22.12.21

O facilitismo de Rui Rio

10:00
Deixo aqui, para registo, o artigo que publiquei ontem, no Observador, sobre as declarações de Rui Rio no Congresso do PSD, no que toca à Educação.
 
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O governo do PS reduziu o abandono escolar precoce de 13,7% em 2015 (uma marca muito pior do que a média europeia) para 8,9% em 2020 (mais do que superando as metas fixadas na UE). E no 3º trimestre deste ano já estava em 5,2%. Neste período, a taxa de pré-escolarização subiu de 91% para 97%. As taxas de retenção e desistência reduziram mais de 70% no ensino básico. As conclusões do ensino secundário em 3 anos (sem retenções) aumentaram 14%. E são resultados como estes que fazem com que tenhamos hoje o maior número de alunos de sempre a frequentar o ensino superior.
 
Isto são factos, não são opiniões. Quando Rui Rio acusa o PS de facilitismo na educação, o candidato do PSD não liga a factos. Tem opiniões: as mesmas opiniões de Nuno Crato, o ministro da educação de Passos Coelho que queria implodir o Ministério da Educação, que cortou à escola pública para cima de um milhão e duzentos mil euros a mais do que estava previsto no Memorando de Entendimento (“ir além da troika”, mas não no ensino privado, que foi poupado aos cortes previstos no programa da troika), que tirou da escola pública dezenas de milhares de professores porque achava que estavam a mais, que tirava turmas de uma escola pública para as colocar numa escola privada do outro lado da rua.   

 

Rui Rio diz que é facilitismo termos acabado com aqueles exames que Nuno Crato queria em Portugal, embora não existam em praticamente nenhum país civilizado do mundo. Rui Rio queria que o currículo fosse impossível de cumprir, exceto para aqueles que pudessem duplicar a escola em explicações pagas por fora, à custa das famílias, em vez de trabalhar para que todos aprendam o que é mesmo preciso aprender para continuar a aprender com sucesso.

 

Entretanto, o cúmulo da hipocrisia é Rui Rio falar de falta de professores. Ainda em Julho de 2019, Rui Rio, no quadro da teoria geral da necessidade de eliminar desperdícios na Administração Pública, dizia que havia professores a mais. Rui Rio apelava a medidas de gestão – só se fosse gestão ruinosa… Quando, ainda na legislatura anterior, o PS propôs no parlamento que se pedisse um estudo ao Conselho Nacional de Educação sobre recrutamento de professores, porque era preciso estudar para resolver, o PSD o que fez? Absteve-se. Olhou para o lado. O PSD alheia-se dos problemas quando é tempo de planear a sua resolução, para depois dizer tudo e o seu contrário. Isto, sim, é que, no mínimo, é facilitismo. Mas talvez seja mesmo irresponsabilidade.

 

Rui Rio é a prova viva de que estar contra não chega para saber o que fazer. A recorrente tentativa de apoucar a escola pública e instilar soluções que favoreçam a escola privada é particularmente grave neste tempo: este PSD não percebeu até que ponto a pandemia demonstrou como a escola pública é essencial para os portugueses. A escola pública fez, e faz, o que mais ninguém quer ou pode fazer. Se Rui Rio não fosse facilitista, e olhasse para os factos, entenderia isto. Mas optou por ser uma cópia requentada de Nuno Crato: ideologia pura, da retrógrada.

 
Porfírio Silva, 22 de Dezembro de 2021
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13.12.21

Construir um programa eleitoral progressista

18:31
 
 
 
Deixo aqui, para registo, a intervenção que fiz ontem, 12 de Dezembro de 2021, na sessão de abertura do Fórum Nacional "Confie no Futuro", na qualidade de Diretor do Gabinete de Estudos do PS. Foi no Porto e no âmbito do processo de construção participada do programa eleitoral do PS às Legislativas de 30 de Janeiro de 2022.
 
 
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Boa tarde, Porto! Porto, de onde se fez Portugal!

Cumprimento todos e todas aqui presentes… e tenho umas saudações especiais.

Daqui queria saudar especialmente a D. Aida, que manteve a mercearia do meu bairro a funcionar durante o período mais duro do confinamento.

Quero daqui saudar o Sr. Carlos, que continuou a passar à minha porta a recolher o lixo.

Saudar a enfermeira Ludmila, que continuou sempre a trabalhar no centro de saúde.

Saudar a Professora Helena, que manteve sempre a funcionar a equipa da sua escola e que nunca deixou os alunos fora da vista e fora do seu acompanhamento.

E quero saudar todos aqueles que a sociedade agora reconhece como trabalhadores essenciais, porque a pandemia ajudou-nos a ver mais claro aquilo que realmente importa na nossa humanidade.

E quero também saudar um certo trabalhador essencial para todo o país, essencial em manter os poderes públicos como referência para toda a comunidade nacional durante os momentos mais duros da pandemia, o líder de uma grande equipa de trabalhadores essenciais que merecem o nosso reconhecimento pela enormidade da tarefa e pela grandeza da entrega, obrigado trabalhador essencial Primeiro-Ministro António Costa!

 

 

Este Fórum Nacional é mais um momento do processo de construção participada do programa eleitoral do PS.

Na brochura que foi distribuída constam alguns dos resultados destes 6 anos de governação. Os indicadores são robustos. O país avança. Apesar do choque tremendo da pandemia, o país está mais preparado para o futuro. Para nós, o país são as pessoas, o país só está melhor quando as pessoas estão melhor.

Quer isto dizer que estamos satisfeitos?

Não, nunca estamos. Queremos fazer o que falta fazer. Porque quanto mais já fizemos, mais podemos fazer.

Por isso colocamos três questões em debate hoje:

“Como acelerar o crescimento económico e melhorar o rendimento dos portugueses?”

“Como diminuir as desigualdades e reforçar a resposta dos serviços públicos?”

“Como fortalecer e continuar a modernizar o SNS?”

 

Estas questões representam vetores chave da nossa ação governativa e parlamentar, nos 6 anos que passaram, nos 4 que aí vêm.

E são também uma marca da nossa identidade política, da forma própria e única como o partido do socialismo democrático assume responsabilidades na comunidade nacional, a nossa visão do público e do privado, do papel do Estado e da iniciativa privada e da iniciativa social. Que não é nem a visão da direita nem a visão das outras esquerdas.

A direita que temos não gosta dos serviços públicos. Quando está na oposição critica-os, quando está no poder corta-os. Mesmo quando se esconderam atrás da troika como desculpa para o seu projeto ideológico, cortaram milhares de milhões de euros a mais do que estava previsto no Memorando de Entendimento em prejuízo de serviços públicos essenciais, como o SNS ou a escola pública. Para nós, muito diferentemente, os serviços públicos são essenciais, aos cidadãos e à economia. Para a direita, quando se esquece de ter cuidado com as palavras, os serviços públicos são gorduras do Estado. Para nós, os serviços públicos são fatores de desenvolvimento.

Por outro lado, há certas esquerdas que têm uma enorme desconfiança da iniciativa privada. A desconfiança genérica, ideológica, da iniciativa privada e das suas organizações tem consequências nefastas. Apenas um exemplo: propor no Parlamento uma legislação que impediria as Instituições de Ensino Superior de serem partes em consórcios com entidades privadas, por essa via prejudicando, por exemplo, a participação de Universidades e Politécnicos na rede de Laboratórios Colaborativos, como fez um partido que se considera à nossa esquerda, é profundamente retrógrado, desatento ao que contribui para o desenvolvimento dos territórios.

 

 Já o PS, também neste ponto, é diferente de uns e de outros. É a força do equilíbrio certo entre o público e o privado, e, historicamente, a nossa missão no Portugal democrático também tem passado por combinar público e privado na ótica do bem comum.

Ora, este é um ponto muito importante para acelerar o crescimento económico e melhorar o rendimento dos portugueses, porque precisamos de continuar a acelerar a inovação. 

 

 

A inovação não é só tecnologia; a inovação não resulta apenas de despesa, embora seja preciso investir.

A inovação é um processo de sociedade, precisa do tipo apropriado de organização social, precisa de ser multi-atores, interdisciplinar, intersectorial.

Precisa de juntar o público, o privado, e o social, porque, se é verdade que o individualismo é incapaz de responder aos desafios do mundo, também é verdade que o Estado não é a única forma do coletivo, a sociedade tem múltiplas formas de organização que também expressam a demanda pelo bem comum.

 A inovação precisa de interação, envolvendo o conhecimento, as instituições que estruturam os territórios, o ativismo endógeno que conhece os problemas e as gentes, os investidores, aqueles que estão capazes de transformar conhecimento em produtos transacionáveis, tal como precisa do poder de fogo do Estado, que não serve só para corrigir falhas de mercado, nem pode ser só credor de último recurso, tem de ser investidor de primeira linha.

É que as visões de curto prazo matam a inovação. A financeirização da economia focou muitos atores no curto prazo, na lógica dos dividendos rápidos, muitas vezes prejudicando a economia real e perdendo de vista o médio e o longo prazo, afetando a capacidade de lidar com a incerteza do futuro.

É também por isso que a inovação precisa do investimento público, mas também precisa dos serviços públicos, focados nas necessidades das pessoas, das organizações sociais, das empresas, dos territórios, porque serviços públicos de qualidade fazem-nos avançar mais para uma sociedade decente, que garante aquilo que Amartya Sen chamou liberdades substantivas, e que, com menos desigualdades injustas, será uma sociedade mais capaz de libertar criatividade e talento para a inovação. 

 

 

Não queremos serviços públicos só para os pobres, porque se assim for, em pouco tempo nem aos pobres servirão. Queremos serviços de qualidade para todos. A saúde, a educação, a habitação, são essenciais ao bem-estar, mas também são essenciais à economia, porque contribuem para um ecossistema de qualidade de vida, qualificações elevadas, talento e criatividade bem recompensadas.  

 Mas não é só que a inovação precise dos serviços públicos. É também que os serviços públicos precisam de inovar. Para terem cada vez mais no centro do serviço público o cidadão ou a empresa ou qualquer outra organização social. Para que seja possível fazer mais com menos papel, menos deslocações, menos filas, menos tempo, menos repetições. Só há inovação com inovação social, macro ou micro inovação social, como demonstraram tantas vezes os nossos serviços públicos durante a pandemia, uma enorme capacidade para inovar na resposta a necessidades prementes dos cidadãos, mesmo em condições extraordinárias.

A inovação tem de ser orientada por missões, missões claramente identificadas: grandes problemas que procuram grandes respostas, com elevada relevância social, missões capazes de envolver as forças do conhecimento, as forças da ação, as forças do investimento. Missões orientadas para a prosperidade partilhada por todos e não só por alguns, envolvendo o Estado, na sua diversidade, e a sociedade, nas suas múltiplas expressões, para co-criar valor, para co-desenhar soluções.

É que a lógica do serviço público é mesmo mobilizar-se para missões socialmente relevantes.

É por isso que hoje, aqui, procuramos respostas concretas. E por isso que hoje, aqui, pedimos a vossa experiência, o vosso saber, os vossos contributos. Mas guiamo-nos por valores. E é importante estarmos bem entendidos acerca dos nossos valores.

 

 

 Muitos repetem aquela frase “A liberdade de cada um termina onde começa a liberdade do outro”. À primeira vista, soa bem, mas está profundamente errada. Ninguém teria liberdade nenhuma sozinho no mundo. Qualquer um de nós, sozinho no mundo, estaria à mercê da natureza nua e de outros animais mais equipados para a sobrevivência na selva.

O que é real e concreto é que a liberdade de cada um só existe acompanhada da liberdade do outro. A liberdade de cada um começa onde começa a liberdade do outro.

É por isso que, para os socialistas democráticos, o Estado não tem de ser, não pode ser, hostil à iniciativa individual e social, à diversidade, à diferença. Mas não podemos realizar-nos sozinhos.

Importa valorizar os salários, e importa também valorizar o serviço público. Porque o bem-estar de todos e de cada um não se alcança recorrendo apenas ao consumo privado num mercado dito livre. A lógica do consumo individual não garante, só por si, o acesso a bens e serviços essenciais. É preciso provisão pública. É preciso organização coletiva. Por exemplo, qualquer pessoa pode dirigir-se a uma loja e comprar um computador, mas o acesso à Internet de alta velocidade depende da infraestrutura material que não pode ser instalada por cada um individualmente. E o mesmo podemos dizer de aspetos ainda mais fundamentais da nossa vida, como o acesso a água canalizada ou saneamento básico.

 

 

Organização. Precisamos de continuar a investir, mas também precisamos de organização mais inteligente. O que nos estimula a colocar em debate aquelas três questões que são tema para hoje é que elas procuram por uma organização mais inteligente do esforço coletivo dos portugueses.

A evolução da despesa em Investigação e Desenvolvimento mostra o caminho. Com a direita, até 2015, o peso no PIB da despesa pública em I&D desceu – e, descendo, arrastou a despesa privada, que desceu ainda mais. Com o governo do PS, de 2015 para cá, a despesa pública em I&D aumentou, e, aumentando, puxou para cima a despesa privada, que aumentou ainda mais. É este tipo de círculo virtuoso que precisamos de intensificar, alargar, replicar. 

 

 

Mudar a própria mudança – “mudança, tomando sempre novas qualidades”, como dizia o poeta.

É para podermos contar com o vosso contributo para este empreendimento que vos convidamos a irmos agora para os painéis temáticos.

Obrigado e bom trabalho.

 

 

 
 Porfírio Silva, 13 de Dezembro de 2021
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