11.9.24

O DEBATE. Trump vs Kamala, claro.

10:04



Para um ser racional, capaz de distinguir entre factos e alucinações e capaz de pesar a qualidade dos argumentos, Kamala venceu claramente o debate. Trump fartou-se de mentir e, mais do que isso, de inventar completos disparates. A questão é saber se isso serve de muito. De alguma coisa serve: se Kamala tivesse mostrado impreparação, ou se tivesse descambado em assuntos melindrosos para a sua base de apoio potencial (como a situação em Israel e em Gaza), o seu eleitorado desmobilizaria em alguma medida. Mas este tipo de debate, com aquele eleitorado neste contexto, não é decisivo. Para distinguir entre um facto e uma bizarria, é preciso ter algum conhecimento dos factos. Para distinguir entre um bom argumento e um pseudo-argumento sem lógica nenhuma, é preciso ter um certo grau de racionalidade em operação. Mais: para ter uma avaliação democrática é preciso ser um democrata: os que continuam a aplaudir a recusa de Trump em aceitar o resultado das anteriores eleições não se chocam nada com a insistência nessa loucura. A questão é que o eleitorado de Trump tem mais disto do que o eleitorado de Kamala (nenhum dos eleitorados é homogéneo, nenhum é puro e santo, nem nos EUA nem em lado nenhum, é uma questão de proporção). Não vale a pena rasgarmos as vestes, contudo. No imediato, porque Kamala pode perfeitamente vencer, até com o apoio dos republicanos racionais e democratas que percebem o perigo para a democracia e vêm no trumpismo a destruição do Partido Republicano tradicional. O debate contribuiu para esse caminho. Por outro lado, porque, embora em graus diferentes, esta fragilidade é característica das democracias representativas tal como elas realmente existem: a falta de mecanismos para os cidadãos terem maior poder real na decisão política, mais quotidianamente e não apenas de quatro em quatro anos, promove o desconhecimento dos factos e das consequências das políticas seguidas. Por não terem considerado devidamente o problema do afastamento entre representantes e representados, as chamadas "democracias ocidentais" ficaram mais vulneráveis à demagogia e à manipulação. É melhor viver nestas democracias imperfeitas do que em sociedades esmagadas por ditaduras, como acontece na Rússia, na China, na Arábia Saudita, ... (a lista é imensa). Mas corremos o risco de perder essa vantagem se não corrigirmos os nossos defeitos fundamentais. Que a "democracia representativa real" não acabe como o "socialismo real"...


Porfírio Silva, 11 de setembro de 2024
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3.9.24

OE 2025: falar claro sobre o país




Deixo aqui, para registo, o editorial do Acção Socialista, publicado na edição de 2 de setembro, da minha responsabilidade como diretor desse órgão de informação do PS.

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OE 2025: falar claro sobre o país

Há quem pense que negociar o Orçamento de Estado, neste caso o OE para 2025, é apenas uma questão de conversa leve para entreter as audiências. E, pior, há quem ache que pode forçar os deputados do PS a votar sob chantagem e sem que o governo da AD faça minimamente o seu trabalho para encontrar os votos parlamentares que o povo não lhes deu. E também há, na esquerda da esquerda, quem ache que pode dizer ao PS como assumirmos as nossas responsabilidades e quem acredite que não somos capazes de pensar pela nossa cabeça acerca do interesse nacional e do interesse da maioria do povo português que vive do seu trabalho.


A posição do PS é que estamos a tratar de um assunto sério (embora não seja a única matéria a merecer debate político) e que, por isso, o país pode continuar a contar com a nossa responsabilidade e com o nosso compromisso com as propostas e com os valores com que nos apresentámos ao eleitorado.
Foi essa responsabilidade e verticalidade, com clareza e transparência, que, ontem, mais uma vez, em Tomar, assumiu o Secretário-Geral do PS. Disse, na ocasião, várias coisas muitíssimo acertadas:

(1) O PS só pode começar a negociar o OE quando receber a informação necessária para avaliar a situação do país. Evidente: o contrário seria irresponsabilidade.

(2) O PS não aceitará um OE que tenha implícitos os regimes IRS e IRC que a AD propôs na AR. Claro: se têm uma pequeníssima maioria e querem impor a sua visão unilateral, é porque não querem aprovar o OE nem estão a ser sérios com o PS.

(3) Se as autorizações legislativas relativas aos regimes fiscais forem aprovadas com a IL e o CH, é com esses partidos que o governo tem de aprovar o OE. Claro: a AD não pode querer fazer governação séria com a técnica das duas caras, que consiste em pedir ao PS os votos para fazer a política dos radicais de direita.

(4) Cumpridas as três condições anteriores, então apresentaremos as nossas propostas para o OE. Certo: continuamos a ter uma posição construtiva, como temos tido desde que se iniciou esta legislatura. Coisa de que, pelo contrário, a AD não tem dado quaisquer mostras.

Acresce: a AD, com esta maioria frágil, só pode querer aprovar o OE com cedências relevantes ao partido de oposição com que quase empatou. Certo: a democracia é esse pluralismo, não é ganhar por uma unha negra e querer governar sem ter em conta os outros eleitos pelo voto do povo - de cujos votos, aliás, precisam.

Pedro Nuno Santos posicionou o PS neste debate de forma clara, correcta, construtiva e responsável. Não fez nenhuma exigência maximalista. Não bloqueou nenhuma possibilidade. Deixou caminho aberto para que Luís Montenegro se deixe de jogos florais e assuma as suas responsabilidades.


(A publicação original pode ser encontrada aqui: EDITORIAL. OE 2025: Falar claro sobre o país )


Porfírio Silva, 3 de setembro de 2024
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