31.1.22

Responsabilidade absoluta

11:48
Mais do que festejar (festejamos, contudo) importa, hoje, reflectir sobre os desafios resultantes das eleições de ontem, 30 de Janeiro de 2022.

 

1. Sou sincero: tenho pena que tenha sido necessário lutar por uma maioria absoluta do PS para garantir que a esquerda seja capaz de dar uma estabilidade progressista à governação de Portugal. A esquerda da esquerda, fazendo do governo do PS o bombo da festa, no meio de uma pandemia sem precedentes nas nossas vidas e de uma crise económica e social gravíssima, perdeu a noção da realidade e, com isso, deu uma oportunidade à direita. A esquerda da esquerda deu ao PSD um bónus (poder argumentar que a esquerda foi incapaz de garantir a governabilidade e acenar com a alternativa de um bloco central assumido ou implícito) e deu ao partido do protofascista uma janela de oportunidade que não teria daqui a dois anos, se a legislatura não tivesse sido interrompida. Eu, que desde o início deste “ciclo António Costa” me bati pela maioria da Esquerda Plural, que sempre reconheci que o PCP e o BE deram contributos positivos a esta governação do PS, que nunca aconselhei o pedido de maioria absoluta, que sou um convicto defensor de governações com apoio parlamentar maioritário suportado em acordos escritos onde os compromissos mútuos sejam explicitados, devo reconhecer que hoje a esquerda plural… está no PS. E que a maioria do PS era, neste momento, a única possibilidade de garantir que podemos prosseguir uma política progressista num horizonte de estabilidade política, que a dificuldade do momento exige. Por mérito do PS e porque o PCP e o BE perderam (espero que apenas momentaneamente) a noção da realidade, esquecendo que não há qualquer “maioria de esquerda” em Portugal sem o PS.

 

2. O Secretário-Geral do PS disse ontem o essencial: a maioria dá-nos uma enorme responsabilidade. A responsabilidade do diálogo, da concertação, da mobilização de olhos postos no futuro. Uma maioria para cuidar do longo prazo. Para evitarmos absolutamente que nos possa acontecer secar com a arrogância ou com a auto-suficiência. Como todos os outros, também o nosso ciclo há-de terminar, mas temos de saber fazer este caminho atentos à diversidade do país, amigos da diferença, promotores da pluralidade. Uma maioria amiga da democracia e do desenvolvimento, que é a democracia concreta. Valorizando as nossas diferenças positivas: fazemos um equilíbrio entre o público, o social e o privado que mais nenhuma força política em Portugal promove; pugnamos por um equilíbrio entre legislação e concertação social que não é querida nem da direita nem da outra esquerda; temos uma visão da integração europeia – europeístas entusiastas, mas sem dogma; europeístas, mas conscientes do que há a corrigir no edifício da UE – que nos distingue quer da direita quer da outra esquerda. Continuando a trabalhar para uma melhor democracia: representativa, participativa e deliberativa. E sabendo que precisamos ultrapassar os conservadorismos bolorentos, que também os há à esquerda.

 

3. Estamos, agora definitivamente, num ciclo político longo (depois de seis anos de governo, uma maioria absoluta com o horizonte padrão de quatro anos… e sabe-se lá o quê mais). Os ciclos políticos longos têm os seus próprios escolhos e alçapões. O problema básico dos ciclos políticos longos é a tendência deslizante para a concentração do poder no topo da pirâmide e o deslaçamento do enraizamento na base (seja em relação à base de apoio popular, seja em relação à base institucional que organiza o conjunto). Ao ser um líder extremamente forte e bem preparado, António Costa correria todos os riscos de lhe servirem de bandeja essa concentração de poder, se ele a pretendesse. Ainda por cima, a força das circunstâncias da gestão da pandemia concorre para essa concentração de poder. Creio, no entanto, que a liderança socialista tem a noção completa desse risco e quererá combatê-lo com método. Não é preciso inventar: promover que o grupo parlamentar do PS expresse a pluralidade do país e a diversidade do nosso eleitorado, sem temer que isso prejudique a liderança executiva do governo; assumir o parlamento como um lugar de verdadeira deliberação, usando mais a arma da argumentação, da negociação e do compromisso interpartidário do que a arma da maioria dos votos, procurando mais convencer do que vencer; apostar ainda mais na concertação social, a todos os níveis, procurando que todos os parceiros entendam – e sintam no concreto – que vale mais negociar do que ficar de fora; avançar na descentralização, para aproximar a cidadania das instituições; e, por último mas não menos importante, valorizar o partido, todo o partido, a militância, como instituição onde tem voz o povo anónimo que é socialista sem ocupar cargos ou funções públicas, investir no partido como instituição de pertença dos socialistas à comunidade política nacional. Estas não são questões menores, nem laterais: são decisivas para o desafio de aproveitar ao máximo as energias positivas de uma maioria.

 

4. Palavras breves sobre outras forças políticas. Rui Rio viu bem a necessidade de ter um partido de centro-direita que se libertasse do radicalismo do “ir além da troika”, mas não teve a coragem política de ser consequente. Queria ser de centro e, ao mesmo tempo, amigável para o protofascista, até ao ponto de vir, à última hora da campanha, sugerir uma geringonça de direita, desdizendo tudo o que vinha anunciando há semanas como o seu compromisso político. Escreveu um programa tosco, incompetente em muitas áreas (na educação, por exemplo), envergonhado noutras. Tentou ser engraçado, em vez de ser sério e consistente. Em hora tão séria, os eleitores não estiveram para brincadeiras, assunto arrumado.

 

5. Há dois partidos radicais que tiveram grande sucesso nestas eleições: o partido do protofascista e o partido dos “liberais”. Nada a acrescentar sobre o protofascista: é preciso trabalhar para eliminar a motivação socioeconómica de uma parte da sua base de apoio, mas também é preciso combater sem tibiezas todos aqueles que realmente desprezam a democracia e desprezam a igualdade e que constituem, também, uma parte importante do seu eleitorado. Quanto aos nossos “liberais”, é preciso fazer um trabalho mais rigoroso no debate ideológico com a IL: não deixar que este partido se aproprie, para dourar a pílula de propostas políticas que só servem grupos privilegiados, das coisas boas que a inspiração filosófica do liberalismo teve na evolução do pensamento da humanidade; obrigar a IL a sair dos chavões e a posicionar-se perante as diversas questões que cindem o campo alargado do liberalismo (não esquecer que a “tradição liberal” em política vai desde a escola de economistas que suportou o facínora Pinochet até aos liberais que estão no governo com o SPD na Alemanha); ir mais a fundo no debate e escrutínio das propostas da IL (felizmente apresentaram um programa eleitoral bastante detalhado, onde, provavelmente, vamos encontrar motivos para os obrigar a voltar atrás em propostas como a que previa que os estudantes do ensino superior pagassem as suas propinas); responder às exigências dos jovens qualificados que precisam de ter vida e têm a ilusão de que viveriam melhor com um Estado mínimo. Da tarefa de combater estes radicalismos não pode o PS dispensar-se, nem achar que isso é problema de outros: o país precisa de uma direita democrática, de uma direita social, de uma direita que não se esgote no individualismo egoísta que a tem dominado há demasiado tempo – e os dois partidos radicais que passam a ter grupo parlamentar são inimigos da direita democrática e social que poderia ser útil ao país, razão pela qual são também inimigos da sociedade mais justa por que trabalhamos. 

 

6. O voto é a arma do povo. Os socialistas sentem-se muito bem num regime democrático estruturado nessa base. Trata-se, agora, mais uma vez, de assumir as inerentes responsabilidades.

 
Porfírio Silva, 31 de Janeiro de 2022
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21.1.22

Convém ler o programa de Rui Rio para a educação

12:05

 

 

Deixo aqui uma análise ao programa do PSD / Rui Rio para a Educação. Para que não se possa dizer que não foram avisados... porque é importante a tarefa de "destapar" o programa oculto da direita que se apresenta a estas eleições.

 
Porfírio Silva, 21 de Janeiro de 2022
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Educação e naftalina no programa do PSD

11:44
 
 
 
 
 
 
Deixo aqui, para registo, o artigo que quatro "Socialistas na Educação" (César Israel Paulo, João Couvaneiro, Porfírio Silva e Tiago Estêvão Martins) publicámos ontem no Observador, sobre o programa do PSD / Rui Rio para a Educação.
 
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Apostando num regresso ao passado, Rui Rio apresenta-se a votos com um programa anacrónico para a educação, marcado por todos os ingredientes que fizeram do consulado de Nuno Crato um período de muito má memória.
 
Mais do que desconhecimento sobre a atual realidade do sistema educativo, o PSD demonstra uma total ausência de visão e ambição para a Escola Pública. Se dúvidas houvesse, bastaria resgatar uma passagem que, distorce a realidade e tendenciosamente afirma que em “comparação com o sector privado, as escolas públicas têm vindo a perder reconhecimento”. Tal linha argumentativa denuncia uma agenda de reforço do sector privado e a reabertura da caixa de Pandora dos contratos associação que, durante anos, sangraram a Escola Pública, desperdiçando recursos e diminuindo a sua capacidade de resposta.
 
Para além dos chavões do pretenso aumento da exigência, no programa do PSD sobra muito pouco. Com efeito, sobra quase só o retrocesso a um modelo educativo ultrapassado e abandonado em todos os países desenvolvidos.

 

Rio vem advogar como novidade a adoção de uma “flexibilidade pedagógica”, que está longe de ser uma proposta inovadora. Aliás, a sua existência foi consagrada pela Lei de Bases do Sistema Educativo, em vigor desde o ano de 1986, sendo uma das premissas da educação em Portugal.

 

O referido programa anuncia o fim das turmas mistas, situação que se encontra em contradição com a autonomia pedagógica que advoga. Nesse quadro, parece esquecer experiências que tiram bom proveito da heterogeneidade dos grupos. Acresce que não diz como é que é possível erradicar essas turmas, qual o orçamento necessário para o efeito e se para tal existem recursos humanos disponíveis.

 

Na amálgama das propostas surge também a indicação de que farão depender a abertura de novas ofertas formativas de um estudo de viabilidade apresentado pelas escolas ao Ministério da Educação. Mas esse é já hoje o procedimento adotado.

 

A proposta com que Rui Rio se apresenta às eleições insiste num “currículo centrado no conhecimento”, que gostaria de ver proscrito o desenvolvimento de competências, a mobilização do saber fazer e a aplicação prática das aprendizagens. Reitera-se com essa proposta o pior da política educativa de Passos Coelho.

 

Esquecendo que são as escolas em que os alunos obtêm piores resultados aquelas que necessitam de maior atenção, o PSD propõe atribuir mais recursos humanos (sob a forma de crédito horário) aos estabelecimentos em que se verifique uma progressão dos resultados escolares. Para trás ficarão aqueles que necessitam que a escola continue a ser um elevador social, que lhes permita vencer o cerco da pobreza e que, nessa medida, se verão privados de recursos essenciais.

 

Entre as ideias peregrinas que apresenta, surge a de se criarem três academias para a formação de dirigentes escolares. Neste contexto, Rio e a sua equipa ignoram o papel dos estabelecimentos de ensino superior, universitário e politécnico, espalhados pelo país, que têm, com sucesso, formado os docentes para os processos de gestão e administração escolar. Querem também atribuir ao Ministério da Educação a responsabilidade de conferir a formação profissional aos docentes, ignorando que são as universidades e os politécnicos que têm a experiência, o conhecimento, a investigação e os recursos para esse efeito.

 

Mais grave é o facto de quererem colocar em causa a Autonomia e Flexibilidade Curricular, não percebendo que esta não corresponde a um currículo feito “à vontade do freguês”, em que cada qual “dá o que quer”. Mas que, ao invés, pretende conferir sentido a um conjunto de aprendizagens essenciais, iguais para todos, organizadas e adequadas a cada grupo e a cada território, estabelecendo relações de sentido com os conhecimentos dos alunos, os seus contextos e oportunidades de aprendizagem.

 

O ensino profissional é também apoucado nas propostas do PSD. Com efeito, denunciam algum mal-estar com a dimensão de dupla certificação, que existe no nosso sistema. Em Portugal, estas ofertas formativas não são becos sem saída, mas permitem aos alunos ingressarem no mercado de trabalho ou num curso superior. O modelo defendido por Rio assume que o Ensino Profissional é só para “ensinar uma profissão”.

 

Desconhecendo que existe no país um sistema de antecipação das necessidades de qualificação, o programa do PSD vem pomposamente propor que se listem as qualificações entendidas como prioritárias. Também ignora que os setores empregadores são ouvidos para a definição de novos referenciais de formação, medida que vem agora sugerir com o entusiasmo de quem julga estar a inventar a pólvora.

 

Este documento propõe ainda acabar com as provas de aferição do 2º e 5º anos de escolaridade, que servem, dada a sua disposição nestes períodos intermédios, para detetar atempadamente problemas e promover estratégias de melhoria. Rio quer recuperar as provas finais no 4º e no 6º ano, que Nuno Crato foi buscar a um ultrapassado pensamento pedagógico, numa perspetiva que transforma estes momentos de avaliação num fim em si mesmo, ao serviço da rotulação precoce das crianças e jovens.

 

O atual programa do PSD prevê ainda “desenvolver uma educação estética, transversal ao curriculum escolar”. Também aqui, parece desconhecer a relevância e a profundidade do trabalho que hoje é levado a cabo por todo o território nacional pelo Plano Nacional das Artes, pelo Plano Nacional de Cinema e pelo Programa de Educação Estética e Artística. Com iniciativas e estruturas que promovem, nas escolas, a realização de projetos de natureza transdisciplinar, que desenvolvem aprendizagens mais integradas, significativas e duradouras.

 

O programa de Rio para a Educação é também uma amalgama de contradições, de desconfianças e de ocultação de resultados. Criticando, por um lado, o aumento do número dos profissionais docentes disponíveis e a despesa global com a Educação (como se esta não fosse um relevante investimento para o Futuro do país), por outro, apresenta a escrutínio um conjunto de medidas vagas, sem qualquer indicação de impacto. Trata-se, pois, de um documento que oculta resultados que nos devem, hoje, orgulhar, como são os casos da evolução do abandono escolar precoce, da melhoria das taxas de aprovação dos alunos ou da melhoria das conclusões do ensino secundário.

 

Em suma, o programa do PSD revela, na sua globalidade, um absurdo desconhecimento sobre o atual sistema educativo português e sobre as premissas essenciais de uma educação do século XXI. Apresenta um arrazoado de desconexas generalidades e de ideias com resultados duvidosos, alicerçadas em narrativas ultrapassadas, lembrando um já velhíssimo Crato, ensopado em naftalina.

 

César Israel Paulo, João Couvaneiro, Porfírio Silva e Tiago Estêvão Martins

 
 
Porfírio Silva, 21 de Janeiro de 2022
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4.1.22

Pacto Social para a Educação: Educação de Qualidade para Todos

12:32
 
 
Face ao que foi possível construir na escola pública nos últimos seis anos, e também face ao risco que representam as desigualdades agravadas pela pandemia, o país precisa de uma garantia de continuidade e estabilidade nas políticas públicas de educação, respondendo às novas necessidades e dando o melhor aproveitamento aos novos recursos.
 
Para isso, o PS propõe-se desafiar o país para a construção partilhada de um Pacto Social para a Educação: Uma Educação de Qualidade para Todos, para tal mobilizando os profissionais, os pais e encarregados de educação, os estudantes, os parceiros sociais e as forças políticas, a academia, as comunidades locais e todos os que aceitem o desígnio de continuar a promover uma educação de qualidade para todos, procurando convergências e soluções estáveis que permitam avançar avaliando, respondendo aos novos desafios que se colocam aos sistemas educativos de todo o mundo e às necessidades mais prementes para Portugal.
 
Esta construção de convergências será potenciada pela identificação de fatores estratégicos, com os quais nos comprometemos, tais como a Boa Governação na Educação, o trabalho com e para os Profissionais da Educação, a luta pelo Combate às Desigualdades através da Educação, a contínua Melhoria das Aprendizagens e a Participação dos Alunos no processo educativo.
 
(No vídeo, excerto da minha intervenção, ontem, na apresentação das linhas gerais do programa eleitoral do Partido Socialista para as Legislativas 2022.)
 
Porfírio Silva, 4 de Janeiro de 2022
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