Aqui ganha sentido a ideia de pecado original. Não o pecado original na versão ortodoxa, com Adão e Eva, a serpente e a maçã; não o pecado original da sede de conhecimento (comer a maçã para saber o que são as coisas), mas um pecado original que não tem nada de mítico, que não parou num qualquer princípio do mundo. Aqui ganha sentido a ideia do pecado original que tem lugar na história concreta da humanidade e que é, portanto, um pecado original infelizmente em dinâmica renovação. O pecado original como ofensa (enquanto pecado) e "original" por ter nascido para nós com a nossa entrada na humanidade. Partilhamos o pecado original de uma civilização sem nada termos contribuído individualmente (muito menos pessoalmente) para ele, mas por sermos parte da sociedade que pecou, porque somos do mundo que gerou o mal e que continua, estruturalmente, igualmente capaz de repetir o mesmo dano. Não metemos as mãos, nossas, de carne, nesse pecado, mas fazemos parte de uma lógica que pode repetir, com mais ou menos variação, o mesmo mal. Somos culpados de querer esse mal? Decerto não. Mas o que está implicado no pecado original, neste entendimento, não é culpa individual e eficiente de um dano concreto e particular. Nesta forma de entender o pecado original, sem qualquer mitologia e assumindo o peso de herdar uma história de mal, sem ter força nem engenho para mudar o mundo, sem ser capaz de o impedir de repetir a destruição - neste sentido de pecado original, entrar hoje em Hirochima é vir tomar pessoalmente em mãos a minha parte desse dia de mais uma expulsão do paraíso. Vir tomar em mãos a minha quota deste pecado original.
Hiroshima, 10 de Agosto de 2013
(publicado originalmente na cidade de Hiroshima, aqui)