Há uma crise na Esquerda Plural? Procuro aqui responder a essa questão na presente conjuntura, na perspetiva de um socialista que há décadas defende uma cooperação política descomplexada com os demais partidos da esquerda.
É sabido desde o início: a solução política da Esquerda Plural tem defensores e detratores em todos os partidos da maioria parlamentar. No PS, no PCP, no BE, há eleitores mais e menos favoráveis à cooperação em curso, há militantes e dirigentes mais e menos confiantes na partilha de responsabilidades numa lógica de maioria de esquerda, há os que trabalham mais pela construção de convergências e os que empurram mais para o acentuar das diferenças. O que faz a diferença na perceção pública dessa realidade é que o PCP e o BE são mais disciplinados, transmitindo uma imagem de homogeneidade externa qualquer que seja o grau de debate interno, enquanto o PS é, como sempre foi, mais transparente na assunção pública das diferenças internas, ampliando a sua visibilidade.
No PS, alguns optaram desde o início por assumir a sua divergência com a Esquerda Plural como suporte da governação, enquanto outros se acomodaram, mesmo em lugares de responsabilidade, esperando que o tempo viesse a dar razão ao seu ceticismo. No PS, essas vozes, embora minoritárias, ao serem sobre-ampliadas, transmitem um sinal de desafeição face à Esquerda Plural. E é essa sobre-ampliação, que não a própria liberdade de opinião divergente, tão própria do PS, que desajuda o necessário trabalho de construção daquilo a que chamei “uma agenda para a década à esquerda”: mais ambição estratégica a médio prazo, ultrapassar o horizonte da legislatura e pensar, para lá das fórmulas políticas, o que pode a esquerda continuar a fazer pelas pessoas e pelo futuro deste país. Sendo, para isso, necessário tentar novas convergências em áreas de desacordo tradicional entre PS, BE e PCP.
Neste contexto, quais são as responsabilidades dos socialistas? Enuncio duas, centrais.
Primeiro, o PS não pode olhar só para o momento presente. Precisamos lançar os temas de debate que, indo às questões decisivas para a governação estratégica do país, constituem ainda dificuldades para a Esquerda Plural. Há muitos meses que identifiquei a questão europeia como central neste plano, porque governação nacional e governação europeia são hoje inseparáveis. Acredito que, mesmo contando com as enormes diferenças de partida quanto à integração europeia nas posições de PS, BE e PCP, nenhum destes partidos é euro-ingénuo e todos estes partidos sabem das insuficiências da União Europeia para promover a convergência e dar respostas reais aos cidadãos europeus. Há, certamente, outras áreas, tão importantes e tão delicadas como esta, que têm de entrar na oficina dos debates à esquerda, para dar outra largura de banda à Esquerda Plural.
Há outra grande responsabilidade dos socialistas no momento atual: sermos os depositários e os investidores do capital de esperança que a solução política da Esquerda Plural despertou no país. O governo e a maioria parlamentar destruíram os mitos do pensamento único neoliberal e libertaram a democracia representativa do muro de Berlim do arco da governação – e, com esses dois movimentos, praticam políticas que devolvem a esperança concreta a muitos cidadãos, eleitores dos vários partidos de esquerda. Temos de assumir a responsabilidade dessa esperança. Não há governação de esquerda em Portugal sem o PS, razão pela qual querer fazer do PS o bombo da festa (demasiadas vezes em uníssono com a direita) não contribui em nada para o reforço das políticas públicas progressistas. Pela nossa parte, o PS tem de assumir por completo a tarefa de garantir que também a esquerda é capaz de dar estabilidade à governação do país, que a esquerda não se esgota em curtas distâncias e é capaz de ganhar a maratona do desenvolvimento do país, que à esquerda ninguém se distrai das prioridades que melhoram a vida dos portugueses. Só podemos fazer isto com humildade democrática, assumindo as nossas posições e também o debate com os parceiros, para aprofundar o alcance e a eficácia da Esquerda Plural.
Se assim fizermos, podemos responder que não há crise nenhuma na Esquerda Plural. A menos que a esta dinâmica chamemos crise de crescimento, de uma esquerda plural e sem unanimismos. Essa é a nossa aposta.
Porfírio Silva, 18 de Julho de 2018