Por ocasião do XXIV Congresso Nacional da Juventude Socialista, o Jovem Socialista, pela mão do seu Diretor Diogo Vintém, fez publicar um número especial dedicado a esse momento de passagem de testemunho na organização, como é sempre um Congresso onde muda a liderança (saiu, agora, da função de secretário-geral, o Miguel Costa Matos). Para além dos textos "obrigatórios" num número dessa natureza, este número do Jovem Socialista inclui dois textos sobre a história da JS. São dois textos de propostas e de candidatos, a seu tempo, derrotados em congressos da organização. Um desses textos é da minha responsabilidade e reproduzo-o aqui, para registo. No final, darei a ligação para poderem ler na íntegra este número do órgão central da JS.
Aproveito o texto que me pediu o diretor do Jovem
Socialista, camarada Diogo Vintém, por ocasião do XXIV Congresso Nacional da
JS, o primeiro congresso em muitos anos que ultrapassa aquilo que considero a
insuficiência democrática da candidatura única sistemática, para um exercício
de estímulo a mais informação e mais reflexão sobre a história da JS. A
história da JS é uma história política, não é uma mera cronologia de líderes, e
não deve ser caricaturada. Deve, pelo contrário, saradas as feridas dos
confrontos passados, ser assumida, debatida e pensada como parte do processo de
crescimento do coletivo, grande, livre e plural, que é este partido a que
pertencemos. Então…
O momento em que assumi maiores responsabilidades no debate político na JS foi o V Congresso Nacional, em fevereiro de 1984. Fui candidato à liderança, com uma moção intitulada “Com as nossas mãos o futuro, com os militantes a esperança”. Os autores do livro “Juventude Socialista: 30 anos de estórias de Portugal e do Mundo” (2004), escrevem que ocorreu aí a primeira rutura com a continuidade diretiva da JS desde a sua fundação, saindo derrota a lista alinhada com a anterior direção, liderada por Porfírio Silva. Vale a pena contar aqui um pouco do contexto desse Congresso, que são os começos dos já longínquos anos 1980.
O IV Congresso (1981) elegera como secretária-coordenadora a
primeira mulher a liderar, em Portugal, uma organização político-partidária com
autonomia: Margarida Marques. Ainda não tinham passado 7 anos sobre o 25 de
Abril e os socialistas estavam na oposição ao governo da primeira AD. A crise
interna do PS, por ocasião da reeleição de Eanes para a Presidência, estava a
causar muitas feridas.
Foi durante esse mandato que entrei para o Secretariado
Nacional. Pela primeira vez, 5 membros desse órgão eram obrigatoriamente camaradas
residentes fora de Lisboa, os 5 Secretários Nacionais de Coordenação Regional,
cobrindo todo o território. (Eu entrei para o SN com a coordenação de Aveiro,
Coimbra e Viseu). Sistematizou-se, ainda, a prática das reuniões do SN com as
Federações.
Foram anos de atividade política intensa, da qual podemos
destacar alguns aspetos, em vários planos. A JS elaborou, em colaboração com
camaradas do Partido, um projeto de lei de Bases do Sistema Nacional de
Educação (antes de qualquer outra iniciativa para aprovar essa lei). Apresentou
no parlamento dois projetos-lei para legalização das associações de estudantes
(um sobre ensino secundário, outro sobre ensino superior) e um projeto-lei
sobre o estatuto dos objetores de consciência ao serviço militar (em tempos de
serviço militar obrigatório, a objeção de consciência estava na Constituição,
mas não na lei).
Reformulou-se o apoio à participação de socialistas nas
associações de estudantes, tendo passado de 5 para 40 as associações do
secundário onde estávamos presentes. No superior, as vitórias mais importantes
foram na Associação Académica de Coimbra, em Direito (Lisboa) e na Universidade
dos Açores.
Tema candente na altura, a JS entrou na luta contra o
nuclear (campanhas “Não a Sayago” e “Armamento Nuclear Não, Obrigado”). Em
outubro de 1983, a JS realizou uma grande Conferência sobre a Paz e o
Desarmamento, com participação de várias organizações socialistas estrangeiras e
muitos oradores nacionais de referência, marcando a posição da esquerda
democrática, que, querendo travar a corrida aos armamentos, seguia a análise de
François Mitterrand, numa Europa ainda dividida pelo Muro de Berlim: vemos que
os mísseis estão a Leste e que os pacifistas estão a Oeste. Fui um dos
principais responsáveis pela conceção e realização desta conferência, que tinha
como objetivo político contrariar a tentativa dos comunistas para
instrumentalizar a luta pela paz.
De destacar, do trabalho feito neste período, a criação do
Conselho Nacional de Juventude. Por iniciativa da Juventude Socialista, em maio
de 1982, sentaram-se à mesa e chegaram a acordo para criar o CNJ, subscrevendo
as suas Bases Gerais, 20 organizações de juventude, as mais representativas no
espectro partidário e fora dele. Fui um dos subscritores desse documento. Ficou
de fora a JSD, que só aderiu mais tarde. É um sinal (triste) das tentativas de
reescrever a história que, posteriormente, alguns tenham feito tudo para apagar
da história os iniciadores do CNJ, alimentando a ficção de que começou apenas
no momento da sua escritura formal de constituição.
Entretanto, a conflitualidade interna, quer no PS quer na
JS, era muito elevada neste período. No PS, o IV Congresso (maio de 1981)
registara a divisão interna mais virulenta de toda a nossa história. O V
Congresso (do PS) baixara um pouco a tensão, mas, principalmente, à custa de
uma situação política completamente diferente: o PS estava de novo no governo,
formalmente aliado ao PSD. Nas eleições legislativas, a minoria partidária
tinha quase completamente desaparecido das listas de candidatos a deputados e
do grupo parlamentar. Muitos dirigentes da JS eram (ou eram considerados)
próximos da minoria partidária. No governo do Bloco Central, o Ministro da
Educação era do PSD – e, vistas as suas políticas, passado algum tempo a JS pediu
a sua demissão. (O PSD fazia oposição todos os dias ao governo PS-PSD, mas não
era esse o caso do PS…). No cruzamento de todas estas questões, uma parte do
aparelho do PS considera que a JS era “oposição” e que era preciso encontrar
uma direção mais “tranquila” para os jovens. A minoria da JS aproveitou esse
balanço (e o apoio no terreno de muitos funcionários do partido, que foram
incentivados a apoiar uma das candidaturas). Com a revolução e o 25 de Abril a
deixar de ser tema dominante na vida dos jovens, avançava a passos largos o
processo designado como “despolitização” e a direção da JS (e eu próprio, como
candidato) era tido como “demasiado ideológico” para os tempos.
Havia, de facto, na altura, clivagens dentro da JS acerca do
entendimento que devia ser dado à autonomia da organização e à especificidade
da nossa missão junto da juventude portuguesa. Dou um exemplo que está muito
vivo na minha memória. Quando o Secretário-Geral do PS entrou no pavilhão onde
se realizava o V Congresso, em Tróia – Mário Soares era, nessa altura,
Primeiro-Ministro do governo PS-PSD – eu levantei o congresso com uma palavra
de ordem que visava a demissão do ministro da educação, do PSD (creio que seria
“Seabra para a rua”), na sequência do pedido de demissão que já tínhamos feito
publicamente. O meu camarada José Apolinário, o candidato que saiu vencedor
desse congresso, alinhou na onda e juntou-se ao pavilhão, que já estava em
uníssono a seguir aquela reivindicação. Mas, depois de ganhar o congresso,
esqueceu isso e explicava-nos que o partido não gostaria dessa reivindicação…
Hoje, quando alguns se queixam de que a JS não faz “o seu trabalho” junto da
juventude, lá fora das nossas portas, vale a pena refletir sobre se, realmente,
é mais importante que a JS seja a voz do PS junto da juventude ou que a JS seja
a voz da juventude junto do PS…
Retrospetivamente, há quem, mais jovem ou menos jovem, tenha
alguma dificuldade em entender o que era Portugal no princípio da década de 80
do século passado. Li, há algum tempo, numa das publicações da JS sobre os 50
anos da organização (dirigida pelo camarada Diogo Vintém, diretor do Jovem
Socialista), que alguém teria escrito: “1984 marcou a necessária rutura com um
passado necessariamente romântico. Em Congresso Nacional, a JS altera a sua
linha política, agora coerente com as posições económico-sociais que o PS vinha
defendendo. Do socialismo autogestionário à defesa de uma economia de mercado
regulada pelo papel do Estado foi o passo de gigante que a Juventude Socialista
deu nos duros anos 80”. É difícil imaginar um retrato mais distorcido do que se
passava na JS (e no PS) (e no país) naqueles anos. Passado pouco tempo, o PS
registaria o pior resultado eleitoral legislativo da sua história e 10 anos de
Cavaco Silva estavam prestes a começar. A esquerda estava em dificuldade – e os
socialistas, a principal força da esquerda, também. O tempo da despolitização
jogava, principalmente, contra a esquerda moderada. E, mais do que tudo, entre
a juventude. Pensar nisso seria pensar nas condições de ação política naquele
tempo. Isso seria mais útil, para os tempos de hoje, do que qualquer tipo de
mistificação (as mistificações são sempre favorecidas pela falta de
conhecimento histórico: onde é que alguém pode ver, nas moções apresentadas ao
congresso de 1984, o tal socialismo autogestionário?!)
Uma das tarefas mais continuadas que me ocuparam durante o
tempo em que fui dirigente nacional da JS a nível executivo, além de ter sido
responsável pela Formação, foi a publicação do Jovem Socialista. Exerci essa
responsabilidade como chefe de redação, porque a Comissão Nacional sofreu
durante largos meses de falta de quórum (provocado, como parte da querela
interna), impossibilitando a eleição do diretor. Assim, assumindo a
secretária-coordenadora o papel de diretora-interina, foi como chefe de redação
que fiz publicar 11 números do órgão central da organização, entre novembro de
1982 e janeiro de 1984. Desses, os 9 números regulares saíram em formato de
revista e os 2 últimos (o nº 76, com os materiais do V Congresso; o nº 77, com
uma retrospetiva do Jovem do IV ao V Congresso) saíram em formato de jornal. Fazendo
um pouco de arqueologia, deixo-vos uma lista exemplificativa dos textos
publicados no Jovem Socialista entre o IV e o V congressos da JS. Vejam (e
depois da lista faço ao leitor uma pergunta simples):
The Clash, o rock contra o racismo, Não ao armamento
nuclear, Os jovens, o 25 de Abril e a Música, Masculino/Feminino: factos e
imagens, Campismo é cultura, Movimento de escritores novos, Camões e a sua
obra, Defender o meio ambiente, Estatuto do Objetor de Consciência, Dossier
Turismo Juvenil, Natal: um produto para consumo? Os mistérios de Milton
Nascimento, Discocrítica, Planeamento familiar, Entrevista com Mário
Soares, Os Jovens e o serviço militar,
Bob Marley ao Jovem Socialista, Entrevista com Filipovic, Nuclear: dizemos por
que não, JS recebe resistentes salvadorenhos, O jovem consumidor e o desporto
escolar, Objeção de Consciência, Vida Sexual da Juventude (inquérito e
entrevista com Maria Belo), JS em Beirute, durante a invasão israelita, Entrevista
com Rosa Mota, Desporto associativo em Aveiro, Campanha para as autarquias:
entrevista com Eduardo Pereira, Entrevista com um objetor da consciência
francês, O negócio das armas, RTP, para
quê?, Entrevista com Soares Louro sobre Comunicação Social, Comer, perigo de
morte?, Reportagem: «Eu abortei!», Perspetivas do movimento ecológico
internacional, Os comunistas e o nuclear, A revolução na Nicarágua, Livros
proibidos no regime fascista, The Wall (Pink Floyd), O movimento dos
Cineclubes, Lançamento do Prémio
Literário Jovem Socialista, Estudantes Socialistas em Encontro Nacional,
Cultura em debate (depoimentos de António Reis, Margarida Projecto, Fátima
Murta e Fernando Alçada), Entrevista com dois artesãos de Idanha-a-Nova, Sobre
a Lei da Defesa Nacional, Defesa do Consumidor, Defesa do Património Natural e
Cultural, A civilização do «Macho», A Imprensa de juventude no estrangeiro,
Plano de Emprego de Jovens, O Ambiente na Constituição, O Rock dos nossos
tempos, Banda Desenhada, Edição Especial: Política de Juventude da JS,
Movimento Ecológico Internacional, Desarmamento nuclear, Repúblicas coimbrãs,
Dia do Estudante; entrevista com Jorge Sampaio, dirigente associativo em 1962,
O que é a regionalização, A loucura militar, Serviço cívico: inquérito de rua,
Mapa por um mundo solidário, Entrevista com Aquino de Bragança, intelectual
moçambicano, Relatividade estrita: apontamento científico, Beatle John, Que
fomento desportivo em tempo de crise,
Poesia britânica, Grande inquérito «E agora, socialistas?», O erotismo de andar de bicicleta, Marx, quem
és tu?, Objeção de consciência no Parlamento Europeu, Fala-nos um palestino, Entrevista com Soeiro
Pereira Gomes, As dimensões do Universo, Humor e política, História do Xadrez,
Declaração sobre a Paz, Os homens ou as armas?, Entrevista com Manuel Alegre
(sobre o seu livro “Babilónia”), O roteiro dos ecologistas, Alimentação em
férias, Pratique desporto, A mulher em Os Lusíadas, A arte das aranhas,
Mulher... em chinês, Número especial sobre desarmamento, Entrevista com
dirigente da JS espanhola, Oposição filipina ao Jovem Socialista, A Juventude
Socialista e o Governo: inquérito de rua, A educação sexual, Reivindicações
estudantis, Existirão outros sistemas solares?, Cuidado com o Pato Donald, Como
vamos de música.
Lendo esta lista de assuntos tratados no Jovem Socialista,
no início dos anos 1980 (tinha, na altura, uma tiragem de 5000 exemplares e era
distribuído gratuitamente por todas as estruturas, uma das poucas despesas que
o Partido não nos regateava), parece-vos que denota uma organização paleolítica?
(O número do Jovem Socialista onde este texto foi editado pode ser lido na íntegra ou descarregado aqui: Jovem Socialista nº 537, dezembro 2024)