«Os rankings dizem meias verdades, e meia verdade pode ser uma mentira, mas devem ser analisados.»
Grande parte do que penso sobre a questão dos "rankings" de escolas pode resumir-se na frase anterior. Tive oportunidade de a explicar melhor, ontem, na Assembleia da República, onde me coube fazer a declaração política do Partido Socialista sobre esta matéria. Deixo, abaixo, o texto de base da minha intervenção.
O país debateu, nos últimos dias, mais uma edição do chamado “ranking” das escolas. Os rankings dizem meias verdades, e meia verdade pode ser uma mentira, mas devem ser analisados. Os rankings são ocasião para um confronto de ideologias, mas isso não nos incomoda, porque é assim a democracia. Não defendemos que se deixem de divulgar os dados que originam os rankings, o que queremos é que se melhore o trabalho de análise desses elementos.
Infelizmente, ainda há quem use os rankings como propaganda, ou como arma de arremesso, por exemplo das escolas privadas contra a escola pública. Há muito quem caia na armadilha de ignorar a diferença entre dados, informação e conhecimento. E digo “armadilha”, porque só obtemos informação a partir de dados se eles forem estruturados, interpretados, contextualizados. E só chegamos ao conhecimento se formos capazes de mobilizar dados e informação para compreender, para construir respostas a desafios bem identificados, para tomar decisões relevantes. Por isso importa sublinhar que ao longo dos anos muito tem sido feito para melhorar os métodos de análise e para evitar simplificações perigosas em torno dos rankings.
Um bom exemplo é o indicador “Percursos Directos de Sucesso”, construído com base em informação disponibilizada pelo Ministério da Educação desde há dois anos, indicador que não valoriza só as notas positivas nos exames, mas também os percursos sem retenções, indicador robusto porque combina avaliação interna e externa, que leva em conta a situação dos alunos que cada escola recebe à entrada do ciclo, indicador que não premeia a retenção. E importa sublinhar isto, porque o Ministério da Educação não se limita a recusar um ranking cego de exames; o Ministério da Educação trabalha para acrescentar inteligência a este exercício público, para que os rankings não reforcem práticas pedagógicas erradas e, isso sim, promovam a missão educativa global das escolas.
E temos de reconhecer que há sinais interessantes nessa direção.
Por exemplo, um conhecido sítio de notícias em linha, além do ranking dos exames, elaborou, com os dados fornecidos pelo Ministério da Educação, um “ranking do sucesso”, inspirado nos Percursos Diretos de Sucesso.
Neste “ranking do sucesso” permitem-nos fazer observações na lista interactiva. Por exemplo, para o Secundário, pedimos as vinte primeiras escolas no ranking dos exames. São todas privadas. Pedimos, depois, as vinte primeiras no “ranking” do sucesso. Dez são públicas, dez são privadas. Fazemos o mesmo exercício para o 9º ano. Pedimos as vinte primeiras no ranking dos exames: são todas privadas. Pedimos as vinte primeiras no “ranking” do sucesso: quinze são públicas, cinco são privadas. Significativo.
Verificamos que há um número importante de escolas bem colocadas no ranking dos exames e cujo retrato é muito menos favorável no ranking do sucesso. E isto é sistematicamente ignorado em alguns dos títulos gordos que se fazem por estes dias. Isto tem de ser dito, porque as métricas não são neutras. Escolher olhar preferencialmente para os exames é desvalorizar a maior fatia da avaliação, que é a avaliação interna, e também é olhar exclusivamente para a dimensão cognitiva, desvalorizando as dimensões de valores e atitudes.
Repito: as métricas não são neutras. Não queremos métricas que ignorem o trabalho das escolas a favor da inclusão dos alunos com deficiência, nem métricas que desvalorizem o trabalho com migrantes e minorias, nem métricas que menorizem as escolas que remam contra as desigualdades injustas. Não queremos eliminar completamente os elementos de competição que existem na avaliação, porque a competição também faz parte da vida, mas fazer comparações que se limitam a exacerbar a competição… é pouco educativo.
Não queremos métricas míopes. Os estudos, realizados há algum tempo pela Universidade do Porto, que concluíam que as escolas privadas preparam melhor para os exames, mas preparam pior para um bom desempenho no ensino superior, devem fazer-nos pensar. Porque não aceitamos que os rankings sejam um instrumento de facilitismo, nem um olhar curto e imediatista sobre matérias tão sérias.
Tal como, sabendo-se que há uma clara associação entre pertencer a um meio socialmente desfavorecido e ter mais insucesso escolar, não aceitamos que uma tipologia de escolas continue a negar ao escrutínio público os indicadores de contexto.
Porque importa que nada neste exercício seja propaganda.
O que precisamos é de tirar lições para o futuro. Precisamos de saber porque é que a escola pública ainda não consegue vencer as desvantagens socioeconómicas e culturais de partida. Precisamos de saber porque é que tantos alunos não concluem o Secundário na idade de referência. Precisamos de pensar se será preciso mudar o modelo de acesso ao ensino superior, para dar outra respiração ao Secundário. Precisamos de saber porque há escolas que têm sucesso a enfrentar contextos adversos e a dar o melhor do mundo aos seus alunos, e o que é que as diferencia, e como é que podemos multiplicar as lições que essas escolas nos dão.
E, claro, precisamos de continuar a reforçar as políticas certas para que todos possam concretizar o direito a aprender.
Precisamos de continuar a aplicar o modelo de avaliação ao serviço das aprendizagens, em vez da avaliação ao serviço da selecção; continuar com a aferição, confiando nas escolas, que estão a saber adaptar as suas estratégias e planificações aos resultados dos relatórios da aferição.
Precisamos de continuar o programa de promoção do sucesso escolar, porque esse tem de ser o nosso rumo fundamental.
Precisamos de continuar com a autonomia e flexibilização curricular, para que os professores e toda a comunidade educativa tenham mais margem para fazer o que sabem fazer tão bem.
Dar informação pública sobre as aprendizagens? Sim! Sim, mas respeitando o trabalho que é feito pelos alunos como pessoas, não apenas como examinandos; respeitando o que se faz em todas as dimensões da aprendizagem e não apenas nas disciplinas com exame.
Trabalhamos para que seja esse o foco de todo este exercício.
Porfírio Silva, 8 de Fevereiro de 2018