28.8.12

Assange, Garzón e outros


O caso de Julian Assange não é diferente: uma aparentemente boa ideia pode esconder uma tragédia de horror. O século XX explicou isso a qualquer pessoa de esquerda que se deixe interrogar pelas realidades da história: entre os piores crimes de massas estiveram os que foram cometidos em nome dos mais nobres ideais.
Muitas vezes, a podridão escondida e em expansão no cerne de uma maçã ainda bonita por fora revela-se pela má escolha das companhias. Se Assange, que fez a sua fama de cavaleiro andante à custa do refrão da transparência absoluta, escolhe como protector o presidente do Equador, teórico e praticante de truques há muito conhecidos para combater os "excessos opinativos" da comunicação social, temos de concluir que para ele já vale tudo. Confesso que, para mim, isso não é uma surpresa: sempre me opus a todo e qualquer esquema de "justiça popular", que é uma prática em que alguns, em nome do "bem comum" que ninguém lhes deu a tarefa de defender, se arrogam o direito de perseguir e castigar este ou aquele sem respeito por qualquer tipo de regras, sem contraditório, sem julgamento. Isso pode ser feito por grupos de "populares" armados de varapaus que perseguem ciganos nas aldeias do norte ou pode ser feito por informáticos que decidem roubar e expor a vida de pessoas e instituições que eles condenaram sem processo, sem controlo, sem direito de defesa. Assange é a bandeira dessa forma de agir, da "justiça popular" global da era da internet. Mais sofisticada tecnologicamente, mas tão bárbara como as milícias populares. E tão arbitrária como elas.
O que mais me espanta nesta equação (mas pode ser ingenuidade minha) é a participação de Garzón. Como nota Ana Palacio neste artigo, Garzón lutou contra os estratagemas das relações diplomáticas usados para furtar uma pessoa à justiça (não queria deixar que Pinochet se escondesse nas malhas dos obstáculos à extradição) e agora contribui com o seu saber para ajudar Assange a usar os estratagemas das relações diplomáticas para se furtar à justiça. E não me digam que é escandaloso comparar Pinochet a Assange: escandaloso é querer uma justiça diferente para cada cor política. Critiquei a forma como Garzón foi perseguido em Espanha: estou convencido de que cometeu erros (abuso dos seus meios como juiz), mas também estou convencido de que foi perseguido pela direita mais reaccionária que quer impedir que se vasculhe na porcaria que os seus heróis fizeram há umas décadas. Mas ser vítima não lhe dá imunidade ao disparate, nem o isenta de análise crítica.
Infelizmente, todo este caso ilustra o avanço global da lei da selva: Robin dos Bosques nunca foi bem aquilo que nos contaram, mas os candidatos a seus herdeiros arriscam tornar-se uma máscara horripilante dos valores de que se reclamam.