Volta a discutir-se a Educação Física, a necessidade de a valorizar - e se contribuiu para isso que a nota da disciplina conte para a média relevante para o acesso ao Ensino Superior. Deixo aqui alguns elementos de reflexão sobre a questão, tanto em termos substanciais como em termos de processamento político da questão.
Comecemos por um pouco de história política da questão.
Desde 2004 (por iniciativa do Ministro David Justino) até 2012, a disciplina de EF contava para o cálculo da média de acesso ao Ensino Superior e de conclusão do Ensino Secundário. Isso sempre foi encarado com normalidade e nunca houve especial contestação a esse facto.
Em 2012, Nuno Crato, sem consultar ninguém, fez um ataque à EF: por exemplo, reduziu os tempos semanais de EF no Ensino Básico e Secundário. Dessa desvalorização da EF fez parte a decisão de que a disciplina deixava de contar para as médias de conclusão do Secundário e acesso ao Superior. O que Nuno Crato fez em 2012 foi excepcionar a disciplina de EF de todo o modelo de gestão curricular, avaliação e certificação das aprendizagens, foi criar um gueto de excepção para a EF. O que está em causa é desfazer esse ataque à EF e acabar com a excepção, de modo a que a disciplina de EF seja tratada como as restantes disciplinas de carácter obrigatório, cuja classificação conta para todos os efeitos. Note-se que a EF e o Português são as únicas disciplinas que acompanham os alunos desde o 1º ano do 1º CEB até ao 12º ano. Porque são, ambas, fundamentais em termos educativos.
O PS sempre criticou aquela orientação. Na anterior legislatura, o Grupo Parlamentar do PS criticou em plenário aquelas opções de Nuno Crato. Antes das últimas eleições, houve pronunciamentos públicos de deputados do PS a favor da reversão da medida de Nuno Crato.
Contudo, o que importa é sublinhar a linha de rumo: valorizar a Educação Física. O que agora se propõe não se trata de uma medida desgarrada, faz parte de uma estratégia a ser desenvolvida há bastante tempo.
A valorização da Educação Física faz parte do Programa do XXI Governo.
Toda a política pública de Educação deste Governo converge para o objetivo do desenvolvimento integral da pessoa, no que se inclui a cultura física. É assim com o Perfil do Aluno à saída da Escolaridade Obrigatória, onde também contam as aprendizagens relativas à saúde e ao bem-estar, individual e comunitário. É assim com as Orientações Curriculares para a Educação Pré-Escolar, ligadas à estratégia geral de valorização do pré-escolar, que inscreve a EF como um domínio-chave na Área de Expressão e Comunicação. É assim com a valorização da área de EF no 1º Ciclo, por exemplo, não deixando a EF fora das provas de aferição.
Especificamente, no que toca à contagem da EF para a nota do Secundário e para acesso ao Ensino Superior, há um alargado trabalho de auscultação a correr desde 2016 e há um processo legislativo de iniciativa governamental a decorrer desde 2017.
De qualquer modo, o essencial é a questão educativa de base: o que é que, nesta matéria, está em causa quanto à educação integral das pessoas (crianças e jovens) que estudam nas nossas escolas?
O essencial é que a Educação Física é parte essencial da formação que a escola tem de proporcionar às crianças e jovens.
A EF é a única disciplina do currículo que trata das questões da corporalidade, da interacção do corpo com os outros, com o espaço. A EF é uma questão de cultura: cultura física.
Há evidência abundante da necessidade de aumentar a cultura física das nossas crianças e jovens. Ver, por exemplo, os dados COSI (Childhood Obesity Surveillance Initiative, da OMS), que monitoriza regularmente a situação nutricional das crianças em muitos países. Os dados para Portugal evidenciam valores muito elevados de excesso de peso e obesidade das crianças em Portugal.
Está estimado que 80% das crianças e dos jovens em idade escolar apenas praticam actividade física na escola, sendo essa a única via para implementar as recomendações da OMS na matéria.
Pode a escola pública demitir-se das suas responsabilidades nesta matéria?
Analisemos uma objecção no plano instrumental: será que a nota da disciplina de EF prejudica o acesso de alguns alunos ao Ensino Superior?
Tal como os alunos e as famílias hoje experienciam a escola, há um factor incontornável: o que não conta para a nota, não conta. É isso que relatam muitos Encarregados de Educação e essa é uma das razões para muitos apoiarem esta medida. Valorizar a EF não é compatível com a desvalorização avaliativa de uma das duas únicas disciplinas que acompanham os alunos em todos os 12 anos de escolaridade obrigatória.
A nota de EF contar para a média prejudica a “carreira” de estudante? Então e as notas de outras disciplinas não prejudicarão o acesso de outros alunos ao Ensino Superior? No parecer do Conselho das Escolas sobre estas medidas, lê-se: “a solução implementada em 2012 (…), sendo benéfica para muitos alunos, é prejudicial para muitos outros”. Com essa medida do anterior Governo “saíram prejudicados na média final de curso e no concurso de acesso ao ensino superior milhares de alunos do ensino secundário, com magníficas prestações e com excelentes classificações na disciplina de EF.”
O facto de haver muitos políticos e figuras relevantes da sociedade que gostam mais de Literatura ou de Ciências ou de Filosofia do que de EF, não nos deve permitir discriminar contra aqueles para quem a disciplina de EF é a porta para adesão à escola e uma via de crescimento pessoal. Contando com a nota de EF, desce a média de uma pequena minoria dos alunos e sobe a nota da esmagadora maioria dos alunos – pelo que é escandaloso adoptar um argumento que só vale na óptica de uma pequena minoria contra uma esmagadora maioria.
Nada nesta questão é sobre desporto, desempenho, carreiras desportivas. Tudo nesta questão é sobre bem-estar, saúde, fruição do corpo, saber-estar no espaço e na interacção com os outros. Tudo nesta questão é sobre educação integral da pessoa, deixando para trás preconceitos intelectualistas sobre a educação.
Deixo estes elementos para reflexão.
Porfírio Silva, 18 de Abril de 2018