31.1.16

De quem é o espaço entre instituições?


A Finisterra - Revista Portuguesa de Geografia, fundada em 1966 por Orlando Ribeiro, Suzanne Daveau e Ilídio do Amaral, comemora 50 anos de publicação ininterrupta com o lançamento do número 100. Nessa ocasião convidaram investigadores de fora da Geografia para pensar o tema do Espaço. Resultou, desse modo, um número 100 muito heterogéneo, no qual tenho a honra de participar com um texto intitulado De quem é o espaço entre instituições?
O artigo pode ser lido em linha aqui.

1.1.16

Voltemos, então, a Henrique Monteiro.

19:42


No Expresso de 30 de Dezembro (em linha), Henrique Monteiro, num texto de revisão do ano (“IV – Personalidade Nacional – António Costa”), volta a conhecidas teses sobre o “actual PS”, por oposição ao “antigo PS”. Usando uma misturada de nomes e supostas tendências, na verdade nunca explicita qual é a geografia que faz do PS. Percebe-se: os nomes que alinha e as supostas tendências não dão essa geografia e, se dessem, ela só mostraria a falta de lógica da “explicação” avançada para a actual implicação de socialistas de várias correntes tradicionais na presente solução política. Mas, enfim, nenhuma destas teses é nova em Henrique Monteiro, nem surpreendente, nem em si mesma abominável. Qualquer pessoa, jornalista ou não, tem direito a ter opinião. Mais, tem mesmo direito a instalar-se na visão da vida que acomoda melhor a interpretação heróica do seu próprio passado de participação política e cívica, e a partir daí julgar tudo o resto no mundo como planetas menores girando em torno do centro solar desse sistema. Nada mais humano do que isso (e, não, não vou citar Nietzsche).

Contudo, um jornalista experiente e com a senioridade de Henrique Monteiro tem o estrito dever de não enganar os leitores com informação objectivamente falsa. Ainda mais quando a falsidade serve para o mais soez insulto político, procurando comparações ignóbeis absolutamente descabidas.

O facto é que Henrique Monteiro escreve que a fórmula política encontrada por António Costa para a presente solução governativa só tem um precedente, a saber, o apoio da extrema-direita de Haider aos conservadores austríacos em 1999. Cito: “A única vez que isto aconteceu foi na Áustria em 1999, quando o partido conservador se aliou ao partido de extrema-direita de Haider, governador da Caríntia, apesar de terem sido os sociais-democratas a ganhar as eleições.”

Para HM afirmar que esse é o único precedente (passando já por cima do facto de que a crítica da esquerda àquele governo austríaco foi sempre acima de tudo a inclusão de um partido de extrema-direita no governo, por causa das suas propostas políticas, e não por causa do esquema de combinação de votos na fórmula parlamentar), HM tem de cometer um pequeno lote de erros factuais necessários ao seu esquema discursivo.

Primeiro, afirma que o precedente Dinamarquês não vale, porque estão três partidos no governo e o esquema era conhecido antes das eleições. Ora, não estão nada três partidos no governo da Dinamarca: o governo da Dinamarca é monocolor (como o português), formado exclusivamente por ministros do Partido Liberal (Venstre), que conta com o apoio de vários partidos de direita.

Segundo, afirma que “noutras latitudes em que o vencedor não é primeiro-ministro, o partido mais votado também está no governo”. Ora, vamos aos exemplos: o governo do Luxemburgo exclui, precisamente, o partido que ficou em primeiro lugar nas últimas eleições legislativas, de 20 de Outubro de 2013, o CSV de Jean-Claude Juncker, actual presidente da Comissão Europeia. O actual primeiro-ministro luxemburguês, Xavier Bettel, é o líder do partido que ficou em terceiro lugar naquelas legislativas, liderando uma “coligação de derrotados” em que estão também os partidos que ficaram em segundo e quarto lugares. Portanto, aqui o partido mais votado não está no governo.
De facto, há governos onde o mais votado não lidera, embora pertença à coligação (exemplo, Bélgica), mas HM evita escrupulosamente concluir que isso significa que são os representantes eleitos os responsáveis por encontrar as fórmulas concretas para responder às diferentes situações concretas. Também na Letónia, o governo é chefiado pela líder do partido que ficou em segundo lugar, tendo ficado de fora os socialistas do Harmonia que foram os que recolheram mais votos nas legislativas de 4 de Outubro de 2014.

Henrique Monteiro, além de não respeitar suficientemente os leitores para verificar os dados que passa como informação, também cuida pouco de fazer uma análise que seja suficientemente ampla para não parecer enviesada no sentido de conferir credibilidade indevida às suas opiniões. Quando diz que na Dinamarca as preferências de parceiros são anunciadas antes das eleições, tem razão, pelo menos comparando com as práticas de muitos outros países. Mas não lhe passa pela cabeça lembrar que na Alemanha nem a CDU nem o SPD fizeram campanha pela Grande Coligação, o que não os impediu de a fazer. Tal como nem no Luxemburgo nem na Bélgica foi feito esse pré-anúncio. Tal como, para ficarmos mais perto, nem Passos nem Portas se coibiram, em 2011, de ir juntos para o governo sem o terem anunciado antes das eleições.

Portanto, Henrique Monteiro, ao escrever que o único precedente para a actual solução política portuguesa é o recurso ao fascistóide Haider, não só escolhe o caminho do insulto político, como escolhe o caminho da falta de respeito pelos factos.

Fazer o balanço de 2015 é, para alguns, começar a voar mais alto do que já se disse e já se fez no ano findo. Para outros, não é mais do que cavar nos mesmos buracos. Enfim.