Após as legislativas de Outubro, partidos de esquerda que costumam divergir em matérias importantes encontraram uma plataforma capaz de uma viragem na governação. Esse entendimento respondeu à necessidade de interromper uma governação PSD/CDS agressivamente apostada numa estratégia de empobrecimento, destruição de direitos sociais e passagem a um país de precários apetecíveis para as formas mais selvagens de capital. Os acordos à esquerda foram possíveis porque eram necessários para travar uma direita política, ideológica, económica e social apostada em dominar absolutamente o país, uma direita para quem valia tudo para desestruturar até à violência a nossa vida colectiva. Os acordos entre o PS, o PCP, o BE e o PEV deram essa resposta – sem deixarem de ser uma geringonça, porque todos os dias têm de procurar respostas não antecipadas para os desafios da realidade. E porque essa procura se faz na heterogeneidade assumida entre parceiros.
É de uma geringonça que precisa a União Europeia para interromper a perigosa deriva em que se encontra há anos: a igualdade entre Estados-Membros e o método comunitário deram lugar a uma hierarquia de devedores e credores; os responsáveis pela promoção do interesse comum cederam o passo aos interesses nacionais mais egoístas; a prosperidade partilhada tornou-se uma miragem; a UE já nem para problemas humanitários prementes consegue construir respostas decentes e eficientes.
Porque é que a resposta à crise da UE tem de vir de uma geringonça europeia? Porque nenhum dos blocos políticos ou geográficos tradicionais tem as forças necessárias para encetar só por si um caminho de renovação. Para dar apenas o exemplo trágico da família socialista e social-democrata: quando temos “camaradas” em lugares de destaque a servir de porta-vozes dos piores aspectos da ortodoxia económica e financeira alemã, quando temos “camaradas” a liderar governos que fazem campanha contra a entrada de muçulmanos na Europa – percebemos que esta família não chega para mudar o rumo europeu.
Temos, pois, de agir para montar uma geringonça europeia. Sinais positivos recentes desse caminho: o primeiro-ministro grego a ser cada vez mais integrado na dinâmica negocial dos socialistas europeus; a iniciativa, partilhada por Mário Centeno, em que oito ministros das finanças, de proveniência geográfica e política diferenciada, identificam a necessidade de mudar o método de cálculo dos défices estruturais, para tornar mais robusta a gestão sustentável das finanças públicas. Temos de alargar a rede, para construir uma geringonça europeia alargada: por exemplo, voltando a dar mais atenção à iniciativa “Triplo A social”, da Comissária Marianne Thyssen, que poderia permitir a construção de uma dimensão de coesão social na União Económica e Monetária. Só uma geringonça para a Europa permitirá construir as alianças necessárias para quebrar a hegemonia de ferro do pensamento único, com os custos pesados que tem feito pagar a tantos.
(Texto publicado originalmente na Geringonça.)