23.1.17

A política do bota-abaixo tornou-se decente?



Antigamente, os partidos tinham posições políticas e procuravam que elas fizessem vencimento. Com maior ou menor sinceridade, procuravam convencer-nos de que tinham essas posições por entenderam que elas eram as melhores para o país. Quando algum adversário político se aproximava de uma posição própria, exultavam: "reconhecem que tínhamos razão". Quando algum partido mudava de posição, por exemplo por ter passado da oposição para o governo, disfarçava o melhor que podia essa incoerência. Era uma certa decência mínima garantida.

Agora, já não. Agora temos um partido que toma posições, não em função do que defende ser o superior interesse do país, mas em função da guerrilha puramente partidária. Independentemente da posição que cada um de nós tenha sobre a descida da TSU das empresas, observamos que o PSD toma uma posição apenas, e só, e sem vergonha de o dizer, porque essa posição lhe parece a que mais dificuldades causa ao governo e à maioria parlamentar. O PSD nem tenta inventar uma explicação honesta para mudar de posição. Simplesmente, chegaram ao cúmulo da pouca-vergonha: a posição que tomam não assenta em nenhum programa, nenhuma ideia para o país. A posição que tomam assenta apenas na ideia de atrapalhar a maioria parlamentar.

Ainda há o extraordinário argumento de que o governo não tentou negociar. É isto: o governo, com o risco de desagradar aos seus parceiros de esquerda, alinhou com uma solução que, a contar com a coerência política do PSD, seria aproximar-se de uma posição política do PSD. Até concordando com as exigências de Marco António Costa, para que a descida da TSU não fosse só para as empresas, mas também para as IPSS. Portanto, o governo aproximou-se da posição do PSD e o PSD queixa-se de que o governo não lhe ligou nenhuma. Concluo que o PSD não queria salvar a sua posição sobre a matéria, o PSD queria apenas uma flor qualquer para colocar na lapela, talvez ao lado do pin de PPC.

Vários opinam que esta mudança é uma magnífica manobra política de PPC. Atrevo-me a dizer que percebo que os dirigentes do PSD prefiram isso à pura irracionalidade política dos últimos meses - porque ficam mais confortáveis com uma linha que são capazes de entender, mesmo que seja disparatada. Atrevo-me também a dizer que ainda consigo espantar-me com o elogio de alguns comentadores a esta estratégia de PPC: porque estão a bater palmas à política do mero bota-abaixo, algo que a generalidade das pessoas com dois dedos de testa sempre rejeitou, por muita raiva que tivessem a este ou aquele adversário político. A próxima vez que algum desses comentadores, que agora bate palmas à nova estratégia de bota-abaixo de PPC, vier falar do radicalismo do BE e do PCP, há que lhes perguntar se não têm vergonha na cara de tanta incoerência.

De qualquer modo, isto só vem dar razão a quem pensa que a maioria parlamentar tem de se dedicar mais seriamente à tarefa de construir uma visão comum para o país que ilumine a legislatura com mais alcance estratégico e mais ambição do que fomos capazes - e bem - nas posições conjuntas.

23 de Janeiro de 2017