31.8.11

a césar o que é de césar.


A partir da peça de Shakespeare, Joseph L. Mankiewicz realizou (1953) o filme "Júlio César". Há uma cena extraordinária nesse filme, que devia ser estudada por quantos se interessam pelo papel da retórica em política. Depois do assassinato de César, Brutus discursa ao povo de Roma a explicar os motivos desse acto, apresentando-o como uma necessidade política para bem da cidade. Marco António, amigo de Júlio César, é depois autorizado a falar, com a condição de não aproveitar a oportunidade para virar o povo contra a nova situação. Marco António faz então o discurso que é objecto do fragmento do filme que aqui deixamos. Marlon Brando, ainda jovem, faz aqui um papelão. É uma cena que merece a nossa reflexão - para não sermos tão cordeirinhos, se possível.

(Este texto era para comentar uma notícia recente da governação de Portugal. Olhando um pouco mais, achei que este texto serviria para comentar dezenas de notícias recentes da governação de Portugal. Assim sendo, deixo ao leitor a escolha do link que melhor que calhe para ser comentado por esta posta.)





a fusão dos reinos


Encontrei o vídeo que se segue (Deus Ex: The Eyeborg Documentary) e o post correspondente (A era dos ciborgues) pela mão de Vega9000. Relevante para um dos meus interesses permanentes: a fusão dos reinos (do natural e do artificial). Aconselho o visionamento: não se trata de ficção científica, mas de ciência e tecnologia a acontecer mesmo.
Lá para o fim, são mencionadas duas questões de fundo. Uma, sobre os possíveis: alguém diz que, quanto a termos verdadeiros olhos artificiais, ou membros artificiais, o grande desafio é a interface cérebro-máquina, na medida em que cada cérebro é único, e cresce com base na sua própria experiência, pelo que a solução encontrada para um caso não é aplicável a outro caso com a mesma facilidade com que se tira uma peça de um motor para a colocar noutro exemplar do mesmo modelo. Outra questão é a do que fazer com o que se tornar possível: quanto mais podemos, maiores são as responsabilidades - e nem só "o bem" está no horizonte aberto por estes desenvolvimentos.


por uma história alternativa do papão





Passo a citar.
... ainda há quem pense que o Estado gasta metade do que os "portugueses" produzem. O Estado gasta menos de 10% e distribuiu o resto, assim, a talhe de foice.

Ler aqui.

a questão dos ricos

10:55

Ilustração de Le maitre de peinture (Richaud & Makyo & Faure)

Volta e meia, a actualidade abre uma janela de oportunidade a ideias que andavam um pouco adocicadas e precisam voltar a mostrar o nervo para sabermos a quantas andamos. Assim, renovamos debates que, parecendo esquecidos, permanecem vitais. A recente "questão dos ricos" exemplifica bem tudo isso. O texto de opinião de Pedro Sousa Carvalho, subdirector do Diário Económico, na edição de hoje desse matutino, é conveniente para apreciar a questão.
A coluna, intitulada E por que não taxar os ricos, prostitutas e solteiros?, tem o propósito transparente de ridicularizar a ideia de fazer com que os muito ricos contribuam à sua medida para debelar a actual crise. Merece, por isso, um comentário.
A propaganda é, muitas vezes, toscamente simplista. Sim, muitos dos intervenientes neste debate são propagandistas: não estão apenas a defender ideias, estão a defender uma agenda, um grupo social, um tipo de interesses, uma linha política que interessa a quem paga bem. Este texto mostra isso logo na primeira frase: "De repente deu uma fúria a toda a gente de querer aumentar os impostos." O "de repente", mais do que estranho, é denunciador: será que só agora, com a onda gerada por Warren Buffett, é que percebeu que há aumentos de impostos? Quem ganha pouco mais do que o salário mínimo já tinha percebido isso antes, caramba! Quando o articulista pergunta "Estamos a aumentar os impostos para baixar a carga fiscal dos mais desfavorecidos?", até pergunta bem, porque seria bom que se fosse por aí - mas, na verdade, não perde uma linha a defender positivamente que se faça isso. Pela simples razão de que o expediente retórico é outro, e bem velho: para defender os que mais têm fala-se como se se defendesse toda a gente e como se toda a gente, independentemente da sua posição face à distribuição da riqueza, tivesse os mesmos interesses. É esse tipo de retórica enganadora que está por trás, por exemplo, da história do "dia da libertação dos impostos". Fazer de conta que as propostas para aumentar a contribuição dos muito ricos são propostas vazias, por quererem resolver um problema inexistente - é essa a retórica deste artigo - é uma manobra de pura desonestidade intelectual. Quando se tira cada vez mais a quem tem menos (e não apenas por via dos impostos), bradar que não se percebe a razão para tirar um pouco mais a quem tem mais, não é cegueira: é mesmo um sinal de proletarização do escriba.
Claro que o actual debate mostra bem as fraquezas tradicionais das esquerdas nestas questões. Abandonada a via da revolução, e a concomitante ilusão de que se pode mudar o mundo absolutamente, ficaram reformismos mais ou menos flácidos. Os reformismos flácidos, quando de repente lhes dá a vontade de corrigir pontualmente certas injustiças mais gritantes, verificam que não têm os meios apropriados para o efeito. Porquê? Porque o sistema capitalista é isso mesmo, um sistema. E um sistema é uma entidade complexa que não pode facilmente ser modificada com pequenas mexidas em certas peças deste ou daquele motor. Um sistema resiste, globalmente, assimilando alterações pontuais, de modo que tudo continue essencialmente na mesma. Se o sistema não fosse assim, não passaria de uma máquina mal enjorcada. Claro que os reformismos produziram alterações significativas nas condições de vida e no estatuto dos menos poderosos, um pouco por todo o mundo. Têm isso a seu crédito. Mas, e esse é o reverso da medalha, os reformismos não mudaram significativamente as dinâmicas essenciais do capitalismo. Se alguma coisa foi capaz de mudar o capitalismo, foram os próprios capitalistas. Por exemplo, a financeirização do capitalismo foi produzida pela própria lógica do capitalismo, de certos sectores do capitalismo apostando nas suas possibilidades intrínsecas. Essa é uma mudança significativa. Já os reformismos, quando querem mudar alguma coisa sem ferir globalmente "o capitalismo democrático", têm enormes dificuldades em apresentar propostas credíveis, que sejam mais do que cosméticas e dêem os resultados prometidos. É nesse ponto que, implicitamente, o artigo de Pedro Sousa Carvalho tem alguma razão: ele está a gozar com o carácter mais ou menos inconsequente das propostas para fazer com que os ricos também paguem a crise. Ele sabe que, no actual estado da "democracia capitalista", o sistema está blindado, de modo que os ricos escapam sempre, descontado o incómodo de andarem nos jornais a falar neles e nos seus milhões de milhões. É que, mesmo que paguem alguma coisa, a dor passará depressa e eles esperam que depois recuperarão tudo com compensações acrescidas. Pode achar-se que é um pouco pornográfico que um articulista escreva apenas para se rebolar de gozo com o facto de estar do lado dos que gostam disto - mas é isso que este articulista faz.
A certo ponto, Pedro Sousa Carvalho escreve: "O que estamos a fazer, nós que nos orgulhamos de dizer que vivemos num sistema capitalista e numa economia de mercado, é simplesmente a demonizar a riqueza e o capital." Quão longe estamos daqueles teóricos que tentavam dar uma justificação para a riqueza, mesmo a mais escandalosa: desde que a grande riqueza de alguns crie mais riqueza para todos, a riqueza dos grandes tem uma justificação social. O "orgulho capitalista", quando chega ao osso, dispensa justificações: quem pode, pode; quem não pode, aguenta. Claro: aquele tipo de explicação moral do capitalismo não é coisa que coexista facilmente na mesma cabeça com a luxúria do cinismo, bem ilustrada nesta pérola: "Aumentar ainda mais o IRS poderia ser inócuo. Os ricos têm inteligência e dinheiro suficientes para transformar salários em dividendos, capital e património." É bem certo. Há quem se rebole de gozo por isso, tal como há quem não queira desistir de pensar em como dar a volta a isso.

30.8.11

a revolta dos burocratas

A chamada “revolta dos burocratas” é um acontecimento político da história do México. Em 1968, uma centena de burocratas, que participavam, na praça Zocalo, numa manifestação a favor do governo, tiveram um gesto de rebeldia com humor: viraram as costas à tribuna oficial e começaram a balir como ovelhas.



O artista belga Francis Alÿs, que vive no México há mais de vinte anos, realizou uma instalação na mesma praça Zocalo (1997-1999), onde, em parceria com o pintor mexicano Rafael Ortega, evoca aquele acontecimento. O pequeno pedaço de vídeo que aqui se apresenta é um excerto do vídeo que era uma das componentes dessa instalação. Encontrava-se (quando foi registado, Agosto 2011) na exposição das aquisições recentes no Museu Nacional de Arte Moderna (Centro Pompidou), Paris.

29.8.11

pobres dos ricos


Leio que anda por aí gente muito inteligente muito incomodada por andarem vozes a importunar os ricos, coitados, que levam uma vida tão agitada e agora nem os deixam sossegados.
Em alguns casos, essas vozes nunca foram ouvidas preocupadas com a desconsideração social que certos políticos sistematicamente reservam para os pobres.
Compreende-se. Como essas vozes inteligentes são as mesmas que pressupõem a suprema racionalidade do egoísmo, que tomam como princípio da verdadeira natureza humana (quando não distorcida pelas mentes da esquerda), não vêem utilidade alguma em estar do lado dos pobres. É esquálida essa posição, como forma de pertença à humanidade? É, mas é o que a casa gasta (nesses casos).

(Clicar para ver maior e mais nítido.)

(A tira da Mafalda foi roubada ao o blog ou a vida.)


as tempestades


(Foto: Mike Segar/Reuters)

Irene perde intensidade ao entrar no Canadá.
Mesmo assim, pelo menos 23 pessoas já perderam a vida.

Em perfeita simetria, "o Álvaro" perdeu intensidade ao vir do Canadá.
Mesmo assim, arriscamos que estrague muitas vidas.


27.8.11

vistas do concelho de Sintra

Uma imagem do magnífico serviço de higiene urbana que o município de Sintra oferece a quem o procura.

(Talvez eu esteja enganado. Talvez o município afinal não tenha nada a ver com estas coisas. Seja como for, a fotografia foi feita hoje na aldeia de Almoçageme, ao fim da tarde. Este espectáculo não nos foi oferecido hoje pela primeira vez, nem é exclusivo deste ponto.)

quem fala assim não é gago

Lemos na edição de hoje do Expresso, quase escondida na página 30, a seguinte "carta":
Na sua última edição, o Expresso refere, em 1ª página: "Mariano Gago recebe subsídio que garante não ter pedido". Trata-se de uma afirmação errada.
A verdade é que Mariano Gago:
a) Tem direito a um subsídio de reintegração e isso foi-lhe comunicado.
b) Para receber esse subsídio, nos termos da lei, deve expressamente requerê-lo.
c) Não requereu tal subsídio e, portanto, não o vai receber. Isso mesmo declarou ao Expresso: não ter pedido nada.
Ao contrário do que foi publicado, a verdade mandaria, pois, escrever: "Mariano Gago recusa receber subsídio de reintegração a que tem direito".
Certo da melhor atenção de Vexa ao pedido de correcção que aqui formulo, subscrevo-me, com os meus melhores cumprimentos.
José Mariano Gago

O Expresso não publica nenhum comentário a esta missiva. Quer dizer: o Expresso distorceu a realidade, pintando uma situação com cores totalmente desconformes com a realidade, em prejuízo do nome de uma pessoa, em exploração rasteira do sentimento anti-políticos; o Expresso é directamente acusado de mentir aos seus leitores, pela pena da vítima dessa mentira; o Expresso, gozando miseravelmente da vantagem que lhe permite publicar a calúnia na primeira página e publicar o desmentido nos arrabaldes, nem se dá ao trabalho de pedir desculpa pela torpeza. Definitivamente, quem não tem vergonha todo o mundo é seu.

26.8.11

um argumento a favor da diversidade

Eis um argumento a favor da diversidade (de Leibniz, via Borges). Consideremos duas bibliotecas com exactamente o mesmo número de livros. Vamos supor que há um livro que é o melhor livro do mundo: o livro perfeito. Suponhamos que o livro perfeito é a Eneida, de Vergílio. Uma daquelas bibliotecas só tem exemplares da Eneida. A outra biblioteca tem um exemplar da Eneida e todos os outros livros são exemplares de livros inferiores ao livro perfeito. Qual das bibliotecas é a mais interessante?
(lembrado por G.J. Chaitin)

25.8.11

a minha política é o trabalho

Nestes dias de quase total afastamento da blogosfera, vim dar uma espreitadela e topo com um "caso" a correr sangue: um blogueiro do cinco dias, parece que com elevadas credenciais de "esquerda", alistou-se no gabinete do ministro Miguel Relvas.
Francamente, isso não me espanta. A coligação negativa existiu mesmo, foi determinante na produção da actual situação política, foi servida pela política do ódio que colocou uma certa "esquerda" e uma certa "direita" nas mesmas barricadas (nem que para isso seja preciso continuar a mentir, como se mostra aqui).
Por isso, que o camarada Figueira prossiga a sua carreira no gabinete do ministro Relvas, realmente não me parece que acrescente nada de substancialmente novo. Que o próprio se explique dizendo algo que poderia ser traduzido por "a minha política é o trabalho", só ajuda a perceber quão profundamente se instalou o espírito da coligação negativa. Que uma série de companheiros de estrada do "camarada" disparem toda a reserva de insultos que conseguem imaginar, também não surpreende: têm de fazer algum fumo a ver se distraem "as massas" de tal auto-demonstração do que valem certas "revoluções" que por aí andam.
Mas nada me divertiu mais do que a magnífica paródia de exegese bíblica a que se dedica João Valente Aguiar: «Marx casou-se com uma filha de um barão. Era filho de um rico advogado de Trier. Engels era filho de um grande capitalista alemão e, mais tarde, herdou a unidade fabril da família em Manchester. Sem o seu apoio financeiro, Marx nunca teria escrito a obra que nos explica como o capitalismo funciona, quem beneficia, quem explora, como transfere a o excedente económico produzido por uma classe (maioritária) para as mãos de outra (minoritária). Nenhum lunático se lembraria de negar que ambos não viveram absolutamente comprometidos com uma causa revolucionária e com a luta internacional da classe à qual não pertenciam sociologicamente. A posição política não é a Classificação Nacional de Profissões.» Pronto, já percebemos: Deus (a Revolução) escreve direito por linhas tortas e o camarada Figueira vai para o gabinete do Ministro Relvas, embora dentro do espírito "a minha política é o trabalho", para melhorar as suas condições de formiguinha da luta do proletariado !
Realmente, a vida parece estar difícil. Quem não sente as agruras, que atire a primeira pedra... (Ou, pura e simplesmente, há quem não tenha vergonha na cara?) 

21.8.11

Vénus Hotentote

"Hotentote" é uma espécie de insulto inventado por brancos para designar certas tribos, incluindo o povo da personagem principal do filme Vénus Negra (realizado por Abdellatif Kechiche).
Trata-se de "um filme biográfico sobre a trágica história de Saartjes Baartman, uma mulher da tribo Khoikhoi que, no início do século XIX e devido às suas características físicas específicas, deixou o sul de África para ser exibida nos salões europeus sob o nome "Venus Hotentote", com promessas vãs de uma vida dourada. Chegada à Europa, depois de viajar por toda a Inglaterra em espectáculos de aberrações, é estudada por alguns dos mais conceituados naturalistas e anatomistas da época, que usaram as suas investigações para justificarem a inferioridade dos negros, num esforço claro de legitimação do racismo e escravatura." (mais info aqui)
Não querendo ser crítico de cinema, escrevo este apontamento para sugerir aos leitores que não se deixem desmotivar pelas inúmeras críticas depreciativas que têm sido feitas a este filme. Não está em causa a história, que é extraordinária na sua veracidade e, só por si, pelo menos para quem a não conhece ainda, faz com que mereça a pena ir ao cinema. Está em causa, muito para lá disso, o objecto estético que é o filme, que tem sido tratado como uma peça menor. Discordo absolutamente dessa depreciação, pelas razões que passo a expor.
Este filme dá a ver um zoológico onde só entram humanos. Especialmente, humanos em grupo. Os espectadores londrinos, consumidores populares de espectáculos de monstruosidades, são os primeiros apanhados na voragem daquela curiosidade adoentada que hoje alimenta certos espectáculos televisivos. Mas essa fase é só para nos apanhar, desprevenidos, a olhar de alto para gente vulgar e nós a pensar que de gente vulgar só pode vir tal comportamento grupal. Depois vêm os finos salões libertinos de Paris, apanhados na mesma lógica de matilha, a querer pensar que no seu gozo imenso seria legítimo acolher a exposição de uma mulher negra como parte das suas brincadeiras, sem verem que ela não tinha escolhido tais brincadeiras (embora os libertinos parisienses mereçam, de raspão, uma desculpa, como se se tivessem apercebido, e deplorado, o excesso). Mais ainda, como último grupo de animais no zoo humano, os cientistas - que, por mor da ciência, são menos exuberantes do que o vulgo, mas não menos predadores, não menos desrespeitadores, não menos cúmplices.
Neste filme, o protagonista não é a actriz que faz de Vénus Negra. Os protagonistas são os grupos de pessoas que, na voracidade do espectáculo, perdem qualquer noção da dignidade do humano, da dignidade do Outro. Ir ao cinema ver este filme é ir a um zoo humano, a uma exposição de comportamentos de grupos humanos em certas situações. O filme, pela sua duração, documenta o quanto isso pode chegar a fatigar-nos. Mas, perante este espectáculo dos comportamentos de que somos capazes, só o cansaço nos liberta do medo do espelho. Se não fosse sermos levados a estar cansados de ver aquilo, não teríamos como libertar-nos do medo de termos estado simplesmente ao espelho.
Claro, este não é um filme de Verão para refrigerantes e pipocas.

18.8.11

Paris - Delhi - Bombay

Esta obra integra a exposição Paris - Delhi - Bombay, patente no Centro Pompidou.











(A primeira foto não foi tomada pelo autor do blogue, nem foi feita nesta exposição.)

16.8.11

Paula Rego em 3D

Oratório, de Paula Rego, na Casa das Histórias.



"Para tratar do tema do abandono e da vulnerabilidade infantil, a artista apropriou-se de um objecto muito comum nas grandes casas portuguesas tradicionais, um móvel-oratório. onde as famílias podem rezar na intimidade, escolhendo e distribuindo nesse móvel as imagens mais evocativas das suas afinidades religiosas particulares."


"Um oratório é um objecto de devoção que serve exclusivamente para rezar e que, com a sua dupla dimensão religiosa e doméstica, permite uma relação mais próxima e directa entre a casa e o Divino."


Não sendo o Divino, a Artista hoje estava na Casa, tomando algo que poderia ser um pequeno-almoço, na cafetaria, aproveitando um escasso sol deste Verão, a caminho de ser entrevistada, com tomada de imagens no jardim da Casa.


"Os santos são as figuras mais presentes, pequenas esculturas, criadas também para proteger as famílias, dispostas nesses altares íntimos e sem intermediação, onde o sagrado toma as formas mais próximas do humano."



Sim, essa proximidade é assustadora. "Paula Rego apoderou-se desta ideia para construir um objecto tridimensional, um móvel com quase 3 metros de altura, na exacta equivalência dos oratórios portugueses, com o mesmo par de volantes e expressão volumétrica, onde desenvolveu pela primeira vez uma inesperada e intencional relação entre os desenhos, dispostos nas paredes do armário, e as esculturas colocadas sobre este fundo narrativo."



Este conjunto foi criado a convite do Foundling Museum, que guarda a memória das crianças abandonadas e recolhidas no hospital com o mesmo nome. O Oratório foi realizado entre 2008 e 2009. Resta ver se inaugura ou não uma nova senda criativa da artista, a três dimensões. Não me parece certo: os "santinhos" não acrescentam nada ao imaginário da pintora, sendo, antes, devedores, na sua força, da alma das personagens pintadas. O Oratório vale como conjunto, com as crianças, os seus torturadores e os seus amigos dispostos no teatro da tragédia humana, tomando o lugar da representação do sagrado numa forma "rica" de religiosidade domesticada por quem tem o dinheiro e o poder para isso. Nesse sentido, este Oratório deveria ter, algures, um espelho.



(As frases entre aspas são do desdobrável da exposição. As fotografias são de Porfírio Silva. Clicando nas imagens obtém-se uma versão um pouco maior. Mais informação no sítio da Casa das Histórias. A entrada é gratuita. Está patente outra exposição de Paula Rego, ambas até 31 de Dezembro.)

A completar a ironia: estender a mão à caridade ("Esmolas"):


4.8.11

super 8