O que se espera em cada eleição é que cada cidadão eleitor saiba o que está em causa (se informe do que são, fizeram e propõem os diferentes candidatos e candidaturas) e escolha de acordo com aquilo que lhe parece melhor para o futuro: do país, dos seus, de si próprio.
Há maneiras complicadas de equacionar o voto. Por exemplo, há quem vote para castigar o seu partido, porque não gosta do líder do momento; há quem vote por puro raciocínio pessoal (esta ou aquela proposta de algum partido colide com alguma expectativa individual muito precisa ou, pelo contrário, alguém tem uma proposta que responde directamente a uma aspiração particular); há quem tenha uma ideia de base da qual nunca se desvia, votando sempre no mesmo partido independentemente do que ele tenha feito ou deixado por fazer. Contudo, em geral, o voto das pessoas assenta num raciocínio mais linear: atendendo à acção recente de cada partido e dos seus candidatos, e também das propostas que faz, qual é o voto que parece permitir continuar o que está bem ou corrigir o que está mal.
Assim, na grande maioria dos casos, as pessoas votam com base numa avaliação, tanto racional como emocional, do que lhes parece melhor para o futuro próximo de si e dos seus, que em geral não julgam muito diferente do que seria melhor para o país no seu todo. Essa apreciação traduz-se na escolha de um partido que recolherá o seu voto, por se identificar com os seus projectos e com a sua acção, com mais ou menos proximidade ideológica com esse partido (sim, há pessoas que votam num partido sem terem por ele especial simpatia genérica, mas por entenderem que está em boas condições naquele momento para fazer o que é preciso fazer). Em geral, as pessoas votam em quem querem que governe e em quem tenha dado razão para que acreditem que fará no futuro de acordo com os compromissos que assume hoje.
Ora, presentemente, estamos perante um cenário onde, vindo de muitos lados, se ouve um apelo para uma forma diferente de votar. Perante a evidência de que muitos portugueses fazem uma avaliação positiva do papel desempenhado pelo PS nos últimos anos, acreditando também que o PS tem condições para continuar num rumo favorável ao progresso social e económico do país, surge o apelo para que as pessoas votem de cernelha: “se gosta do PS, não vote no PS, vote noutro partido”; “se é socialista, não vote socialista, vote antes em nós”. Parece, mais do que uma técnica desesperada para juntar todos contra o PS, um apelo irracional. No limite, ninguém votaria no PS: os que simpatizam com X ou Y, votam em X ou Y; os que simpatizam com o PS, votam também em X ou Y. As razões apresentadas podem ser muitas, mas no essencial resumem-se a isso: cada um vota no partido que acha mais conforme à sua avaliação, excepto os que preferem o PS, sendo que esses não deveriam votar PS.
Não tenho dúvida nenhuma de que o apelo ao voto de cernelha é uma entorse à democracia. Se não, vejamos.
Quer um governo pró-União Europeia, que luta por mudar a UE mas não hesita no seu europeísmo: nesse caso, deve votar no PS ou deve votar em partidos que permanentemente põem em causa a UE?
Quer um governo que procure reduzir o défice e a dívida pública, para nos tornar mais fortes no contexto internacional e menos susceptíveis a sofrer com crises internacionais: nesse caso, deve votar no PS ou votar em partidos que desvalorizam a redução do défice e da dívida?
Quer um governo que se concentre na melhoria dos serviços públicos e neles invista com prioridade: nesse caso, deve votar no PS ou votar em partidos com vastos programas de nacionalizações, que iriam drenar os recursos públicos necessários para a educação e a saúde?
Quer um governo que aposte na descentralização: nesse caso deve votar no PS ou em partidos que, durante esta legislatura, fizeram tudo para travar essa mesma descentralização?
Quer um governo que aposte no emprego de qualidade, no aumento dos rendimentos e dos direitos do trabalho: nesse caso, deve votar no PS ou nos que julgam que os baixos salários é que são bons para a economia?
Quer um governo que aposte na educação para todos: nesse caso, deve votar no PS ou nos que querem enfraquecer a escola pública e favorecer a escola privada?
Queremos um governo que continue a abrir a economia portuguesa ao mundo: devemos votar no PS ou devemos escolher os que estão sempre contra os acordos comerciais da UE com outros espaços económicos, mesmo quando os acordos comerciais cada vez apostam mais nos aspectos sociais e ambientais da relação?
Votar é escolher. Votar livremente é escolher de acordo com a nossa apreciação racional (e também emocional) do que está em causa, e de acordo com aquilo que queremos para o futuro. Votar é escolher quem nos dá mais confiança para fazer o caminho acertado. Apelar às pessoas para que pensem uma coisa e votem outra, pedir às pessoas para votarem diferente da sua avaliação, “se acham o PS melhor, votem antes em nós”, pedir às pessoas que votem de cernelha, é um triste recurso eleitoral.
Porfírio Silva, 15 de Setembro de 2019