No próximo dia 14 de maio a Turquia vai a eleições. Erdogan, primeiro-ministro entre 2003 e 2014 e presidente desde então, recandidata-se. Se voltar a vencer, consolidará aquilo que o Instituto V-Dem (para “Variedades de Democracia”) chama uma “autocracia eleitoral”: a Turquia tem eleições multipartidárias, que são relevantes apesar das condicionantes, mas faltam-lhe (ou estão muito enfraquecidos) traços fundamentais de uma verdadeira democracia (como a liberdade de expressão, a liberdade de associação, eleições livres e justas).
A verdade é que a democracia não é só o voto: é, também, um conjunto de direitos, liberdades e garantias e é, igualmente, um conjunto de instituições que organizam as regras da disputa pelo poder e de exercício dos diversos poderes. Ora, na Turquia, o sistema de Erdogan tirou o parlamento do centro da decisão política, com a Constituição modificada para permitir ao presidente governar facilmente por decreto; domesticou o poder judicial, por via de um sistema de nomeações politicamente controladas; amordaçou a comunicação social, com esquemas censórios, com intimidação de jornalistas, com controlo económico; alimenta perseguições à oposição política e aos ativistas que não convêm ao poder, muitas vezes recorrendo à acusação infundada e arbitrária de serem aliados dos terroristas (por exemplo, o presidente da câmara de Istambul está ameaçado de prisão e de perda de direitos políticos); controla o banco central, supostamente independente; usa a família do presidente como núcleo de uma rede de controlo dos poderes.
Além da investida estrutural contra as instituições democráticas, Erdogan não se coíbe de usar os meios do Estado para tentar garantir apoiantes praticamente à boca das urnas. Um exemplo será a mobilização do Anadolu, primeiro porta-aviões construído na Turquia, para um “cruzeiro eleitoral” pela costa na zona do Bósforo e de Istambul, procurando atrair o entusiasmo nacionalista para apoiar o presidente. Outro exemplo, mais clássico, foi o anúncio, poucos dias antes das eleições, de um aumento de todos os funcionários públicos turcos em 45% (quarenta e cinco por centro!) da sua retribuição.
Então, neste quadro, pergunta-se: valerá a pena depositar alguma esperança nas próximas eleições gerais turcas? O académico Berk Esen, da Universidade de Sabanci, diz que as eleições no seu país são como um jogo de futebol em que uma equipa tem 11 jogadores, a outra tem 8 e o árbitro está do lado da equipa maior – mas a equipa mais pequena, mesmo contra o árbitro, pode ganhar se tiver melhores jogadores e melhor estratégia. Quer dizer: as condições da disputa eleitoral não são justas, nem garantem a igualdade dos competidores, mas existe uma possibilidade real de mudar as coisas nas eleições. Importa sublinhar que o povo turco parece concordar com esta avaliação: nas mais recentes eleições, sejam locais ou gerais, a participação tem sido superior a 80%.
A alternativa viável a Erdogan é a coligação Aliança Nacional, composta por seis partidos, cujo candidato presidencial é Kemal Kilicdaroglu. Não se deve esperar que, no caso de vitória da Aliança Nacional e de Kemal Kilicdaroglu, ocorra rapidamente qualquer mudança fundamental na relação da Turquia com a UE, designadamente em termos geostratégicos, porque a teia traçada por Erdogan não será facilmente reestruturada. É certo que Kemal Kilicdaroglu declarou, em texto publicado no The Economist, que a vitória da sua coligação permitiria restabelecer a orientação da Turquia para o Ocidente. Não creio, no entanto, que isso signifique uma postura radicalmente nova no tabuleiro da guerra e da paz, mas significará que a Turquia se tornará mais democrática e mais aberta – o que, sim, de facto, seria positivo para os democratas e para a Europa. Portugal é mais pequeno e, no entanto, a abertura democrática de 25 de Abril de 1974 teve efeitos positivos no avanço das democracias contra os autoritarismos. É essa possibilidade, num país muito populoso (cerca de 85 milhões de habitantes) e decisivo para o xadrez global do mundo, que justifica que alguns considerem que as eleições gerais na Turquia no próximo dia 14 serão as eleições mais importantes em todo o mundo no corrente ano de 2023.
Porfírio Silva, 10 de maio de 2023