13.12.21

Construir um programa eleitoral progressista

18:31
 
 
 
Deixo aqui, para registo, a intervenção que fiz ontem, 12 de Dezembro de 2021, na sessão de abertura do Fórum Nacional "Confie no Futuro", na qualidade de Diretor do Gabinete de Estudos do PS. Foi no Porto e no âmbito do processo de construção participada do programa eleitoral do PS às Legislativas de 30 de Janeiro de 2022.
 
 
 ***
 

Boa tarde, Porto! Porto, de onde se fez Portugal!

Cumprimento todos e todas aqui presentes… e tenho umas saudações especiais.

Daqui queria saudar especialmente a D. Aida, que manteve a mercearia do meu bairro a funcionar durante o período mais duro do confinamento.

Quero daqui saudar o Sr. Carlos, que continuou a passar à minha porta a recolher o lixo.

Saudar a enfermeira Ludmila, que continuou sempre a trabalhar no centro de saúde.

Saudar a Professora Helena, que manteve sempre a funcionar a equipa da sua escola e que nunca deixou os alunos fora da vista e fora do seu acompanhamento.

E quero saudar todos aqueles que a sociedade agora reconhece como trabalhadores essenciais, porque a pandemia ajudou-nos a ver mais claro aquilo que realmente importa na nossa humanidade.

E quero também saudar um certo trabalhador essencial para todo o país, essencial em manter os poderes públicos como referência para toda a comunidade nacional durante os momentos mais duros da pandemia, o líder de uma grande equipa de trabalhadores essenciais que merecem o nosso reconhecimento pela enormidade da tarefa e pela grandeza da entrega, obrigado trabalhador essencial Primeiro-Ministro António Costa!

 

 

Este Fórum Nacional é mais um momento do processo de construção participada do programa eleitoral do PS.

Na brochura que foi distribuída constam alguns dos resultados destes 6 anos de governação. Os indicadores são robustos. O país avança. Apesar do choque tremendo da pandemia, o país está mais preparado para o futuro. Para nós, o país são as pessoas, o país só está melhor quando as pessoas estão melhor.

Quer isto dizer que estamos satisfeitos?

Não, nunca estamos. Queremos fazer o que falta fazer. Porque quanto mais já fizemos, mais podemos fazer.

Por isso colocamos três questões em debate hoje:

“Como acelerar o crescimento económico e melhorar o rendimento dos portugueses?”

“Como diminuir as desigualdades e reforçar a resposta dos serviços públicos?”

“Como fortalecer e continuar a modernizar o SNS?”

 

Estas questões representam vetores chave da nossa ação governativa e parlamentar, nos 6 anos que passaram, nos 4 que aí vêm.

E são também uma marca da nossa identidade política, da forma própria e única como o partido do socialismo democrático assume responsabilidades na comunidade nacional, a nossa visão do público e do privado, do papel do Estado e da iniciativa privada e da iniciativa social. Que não é nem a visão da direita nem a visão das outras esquerdas.

A direita que temos não gosta dos serviços públicos. Quando está na oposição critica-os, quando está no poder corta-os. Mesmo quando se esconderam atrás da troika como desculpa para o seu projeto ideológico, cortaram milhares de milhões de euros a mais do que estava previsto no Memorando de Entendimento em prejuízo de serviços públicos essenciais, como o SNS ou a escola pública. Para nós, muito diferentemente, os serviços públicos são essenciais, aos cidadãos e à economia. Para a direita, quando se esquece de ter cuidado com as palavras, os serviços públicos são gorduras do Estado. Para nós, os serviços públicos são fatores de desenvolvimento.

Por outro lado, há certas esquerdas que têm uma enorme desconfiança da iniciativa privada. A desconfiança genérica, ideológica, da iniciativa privada e das suas organizações tem consequências nefastas. Apenas um exemplo: propor no Parlamento uma legislação que impediria as Instituições de Ensino Superior de serem partes em consórcios com entidades privadas, por essa via prejudicando, por exemplo, a participação de Universidades e Politécnicos na rede de Laboratórios Colaborativos, como fez um partido que se considera à nossa esquerda, é profundamente retrógrado, desatento ao que contribui para o desenvolvimento dos territórios.

 

 Já o PS, também neste ponto, é diferente de uns e de outros. É a força do equilíbrio certo entre o público e o privado, e, historicamente, a nossa missão no Portugal democrático também tem passado por combinar público e privado na ótica do bem comum.

Ora, este é um ponto muito importante para acelerar o crescimento económico e melhorar o rendimento dos portugueses, porque precisamos de continuar a acelerar a inovação. 

 

 

A inovação não é só tecnologia; a inovação não resulta apenas de despesa, embora seja preciso investir.

A inovação é um processo de sociedade, precisa do tipo apropriado de organização social, precisa de ser multi-atores, interdisciplinar, intersectorial.

Precisa de juntar o público, o privado, e o social, porque, se é verdade que o individualismo é incapaz de responder aos desafios do mundo, também é verdade que o Estado não é a única forma do coletivo, a sociedade tem múltiplas formas de organização que também expressam a demanda pelo bem comum.

 A inovação precisa de interação, envolvendo o conhecimento, as instituições que estruturam os territórios, o ativismo endógeno que conhece os problemas e as gentes, os investidores, aqueles que estão capazes de transformar conhecimento em produtos transacionáveis, tal como precisa do poder de fogo do Estado, que não serve só para corrigir falhas de mercado, nem pode ser só credor de último recurso, tem de ser investidor de primeira linha.

É que as visões de curto prazo matam a inovação. A financeirização da economia focou muitos atores no curto prazo, na lógica dos dividendos rápidos, muitas vezes prejudicando a economia real e perdendo de vista o médio e o longo prazo, afetando a capacidade de lidar com a incerteza do futuro.

É também por isso que a inovação precisa do investimento público, mas também precisa dos serviços públicos, focados nas necessidades das pessoas, das organizações sociais, das empresas, dos territórios, porque serviços públicos de qualidade fazem-nos avançar mais para uma sociedade decente, que garante aquilo que Amartya Sen chamou liberdades substantivas, e que, com menos desigualdades injustas, será uma sociedade mais capaz de libertar criatividade e talento para a inovação. 

 

 

Não queremos serviços públicos só para os pobres, porque se assim for, em pouco tempo nem aos pobres servirão. Queremos serviços de qualidade para todos. A saúde, a educação, a habitação, são essenciais ao bem-estar, mas também são essenciais à economia, porque contribuem para um ecossistema de qualidade de vida, qualificações elevadas, talento e criatividade bem recompensadas.  

 Mas não é só que a inovação precise dos serviços públicos. É também que os serviços públicos precisam de inovar. Para terem cada vez mais no centro do serviço público o cidadão ou a empresa ou qualquer outra organização social. Para que seja possível fazer mais com menos papel, menos deslocações, menos filas, menos tempo, menos repetições. Só há inovação com inovação social, macro ou micro inovação social, como demonstraram tantas vezes os nossos serviços públicos durante a pandemia, uma enorme capacidade para inovar na resposta a necessidades prementes dos cidadãos, mesmo em condições extraordinárias.

A inovação tem de ser orientada por missões, missões claramente identificadas: grandes problemas que procuram grandes respostas, com elevada relevância social, missões capazes de envolver as forças do conhecimento, as forças da ação, as forças do investimento. Missões orientadas para a prosperidade partilhada por todos e não só por alguns, envolvendo o Estado, na sua diversidade, e a sociedade, nas suas múltiplas expressões, para co-criar valor, para co-desenhar soluções.

É que a lógica do serviço público é mesmo mobilizar-se para missões socialmente relevantes.

É por isso que hoje, aqui, procuramos respostas concretas. E por isso que hoje, aqui, pedimos a vossa experiência, o vosso saber, os vossos contributos. Mas guiamo-nos por valores. E é importante estarmos bem entendidos acerca dos nossos valores.

 

 

 Muitos repetem aquela frase “A liberdade de cada um termina onde começa a liberdade do outro”. À primeira vista, soa bem, mas está profundamente errada. Ninguém teria liberdade nenhuma sozinho no mundo. Qualquer um de nós, sozinho no mundo, estaria à mercê da natureza nua e de outros animais mais equipados para a sobrevivência na selva.

O que é real e concreto é que a liberdade de cada um só existe acompanhada da liberdade do outro. A liberdade de cada um começa onde começa a liberdade do outro.

É por isso que, para os socialistas democráticos, o Estado não tem de ser, não pode ser, hostil à iniciativa individual e social, à diversidade, à diferença. Mas não podemos realizar-nos sozinhos.

Importa valorizar os salários, e importa também valorizar o serviço público. Porque o bem-estar de todos e de cada um não se alcança recorrendo apenas ao consumo privado num mercado dito livre. A lógica do consumo individual não garante, só por si, o acesso a bens e serviços essenciais. É preciso provisão pública. É preciso organização coletiva. Por exemplo, qualquer pessoa pode dirigir-se a uma loja e comprar um computador, mas o acesso à Internet de alta velocidade depende da infraestrutura material que não pode ser instalada por cada um individualmente. E o mesmo podemos dizer de aspetos ainda mais fundamentais da nossa vida, como o acesso a água canalizada ou saneamento básico.

 

 

Organização. Precisamos de continuar a investir, mas também precisamos de organização mais inteligente. O que nos estimula a colocar em debate aquelas três questões que são tema para hoje é que elas procuram por uma organização mais inteligente do esforço coletivo dos portugueses.

A evolução da despesa em Investigação e Desenvolvimento mostra o caminho. Com a direita, até 2015, o peso no PIB da despesa pública em I&D desceu – e, descendo, arrastou a despesa privada, que desceu ainda mais. Com o governo do PS, de 2015 para cá, a despesa pública em I&D aumentou, e, aumentando, puxou para cima a despesa privada, que aumentou ainda mais. É este tipo de círculo virtuoso que precisamos de intensificar, alargar, replicar. 

 

 

Mudar a própria mudança – “mudança, tomando sempre novas qualidades”, como dizia o poeta.

É para podermos contar com o vosso contributo para este empreendimento que vos convidamos a irmos agora para os painéis temáticos.

Obrigado e bom trabalho.

 

 

 
 Porfírio Silva, 13 de Dezembro de 2021
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12.11.21

Sair da crise

Deixo aqui, para registo, o artigo de minha autoria que o Público deu à estampa ontem (11 de Novembro) na sua edição em papel.
 
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1. Os partidos têm o dever de se focar no que entendem ser o interesse nacional. Creio ser do interesse comum que os partidos ofereçam alternativas democráticas à cidadania, permitindo escolhas claras de rumo e de equipa. Essa continua a ser a principal razão pela qual, fora de situações de emergência nacional, reputo de indesejável uma solução governativa assente no chamado bloco central, porque dificulta a construção de alternativas sólidas. Isso seria preguiça democrática, optar pela tranquila mediania em vez da construção de alternativas. Coisa diferente é a necessidade de um diálogo estruturado e produtivo com o PSD, não só para fazer funcionar a maioria constitucional, mas ainda para dar horizonte às políticas públicas que só dão frutos a longo prazo.
 
2. A solução política iniciada em 2015, liderada pelo PS, a que prefiro chamar Esquerda Plural, tirou o país das mãos da direita que se desculpou com a troika para aplicar um programa radical, devolveu direitos e rendimentos, retomou o investimento no Estado social, acabou com o conceito antidemocrático de arco da governação, devolveu credibilidade ao país na Europa – fez, pois, um grande trabalho. Ao PS evitou que tivéssemos ficado numa abstenção violenta que nos levaria para a mesma situação desastrosa do Pasok. E, note-se, com grande sentido de responsabilidade perante o país: o PS só contribuiu com o seu voto para derrubar o governo de Passos Coelho depois de assinados os acordos à esquerda que garantiam uma alternativa. Contudo, a atual crise política mostra que o formato dessa Esquerda Plural tinha fragilidades, às quais precisamos responder. 
 
3. A democracia portuguesa conseguiu desenvolver o país em pluralismo, dando representação às grandes narrativas com peso na sociedade, tirando espaço às alternativas violentas. Recentemente, tem conseguido adaptar-se razoavelmente à emergência de diversas narrativas alternativas, através de uma representação parlamentar mais fragmentada. Esse fenómeno exige uma resposta inteligente, porque a fragmentação parlamentar implicará ingovernabilidade se cada partido entender que o mandato que o voto popular lhe confere requer que todas e cada alínea do seu programa seja inegociável. Se todos assim entenderem, só pode haver soluções políticas monocolores, que é precisamente o contrário daquilo que a fragmentação exige para lidarmos com ela de forma democrática. As forças políticas têm o dever de encontrar mecanismos para a composição de soluções que representem compromissos equilibrados entre programas diferentes, mas não antagónicos. O compromisso tem má imprensa, mas é indispensável numa democracia pluralista num mundo complexo.
 
4. Por isto, o PS deve dizer ao país que pretende governar com base numa maioria parlamentar que apoie explicitamente um programa de governo, escrito e claro, para que os portugueses saibam com o que contam, e esse compromisso de programa e de suporte deve ter o horizonte de uma legislatura. Consoante os resultados eleitorais, esse programa será o do PS ou o que resulte de um acordo escrito e de legislatura entre partidos. Devemos procurar esse acordo à esquerda e exigir que seja claro, para todas as partes, em que condições esse caminho será barrado, como foi agora com o chumbo do OE. Esta clareza é necessária, porque o país não pode perder mais tempo, temos de nos concentrar no trabalho pela recuperação social e económica, precisamos de uma legislatura de estabilidade e progresso, o país não precisa de mais surpresas como aquela que trouxe esta crise política. E, como fizemos em 2015, só impediremos um governo de direita democrática se existir alternativa de esquerda pronta a assumir a governação: nunca agiremos no sentido do vazio governativo. 
Só esta ambição e esta clareza permitirá à Esquerda Plural construir uma resposta sólida aos desafios de um país que queremos mais desenvolvido e mais justo.
 
Porfírio Silva, 12 de Novembro de 2021 
 
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2.11.21

Questões ao PCP.

 
 
Para registo, deixo aqui o pedido de esclarecimento que tive estar tarde a possibilidade de fazer, na Assembleia da República, ao Deputado António Filipe, no seguimento da sua Declaração Política em nome do PCP.
 
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Senhora Presidente, Senhores Deputados, Senhor Deputado António Filipe,
 
Concordamos num ponto fundamental: há uma ligação entre a situação económica e social, aquilo que há a fazer no país, e a situação política, sendo ou não sendo capaz de lhe dar resposta. Há uma ligação, portanto, entre termos orçamento ou não termos e sermos ou não sermos capazes de nos concentrarmos agora na recuperação económica e social do país. E, portanto, no fundo, há uma questão na sua declaração política, na declaração política do PCP, que também é nossa: qual é o sentido, qual é a racionalidade, de chumbar um Orçamento de Estado que melhora as políticas públicas, que não tira nada do que era bom e estava a funcionar e que acrescenta coisas boas, designadamente algumas que o senhor deputado citou.
 
Podia achar-se que era natural o grupo parlamentar do Partido Socialista pensar assim, mas nós não somos os únicos a pensar assim. Em Maio passado, um distinto deputado e dirigente do PCP escreveu assim, em público: “Tenho ouvido frequentemente as intervenções de dirigentes, antigos dirigentes e deputados do BE, a justificar o facto de terem votado contra o OE para 2021, com críticas duras ao dito OE. Por irónico que possa parecer, se podem fazer esse discurso, devem-no à atitude responsável do PCP.” (Que o tinha deixado passar.) “É que, se o PCP tivesse feito o mesmo…” – e, depois, vêm várias consequências: o país ficava a viver com duodécimos, os 300.000 trabalhadores em lay-off ficavam com menos um terço do salário, o SNS ficava mais à míngua, os reformados sem aumentos… “e sabe-se lá com que Governo”, também dizia… o senhor Deputado António Filipe, na sua página pessoal no Facebook.
 
Ou seja: aqui há uns meses, o PCP era responsável, porque tinha deixado passar o Orçamento, e o BE era irresponsável, porque não tinha deixado passar o Orçamento. E agora como é que é? É que não era só a questão das medidas concretas, era também a questão do “sabe-se lá com que Governo”, ou seja, havia uma questão de governabilidade, na questão que o senhor Deputado colocou – enfim, o senhor Professor António Filipe, porque pode sempre invocar que não é o deputado que escreve no Facebook –, mas a minha pergunta, a nossa pergunta, é esta:
 
Nós não somos voluntaristas, nós não acreditamos em soluções de geração espontânea, como talvez os liberais acreditem, nós não acreditamos que o Estado Social seja um helicóptero, que basta lançar dinheiro quando estamos aflitos; o Estado Social é organização, é estruturação da sociedade, da comunidade, em função do bem comum, e portanto, precisamos de ferramentas políticas. Tendo o PCP feito aquilo que fez, que ferramentas políticas está o PCP disposto a oferecer ao país para não perdemos tempo para trabalhar para a recuperação social e económica que tão urgente é?
 
Porfírio Silva, 2 de Novembro de 2021 
 
 
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