Seria possível comprar, em poucos meses, algo como um milhão e trezentos mil computadores para dotar todos os alunos e todos os professores da escola pública, como pretendemos?
Vamos por partes.
1. É duvidoso que isso fosse possível sequer em tempos normais. Há agentes do setor que estimam que, normalmente, se vendem uns 600 computadores por dia em Portugal. Imaginem o que seria carregar o mercado, de um momento para o outro, com aquela procura suplementar. Não haveria capacidade de resposta. Essa é, aliás, a razão pela qual a proposta de resolver o problema com a entrega de vouchers aos alunos (ou às famílias) é a habitual tentativa de esconder o sol com a peneira. (Além de que a direita resolve tudo com vouchers…)
O Governo tentou, então, o mercado internacional. Até porque comprar em grandes quantidades permite melhorar a relação entre o preço e o desempenho da máquina. Só que, com a pandemia em ciclos desfasados no tempo entre o Oriente e o Ocidente (por exemplo, com a China a importar muito menos e a exportar muito mais), têm-se registado grandes mudanças no comércio mundial e perturbações graves no transporte internacional a nível global, afetando quer a circulação de matérias primas, que de componentes e produtos acabados.
Há falta de contentores disponíveis para transporte (fala-se de um milhão de contentores imobilizados no interior da América do Norte); há falta de espaço disponível nos navios; em certas zonas há falta de mão-de-obra para cargas e descargas; há barcos retidos por terem membros da tripulação infetados com Covid – e, consequentemente, congestionamento dos portos. Além do mais, o preço do transporte de contentores disparou (fala-se de um salto de 2.000 para 10.000 dólares americanos).
Ao nível nacional várias entidades têm alertado para as dificuldades decorrentes desta situação, como sejam a Associação dos Agentes de Navegação de Portugal, a Associação Portuguesa de Transitários, o Conselho Português de Carregadores, a própria Associação Empresarial de Portugal, e, claro, vários empresários conhecedores desta realidade.
A verdade é que este problema generalizado é muito concreto no caso dos computadores. Um empresário do sector (Jorge Sá Couto) faz algumas contas que ajudam a explicar ruturas de stock a nível global. “Por ano, em média vende-se mais de 200 milhões computadores no mundo inteiro. E de repente as encomendas somaram a esse número mais 200 milhões de computadores”, estima (em declarações ao Expresso Economia).
E o aumento da procura não vai estimular o aumento da capacidade de produção, porque não valerá a pena investir em novas fábricas quando se espera que daqui a algum tempo a procura normalize (as fábricas estariam a funcionar quando já não fossem necessárias). Há muitos componentes cuja escassez pode impedir a montagem de um computador: desde memórias até baterias, passando por um baratíssimo “chip codec”.
O diretor de uma grande empresa de transporte marítimo dizia há dias: “Encomendei quatro computadores para a empresa em setembro e até hoje ainda não os recebi. Agora dizem-me que pode ser em março, mas também não têm a certeza, por que a empresa que os monta aqui está à espera que cheguem alguns componentes”.
(Verificar, por exemplo, as seguintes notícias de jornal: Caos no transporte marítimo trava importações para a indústria E Logística: A tempestade perfeita ou a importância dos contentores vazios ; Há marcas a entregar apenas 30% dos computadoresencomendados. Disrupção vai dominar 2021)
2. A situação é difícil, mas o Governo não ficou parado. Já foram entregues às escolas 100.000 mochilas, com um kit de equipamento (não é só o computador, inclui vários acessórios necessários para comunicar à distância, mais o software instalado) e um kit de conectividade, com acesso gratuito para uso educacional responsável, sem limites, mais 2 GB de dados gratuitos por mês até ao fim do ano lectivo.
O Governo conseguiu, recentemente, captar uma encomenda extra de 15 mil computadores.
E, claro, espera que lhe sejam entregues os 335 mil computadores que já comprou – e que não chegaram ainda pelas razões explanadas acima. Outros tiveram menos sucesso que nós. Vários governos europeus têm tido dificuldades em comprar computadores. A África do Sul comprou 12 milhões e ainda não terá recebido nenhum.
Não foi possível ter tudo no princípio do ano letivo? Não foi. Teria sido possível para alguém, pelos menos nas atuais circunstâncias? Não me parece. E aqueles que bramam… ainda não tentaram explicar como fariam diferente.
3. Não se está a trabalhar apenas pela via dos equipamentos e conectividade fornecidos pela Administração Central. Está-se, também, a reforçar a capacidade de resposta do país por outras vias, designadamente as autarquias.
Por decisão da Comissão Interministerial de Coordenação do Portugal 2020, de junho do ano passado, foi autorizada a abertura de concursos para refinanciamento dos municípios com destino a equipamento informático e conectividade, incluindo a possibilidade de cobrir despesa nesse âmbito já feita em resposta ao primeiro confinamento. Esses concursos, autorizados para diversos Programas Operacionais Regionais e, também, para o PO Capital Humano, preveem, dentro de um certo prazo, o cofinanciamento dos projetos dos municípios a 100%, incluindo nas regiões que têm habitualmente regras menos favoráveis (caso de Lisboa e Vale do Tejo e Algarve). No conjunto dos PO das regiões Norte, Centro e Alentejo, e dos concursos abertos pelo POCH abrangendo Lisboa e Algarve, os montantes previstos ultrapassam os 14 milhões de euros.
4. Por outro lado, não se está a trabalhar apenas no plano dos equipamentos e conectividade. O digital não é uma nova panaceia, o digital é uma ferramenta, ferramenta de um processo educativo que passa fundamentalmente pela relação humana, pela relação social. A escola digital não é para ficar à distância (embora possa ser útil para quando se tem mesmo de ficar à distância), a escola digital é para abrir novas possibilidades de trabalho na própria escola e na abertura da escola ao mundo. O empenho pedagógico do digital é, pois, fundamental.
Por isso é que, desde o primeiro confinamento, o Ministério da Educação produziu muitos materiais de apoio às escolas (e disponibilizou materiais produzidos por outras entidades) para incentivar a boa utilização pedagógica dos recursos digitais. Deixemos alguns exemplos de documentos que foram sendo publicados: 8 princípios orientadores para a implementação do ensino a distância nas escolas; Contributos para a implementação do Ensino a distância nas escolas; Educação Física à distância de um clique; Princípios Orientadores para uma Avaliação Pedagógica em Ensino a Distância; Orientações para o trabalho das EMAEI na modalidade E@D; 9 princípios orientadores para acompanhamento dos alunos que recorrem ao #EstudoEmCasa; A Biblioteca escolar no plano de E@D; Orientações para a utilização de tecnologias de suporte ao ensino à distância; Recomendações no uso de plataformas que permitem a comunicação vídeo e áudio; Roteiros Recomendações de segurança (para várias plataformas); Prevenção do Abandono Escolar – Recomendações para Profissionais (Administradores Escolares, Psicólogos e Professores).
(Encontra-se aqui um resumo prático, embora incompleto.)
O investimento nos professores é fundamental para prosseguir este trabalho. Têm sido organizadas dezenas de atividades formativas em linha para um acompanhamento permanente dos profissionais. Mas, também, entre abril e junho de 2020, cerca de 3.000 professores de escolas de todo o país, na sua maioria lideranças de topo e lideranças intermédias, participaram nas duas edições da formação teórico-prática, certificada, com o selo da Universidade Aberta, sobre Docência Digital e em Rede. E já está em execução o novo plano de capacitação, no âmbito do qual 90.000 professores já fizeram o diagnóstico de competências digitais.
A verdade é que a linha coerente e estruturada que está a ser
seguida se explica pelo conteúdo do Plano de Ação para a Transição Digital, onde
tudo o que diz respeito à Educação tem elevada prioridade e robusta conceção.
(Pode descarregar daqui o Plano de Ação para a Transição Digital.)
5. A verdade é que temos um rumo, porque não começámos a pensar nisto agora. Já na anterior legislatura reforçámos de forma significativa a rede das escolas, melhorando notoriamente a qualidade do acesso. A Escola Digital foi inscrita no programa eleitoral do PS e, claro, também, depois, no programa do Governo. O Plano de Ação para a Transição Digital, envolvendo todo o Governo, começou a ser preparado no início da legislatura. Não esperámos pela pandemia para tratar disto.
No entanto, para a oposição que temos, a culpa é de António Costa, o Primeiro-Ministro que expressou a nossa ambição de entregar equipamentos e conectividade a todos os alunos e a todos os professores. Não o conseguimos fazer no início do ano letivo, como queríamos. Mas é preciso ser portador de uma carga demagógica excessivamente alta para pretender que a culpa é do Governo, sabendo-se aquilo que temos obrigação de saber acerca do estado dos mercados mundiais por efeito da pandemia.
6. De qualquer modo, o que temos é de continuar com as mangas arregaçadas, porque o aumento das desigualdades na escola, muito agravado com a pandemia, mas que já existia antes, tem de ser assumido como um obstáculo de monta a merecer o compromisso dos socialistas para o reverter com determinação nos tempos que aí vêm.