irregularidades e vilanagem. E logo se ouve um deputado declarar que tem ‘a consciência tranquila’, cliché cada vez mais utilizado pelos corruptos.”

Pois, António Barreto, eu também lhe digo, a si e a quem quer que seja, que tenho a consciência tranquila. E não lhe admito que, só porque lhe apetece, ou porque dá jeito à sua tese, me associe aos corruptos. Os políticos não são todos iguais. Os deputados não são todos iguais. E, por aquilo que vejo (embora eu não ande a investigar os demais), a esmagadora maioria dos deputados não pratica nenhuma daquelas vilanias de que nos acusa. O Parlamento devia fazer mais para evitar a prevaricação de alguns dos seus membros? Concordo. Mas, sejamos honestos, é sempre mais fácil a vida do prevaricador do que a vida do polícia (ou do legislador que define a prevaricação). Quando o polícia corre atrás do ladrão, há sempre quem prefira criticar o polícia por não correr suficientemente rápido – mas esse é um aliado do ladrão, não do polícia ou da lei.

António Barreto foi deputado. Foi ministro. E, no tempo em que foi deputado e ministro, o nosso parlamento tinha práticas muito menos transparentes e muito menos escrutinadas do que aquilo que acontece hoje. Se hoje há vilania, no seu tempo de político activo havia muito mais. Não se trata de um palpite meu: para concluir o que estou a dizer, basta ter acompanhado o percurso de correcções que se foram fazendo ao longo do tempo. Não me lembro de, nessa altura, o António Barreto ter vindo a público criticar algum desses fenómenos. Se estou errado, pode indicar-me algum artigo, alguma intervenção pública, alguma proposta que na altura tenha produzido para corrigir esses fenómenos? Ora, aplicando a sua receita, não vale a pena dizer que isso era com os outros. Se lhe ocorrer dizer que tinha a consciência tranquila, então ou agora, só posso, pela sua própria lógica, dizer-lhe que isso é a conversa dos corruptos.

A conversa de António Barreto é, apesar das falinhas mansas, mais um exemplar do exercício de meter tudo no mesmo saco sem cuidar da justeza do que se diz. Infelizmente, em todo o artigo a que me refiro, surgem muito poucas propostas pela positiva. No seu conjunto, o artigo destina-se apenas a tentar reforçar a tese de que “os políticos/deputados são todos iguais”. Isto é, são todos culpados do que fazem alguns, no que toca às vilanias.

Se eu tiver de aceitar isso, António Barreto terá de aceitar que é muito mais culpado do que eu, porque foi deputado muito antes de mim e não foi capaz de corrigir o sistema. É sabido que há quem esteja, de novo, a procurar melhorar o sistema. O contributo de alguém responsável deverá ser dar ideias, sugestões, fazer propostas para melhorar os procedimentos – em vez de alardear denúncias sem fazer o mínimo esforço propositivo nas matérias criticadas. Eu também não sou o herói capaz de resolver o problema: mas pelo menos não tento meter tudo no mesmo saco.

E, politicamente, também não sacudo a água do capote: coisa que António Barreto faz, ao não assumir que também por lá passou e também não foi capaz de resolver todo este leque de problemas. Se ao menos nos pudesse mostrar que tentou… A verdade é que o deputado António Barreto nunca respondeu pelas vilanias de que hoje acusa os deputados.



Porfírio Silva, 13 de Janeiro de 2019

Print Friendly and PDF