25.1.15

alguns dos meus poemas gregos. hoje, não por acaso.




As mulheres de Delos

O lago sagrado no centro de Delos está seco.
Secou a água, secaram os deuses, secaram os homens.

Vista a vida nas casas das famílias desta cidade,
é tarde para perguntar às mulheres de Delos

por quê.


***


A explicação do espiritual


O azul move-se em colunas entre o mar e o céu,
espesso como o som das cigarras o dia inteiro.
Linguagens humanas várias movem-se
leves na mesma conversa;
as mulheres nadam ao largo,
os homens ficaram a falar em casa,
os do mar cuidam dos de terra,
os de terra cuidam dos do mar,
os conhecidos dos desconhecidos
e sobre todos paira a cítara que Hara lida no terraço.
O sol amassa todo o arquipélago num único ponto do tempo,
fora do presente.
Isto e nada mais são todos os deuses do Olimpo.
A explicação do espiritual é tão simples como uma salada grega:
a diversidade é o logos da unidade.


Imagem: Ísis em Delos.



***


a invenção de Apolo

Delos, exausto no teu seio, pergunto-te: como pôde
uma ilha inteira sem uma sombra
tornar-se uma casa de deuses?
Respondes-me, muito mais claramente que o oráculo,

em prosa,
porque a poesia é para as questões inúteis e obscuras,

que um santuário é um campo de batalha
onde os deuses nos venceram,
uma ilha purificada pela proibição de nascer e de morrer.
Um santuário é uma promessa de deserto.
Delos, exausto no teu ventre, pergunto-te: como pôde
uma ilha cercada de ausências,
sem plantas nem carneiros, sem mel nem vinho,
como pôde a aridez em símbolo produzir deuses?
E Delos responde-me que Apolo
fez o centro do mundo, um nada em pedra,
com a matéria do lugar geométrico do melhor cruzamento das rotas.
E Apolo levanta-se do túmulo para protestar
que culpa pode um pobre deus ter
de terem feito do seu templo
o primeiro banco da Antiguidade.


Imagem: lugar do templo de Apolo em Delos


***


a ilusão panóptica

No mar da madrugada contornamos a temida Babel.
Todos nadando no mesmo azul

dizemos sem palavras a mesma porção do mundo.
À míngua de equívocos fenece a torre erecta

mas Babel espera apenas que regressemos
a terra; só na nossa ilusão ela está quieta.


***




As Cíclades


duzentas e vinte ilhas mal contadas fizeram de ti,
Delos, casa de Apolo, o centro do universo.

nunca tão claramente o comércio dos homens
foi a agricultura da semente dos deuses.

agora, vazia a ágora,
o deserto do presente é de novo e finalmente eterno.

[imagem: Delos, casa de Cleópatra]
***




a pedra suspensa


A pedra que pesa suspensa sobre a cabeça de Tântalo
não se explica a si mesma.

Os palácios do Príncipe, marcados
como espaços vazios nos atlas da cidade,

não testemunham deuses irados nem catástrofes naturais:
o silêncio na parte comum do mundo é uma invenção

humana
incompreensível.
***




(Textos e imagens © Porfírio Silva)

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