4.2.16

postal para Vital Moreira.



Vital Moreira (de quem sou amigo e por quem tenho muita estima) escreve no blogue Causa Nossa que eu fiz "acusações públicas à União Europeia que seriam improváveis há pouco tempo", tomando isso como exemplo de "traços que destoam do tradicional posicionamento do PS no centro-esquerda moderado, aproximando-o dos partidos à sua esquerda".

Sintomaticamente, "ilustra" a acusação remetendo, não para a minha entrevista, apesar de ela estar disponível em linha sem restrições, mas para a leitura/recorte que dela faz o Expresso. Se calhar nunca chegou a ler o original, ou então escreveu o apontamento antes dessa leitura. Aliás, nisso não anda muito longe do que fizeram muitos políticos de direita e comentadores que estão sempre disponíveis para tratar quaisquer pronunciamentos de esquerda como se fossem, por princípio, atentados ao pudor. Isto é, e para sermos claros: é pobre, intelectual e politicamente, atacar uma entrevista sem se dar sequer ao trabalho de argumentar, quer dizer, identificar com alguma precisão o que se está a criticar e dar razões para essa crítica. Infelizmente, e com tristeza o digo, pela consideração que tenho por Vital Moreira, o apontamento dele não é menos abusivo do que o discurso de Paulo Rangel no Parlamento Europeu acerca da minha entrevista.

Infelizmente para a soberba com que alguns se arrogam o papel de sentinelas da ortodoxia pró-europeia, quem saiba ler a minha entrevista e esteja à vontade com o debate democrático não deixaria de perceber uma coisa simples: só um europeísta de esquerda convicto, como eu sou há décadas, se daria ao trabalho de fazer as críticas que faço ao funcionamento da União Europeia, nos pontos em que alguns dos que aplaudem a Europa (em palavras) tudo fazem para a destruir (em actos). Nunca tive medo, nem poupei nas palavras, quando divergi (e continuo a divergir) do eurocepticismo de outras esquerdas. Não aceito, por isso, lições de europeísmo, embora alguns julguem que só se pode ser europeísta aceitando o status quo. Ora, a meu ver, os que estão rendidos ao status quo são exactamente os candidatos a coveiros da Europa.

Um ponto importa: nada do que eu disse, designadamente naquela entrevista, constitui qualquer mudança relativamente à posição tradicional do PS face à Europa. O dispositivo subjacente às palavras de Vital Moreira é conhecido: os defensores da "situação" clamam contra os que têm posições diferentes das suas dizendo que "estão a mudar o que estava bem estabelecido". Fico à espera de que Vital Moreira seja mais concreto e diga com clareza onde é que as minhas palavras constituem mudança em relação à posição de sempre do PS. Porque não constituem.