17.12.15

“A grande coligação é fatal para a democracia europeia”, diz António Costa.


[Reproduzo aqui, para (minha) memória futura, o texto que a jornalista do Expresso Luísa Meireles publicou em antecipação do lançamento do meu livro "E agora, Esquerda?"]


(Lançamento do livro na Assembleia da República. Fotomontagem de Filipe Neto Brandão.)

Líder do PS escreve prefácio para livro de Porfírio Silva “E agora Esquerda?”, onde acentua que a falta de alternativa não só mata a democracia como fortalece os extremismos. O autor é membro do Secretariado Nacional do PS.


A ideia defendida por António Costa é que o regime de “grande coligação” que vigora na Europa, em parte por força da construção específica do modelo, “revela-se fatal para a democracia europeia”. E afirma: “a ideia de que ‘não há alternativa’ mata a democracia e fortalece os extremismos, os nacionalismos, as pulsões antieuropeias ou secessionistas”.

O atual primeiro-ministro considera que, neste modelo, as “linhas de confrontação política nacional tendem a diluir-se na indiferenciação” e que esta grande coligação à escala europeia tem consequências na política de alternativas em cada Estado-membro.

Segundo António Costa, a verdade é que “se a esquerda não sobrevive sem a União Europeia, não é fácil à esquerda viver na União Europeia”.

“Aplicando-se as decisões da União Europeia a cada Estado membro, todos os que defendem a participação na União Europeia confrontam-se com a dificuldade - ou mesmo a impossibilidade - de se afirmarem como alternativa a nível nacional sobre temas objeto de decisão a nível europeu”, escreve Costa.

Segundo o dirigente socialista, “o estreitamento das margens da alternativa entre as forças defensoras da integração europeia tende a facilitar a confusão entre o espaço do euroceticismo e o espaço das alternativas”.

Neste sentido, conclui, os anos “devastadores” que ocorreram e a insuficiência das instituições europeias na crise exigem agora novas respostas à escala europeia, para o que “deverá contribuir uma nova relação das esquerdas com a Europa, o que, por sua vez, passa por novas formas de relação entre as esquerdas”.


Uma solução sempre em aberto

O livro de Porfírio Silva, membro do secretariado do PS e um dos ideólogos da política de alargamento do debate entre as esquerdas e do diálogo do seu partido com “a esquerda à esquerda do PS”, reúne um conjunto de escritos, desde o período das primárias até 10 de novembro, data da assinatura dos acordos entre PS-Bloco de Esquerda-PCP e da subsequente queda do Governo da coligação.

Segundo este dirigente socialista, a relação sem precedentes que se estabeleceu entre os partidos de esquerda “não é uma relação qualquer de convergência sistemática ou solução para todos os problemas, mas de diálogo aberto”.
Porfírio Silva quer também mostrar que a aposta nesta solução não caiu do céu, que ela já vinha sendo pensada há mais tempo e que ele próprio sempre a defendeu.

“Há quem fique escandalizado que não esteja tudo configurado [nos acordos], mas esta solução está sempre em aberto, é preciso discutir e não tornar-nos todos iguais ou indiferenciados”, afirmou. Ou seja, “nada está dado nem tem solução garantida”.

O titulo do livro é precisamente o de uma crónica que escreveu no seu blogue (“Machina Speculatrix”) a 7 de novembro, no mesmo dia em que a Comissão Política do PS mandatou António Costa para desenvolver contactos com todos os partidos com assento parlamentar.


Os partidos também morrem


Nesse artigo, o autor afirma que “os partidos também morrem” e que uma das formas de isso acontecer é “permitir que ele deixe de representar aqueles que prometeu representar”.

Porfírio Silva escreve mesmo que a única forma de o PS se manter como alternativa era impedir a continuidade do governo de coligação, “porque nenhum eleitor PS votou nesse sentido”.

“Devemos verificar as condições de um governo sem PSD e sem CDS, não vamos deixar o Bloco e o PCP a fazerem de conta que querem apoiar um governo do PS se apenas estiveram a carregar munições para a sua retórica futura, vamos verificar o que eles querem efetivamente dizer e fazer, vamos testar aquilo a que estão dispostos”, afirma.

E acrescenta: “vamos fazer esse teste publicamente. O meu entendimento é que o PS deve promover reuniões formais, ao mais alto nível, com o propósito declarado de verificar as condições de um governo liderado pelo PS em que o PCP e o Bloco assumam as responsabilidades a que até hoje fugiram. Sou de opinião que devemos fazer isso imediatamente”. Foi o que aconteceu.


Luísa Meireles, Expresso online, 10 de Dezembro 2015 (aqui)